Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

concentrar nas leituras que costumava intercalar com a escrita, nem escrever
nada em condições. À noite, depois do trabalho, vagueava pelos bares do
Bairro Alto, onde encontrava velhos amigos do tempo da universidade, com
quem se sentava para beber, fumar, discutir literatura e política pela
madrugada. A bengala onde apoiava os joelhos ainda fragilizados do acidente
e a barba pouco consistente que deixara crescer por desmazelo romântico
conferiam-lhe um semblante mais velho que nunca tivera, mais acadêmico,
disfarçando ligeiramente o seu habitual aspecto imberbe que tanto o
contrariava.


Andou assim repetidas vezes, sem cabeça para nada, imerso em
pensamentos que não partilhava com os colegas de festa, inconformado com a
saudade, congeminando planos para reconquistar Patrícia. Demovia-o o
receio de ela não querer falar com ele, de modo que decidiu desempatar a sua
hesitação escrevendo-lhe uma carta sincera. Porém, nunca chegou a remetê-
la, porque não sabia o seu endereço e porque lhe soava a covardia entregar-lhe
em mão as palavras que poderia dizer ao vivo.


Tudo ponderado, chegou à conclusão de que não lhe restava outra opção
que voltar a procurá-la e arriscar-se a ser rejeitado, dado que a alternativa
seria vegetar pela vida a definhar de amor. Escolheu o mesmo local onde
chocaram na primeira vez, em frente à livraria, à mesma hora, no mesmo dia
da semana. Encontrou-a na rua atrapalhada com pressa, tal e qual como se
tinham conhecido. Patrícia espantou-se ao deparar com ele e tentou evitá-lo,
seguindo em frente, de braços cruzados, agarrando bem as suas folhas,
embaraçada, alegando que chegaria atrasada ao hospital.


– Posso deixar-me atropelar para ter uma desculpa – gracejou Filipe.
– Nem ouse! – exclamou, assustada com a recordação dramática, mas não
resistiu a um sorriso, secretamente encantada com a persistência dele.


– Então eu te acompanho.
– Só se você pegar o ônibus comigo.
– Pego, então.
Apressaram-se para o ponto, ele apoiado na bengala, esforçando-se para
não perdê-la. Entraram no ônibus, sentaram-se lado a lado.


– Como tem andado? – perguntou Filipe, vendo-a pouco à vontade, muito
direita no seu lugar, olhando para a frente, o que lhe ofereceu uma certa
segurança.


–   Ah, você    sabe    como    é,  sempre  cheia   de  trabalho.   Mal tenho   tempo   para
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