Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O apartamento de Filipe era pouco mais do que um quarto sem luxos. Ele
teimava em viver das letras, conseguira um trabalho de revisor num jornal
diário e, ocasionalmente, convencia o diretor a publicar uma das suas
histórias. Mais tarde, conquistaria a boa vontade do diretor e deixaria essa
tarefa precária para ingressar na redação como jornalista estagiário. A sua
primeira reportagem séria, o seu primeiro sucesso, foi um mistério que se
arrastou pelos jornais durante duas longas semanas, deixando os leitores
sempre suspensos da notícia do dia seguinte, que ele escrevia todos os finais
de tarde como se fosse mais um capítulo de um livro policial, juntando os
pedaços de informação nova que reunia pacientemente desde manhã. O caso
se deu numa rua escondida de Odivelas e começou por se resumir no
homicídio de um homem abatido a tiro de pistola dentro do seu carro, depois
de um semáforo fechar no vermelho. Inicialmente, o caso não mereceu mais
do que uma nota na última página, dado que acontecera já de noite e Filipe
soube dele na ronda telefônica pela polícia e pelos bombeiros antes do
fechamento da edição. O editor, calejado de homicídios e outras notícias
brutais, não lhe conferiu grande importância. Já o jovem estagiário, intrigado
com o que lhe pareceu um assassinato ao estilo de execução, pouco habitual
até nos tabloides mais sangrentos, entusiasmou-se com a notícia e dedicou-se
a esgaravatar informações nas horas seguintes.


Pegou um táxi e pagou de seu bolso, foi ao local do crime, tirou fotografias
exclusivas, falou com a polícia. E, naquelas horas adormecidas, foi o único
repórter em campo, recolhendo assim valiosos dados que transformaram um
homicídio de rotina numa história sensacional. Enquanto a polícia trabalhava
em volta do carro com o vidro furado a tiro e o morto de cabeça caída sobre o
volante, Filipe soube que a vítima era um conhecido industrial que ia a
caminho da sua fábrica de componentes para automóveis.


Logo pela manhã, Filipe anunciou-se na fábrica com a credencial de
repórter e preparado para uma recepção hostil, mas descobriu afinal que os
funcionários, órfãos do patrão e desorientados, tinham acabado de chegar e de
saber a notícia. A fábrica estava parada, e Filipe foi recebido com curiosidade,
vendo-se cercado pelos trabalhadores chocados, à míngua de informações.
Contou-lhes tudo o que sabia, que o patrão ia em direção à empresa quando
alguém o atacara com uma pistola e o deixara sem vida à beira de um

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