Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

– Ai, menino – voltou ela ao tom condescendente, de braços cruzados,
abanando a cabeça como se ele fosse estúpido. – Não vê que não há telefone
aqui no quarto?


E Filipe, esforçando-se para se controlar e não responder torto, fingiu que
não levou a mal a impertinência e até sorriu, se fazendo de distraído.


– Sim, tem razão – disse. – Então, diga-lhe só que preciso falar com ela.
– Se a encontrar, eu digo.
– Mas não lhe vai telefonar?
– Sim, vou ligar. Se a encontrar pelo telefone, se ela estiver lá e puder vir ao
telefone, eu digo-lhe que quer falar com ela.


– Está bem, obrigado. Mas, não se esqueça, é importante.
– Não prefere falar com a sua doutora? – perguntou, com falsa ingenuidade.
– Daqui a pouco ela passa aqui, já não deve demorar.


– Não, é com a Patrícia que eu quero falar.
E a enfermeira, que sabia da história toda deles, do acidente, das visitas
diárias ao quarto dele e, desde a visita da outra, das ausências de Patrícia,
notou com uma mal disfarçada alegria aquela familiaridade de Filipe ao
referir-se à doutora só pelo nome.


– Eu vou ver se a encontro – disse, sorridente, quase a sussurrar, como
quem diz um segredo cúmplice.


Ela foi embora e ele ficou sem saber se estava só sendo intromedita ou se
estava se divertindo às suas custas. Filipe ficou sozinho e, mais do que nunca,
desesperado com a inutilidade das suas pernas, que o retinham na cama e –
como se não bastasse – refém dos humores inconvenientes da enfermeira.


A mulher voltou ao meio-dia e meia com o tabuleiro do almoço e nem uma
palavra sobre Patrícia, impávida nas suas tarefas, esperando que Filipe
perguntasse.


–   Então,  falou   com a   doutora?
– Ah, sim, falei. Ela disse que hoje está muito ocupada e não pode vir aqui.
– Mas você disse a ela que era importante?
– Disse, mas ela respondeu que hoje não podia mesmo.
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