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Deu com ele apoiado numa muleta canadense quando deixou o hospital
depois de uma esgotante maratona de trabalho intenso. Havia mais de vinte e
quatro horas que não via a cor do céu nem sabia se chovia ou se o dia nascera
brilhante e convidativo. De qualquer modo, só lhe restava energia para chegar
em casa, tomar banho e cair na cama outras vinte e quatro horas. Tinham-na
avisado de que a vida de médico não poupava uma pessoa, mas só agora é que
estava descobrindo o que realmente queriam dizer com isso. Filipe segurava
um ramo de flores como se tivesse uma criança no colo, Patrícia viu-lhe um
sorriso pouco confiante que traía o nervosismo que procurava esconder.
Reparou nas calças jeans e no suéter preto de gola alta que ele vestia, mas
notou mais o contraste que faziam com o pijama do hospital com que se
habituara a recordá-lo do que o aspecto pouco aprumado da roupa. Ela própria
sentiu-se pouco atraente no final do turno, passando instintivamente a mão
pelo cabelo quando o viu, pensando nos olhos cansados, nas olheiras, e que
precisava tomar um banho e dormir antes de enfrentar um homem com um
ramo de flores. Aproximou-se dele, parou à sua frente, cruzou os braços e
ouviu-o dizer “olá, estava à tua espera”.
– Há quanto tempo? – perguntou.
– Há quase duas horas – respondeu Filipe. – Vim cedo, porque não sabia
bem a que horas você sai e não queria te perder.
– Agora já sabe.
– Agora já sei.
– O que é que você vai fazer com essas flores?
Filipe apressou-se a estender-lhe o ramo com modos desajeitados,
embaraçado com o esquecimento.
– São para você – disse.
– Obrigada – recebeu-as, levou o rosto às pétalas das rosas frescas, apreciou
o perfume que exalavam.
– Comprei-as para você.
– Já percebi.
Filipe sentiu-se um idiota, incapaz de articular o discurso que havia