Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

29


Filipe teve uma recuperação lenta e penosa, mas refez-se do acidente sem
sequelas permanentes, salvo um coxear muito ligeiro que só se notava com o
cansaço. Em contrapartida, conheceu a mulher com quem haveria de se casar.
Patrícia visitou-o diariamente enquanto esteve internado, demorando-se cada
dia mais um pouco do que o anterior, regressando para se despedir ao final da
tarde, voltando ao trabalho.


Nessa época, Patrícia iniciara a residência no Hospital Santa Maria e
mudara-se da casa dos pais para um pequeno apartamento. Embora morasse
sozinha e não tivesse namorado, estava entrando numa nova etapa da sua vida
e sentia-se empolgada, independente e com um mundo de possibilidades à sua
frente. A sua última relação tinha acabado já lá iam quatro meses e, para dizer
a verdade, não era nada que recordasse com saudade. Também não havia
muito para contar acerca disso, só que fizera uma escolha errada e tivera um
enorme desgosto. Em todo o caso, Patrícia andara tão ocupada montando a
casa nova e com a adaptação ao hospital que não lhe sobrara muita
disponibilidade para namorar.


O envolvimento com Filipe foi totalmente inesperado, não só a forma
surpreendente – para não dizer chocante – como o conheceu, mas também o
fato de se ter afeiçoado a ele nas semanas seguintes. Não se podia dizer que
tivessem tido uma atmosfera romântica durante a convalescença dele. Filipe
esteve preso a uma cama bastante tempo, com as pernas engessadas e muitas
dores. Só mesmo o seu temperamento sereno, as visitas de Patrícia e os livros
que lia permitiram que suportasse a provação com um ânimo notável. Filipe
era o que as enfermeiras chamavam um paciente fácil, um tipo bem-disposto
que não descarregava nelas as agruras do sofrimento, do incômodo, do tédio.
Não se queixava e tinha sempre uma palavra simpática, um sorriso, para elas.


Patrícia foi cedendo ao seu encanto, foi resvalando sem resistir para um
estado de alegria que a levava a pensar nele a qualquer momento, que a atraía
ao quarto dele sempre que podia, ora para o ver rapidamente, ora para se
sentar ao seu lado. Tinham longas conversas, falavam das suas vidas, do novo
trabalho de Patrícia, da ambição de Filipe em tornar-se escritor – nessa altura
escrevia o seu primeiro livro –, riam de tudo e de nada, iam se conhecendo
melhor, ao ponto de um dia Filipe segurar a mão dela e perguntar-lhe se
queria sair com ele mal deixasse aquela cama. Ela respondeu-lhe que sim,
mas na condição de levá-la a dançar. Ele soltou uma gargalhada e aceitou o

Free download pdf