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No quarto de Filipe estava uma mulher jovem, de pé, à beira da cama, de
costas para quem entrava e tapando a vista de Patrícia. Esta, na soleira da
porta, não foi capaz de ver a cara de nenhum dos dois e se pegou pensando se
não teria entrado no quarto errado. Percebendo um momento de intimidade
entre eles, Patrícia fez uma careta divertida, silenciosa, pensando que estava a
ponto de ter a inconveniência de interrompê-los. Esticou o pescoço para trás,
rindo para dentro, confirmando o número na porta, mas logo viu que era
mesmo o quarto certo e agora, mais atenta, confirmou os pormenores das
coisas dele, os livros, o relógio, a mesma flor abatida na jarra da véspera, tudo
em cima da mesa de cabeceira e, estarrecida, viu a mulher debruçar-se sobre a
cama, depositar-lhe um beijo na testa, fazer-lhe uma carícia no rosto a que ele
correspondeu com um sorriso e, teve a certeza, era só olhos para ela, tanto que
nem ele nem a outra deram pela presença de Patrícia.
Com o coração petrificado e o rosto branco de suores frios, Patrícia viu
refletidos na imagem daquela mulher os seus próprios gestos, aqueles que
antecipara para si durante a insônia da noite passada. Depositou o livro na
cadeira que havia ao lado da porta, saiu do quarto, enfiou as mãos nos bolsos
do avental e caminhou pelo corredor de regresso à sua enfermaria com os
olhos postos no chão e uma tristeza sem nome. Sentindo-se enganada, tomou,
numa súbita fúria, a decisão de nunca mais voltar ao quarto de Filipe.
Ele só teve consciência de que Patrícia estivera ali quando, ao entrar no
quarto, uma enfermeira solícita reparou no livro esquecido em cima da
cadeira e lhe perguntou se era seu. Filipe reconheceu o título, mas não
entendeu como é que ele tinha ido parar lá. Porém, mais tarde notou
apreensivo que Patrícia falhara a habitual visita da manhã e, lembrando-se de
que tivera outra visita, ligou tudo e percebeu que não era coincidência.
Calculou que Patrícia devia ter ido visitá-lo e, não querendo interromper,
deixara-lhe o livro. Nessa altura não se preocupou muito com o assunto,
pensou que ela acabaria por aparecer, provavelmente ao final da tarde, mas
quando Patrícia não veio, a sua alma anoiteceu deprimida com os últimos
resquícios do dia. Filipe não passou bem essa noite, mas não soube dizer se
sentiu mais as dores nos joelhos e o tormento das comichões nas pernas
engessadas só por tê-las despedaçadas ou se foi porque Patrícia lhe falhou,
deixando-o prostrado e ainda mais fraco do que nos primeiros dias de