Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

semáforo próximo. Em troca, tomou nota do espanto da secretária do
industrial, que, agarrada a um lenço num vale de lágrimas, garantiu-lhe que
era impossível o patrão estar voltando à fábrica àquela hora. A mulher, muito
chorosa, respirou fundo para controlar os nervos e explicou que o patrão
costumava sair tarde, mas nunca voltava atrás e, acrescentou sem hesitar, na
noite passada em particular não houvera nenhuma razão para fazê-lo.
Nasceram assim dois mistérios: quem matara o industrial e o que o levara a
voltar à fábrica sem motivo aparente.


Chegando à redação, Filipe procurou logo o editor e ao bom dia azedo, “está
atrasado, meu garoto”, acenou triunfal com o caderninho prenhe de notícias
frescas. A iniciativa de Filipe foi louvada pelo diretor em pessoa e a edição
dessa noite saiu com um exclusivo arrasador: a fotografia do morto na
primeira página e o relato detalhado nas duas páginas seguintes. O mistério da
morte do industrial adensou-se com o impacto da notícia e, em breve, a
concorrência juntou-se à história, compensando o atraso com muita
especulação.


Embora não houvesse novidades significativas, os diretores perceberam que
o assunto vendia jornais e foram alimentando a notícia com reportagens
paralelas, pontuadas por algumas informações atribuídas a fontes policiais.
Por seu lado, a polícia manteve a investigação em segredo, mas Filipe
conseguiu apurar que os inspetores não tinham encontrado a carteira do
industrial, pelo que haviam deduzido ter-se tratado de um assalto que dera
errado e estavam no encalço de um ladrão sem rosto. Entretanto, enchiam-se
páginas com entrevistas dos trabalhadores da fábrica, desenterrava-se o
passado do industrial, descobria-se a viúva e os três filhos menores,
especulava-se sobre a alegada situação econômica difícil da empresa,
escrevia-se que no final das contas o morto não era tão rico como se julgava e
só deixava dívidas à família enlutada.


No meio da segunda semana, Filipe recebeu um inesperado telefonema da
secretária do industrial, dando-lhe conta de um fato insólito que voltou a
baralhar a investigação. Indignada com as especulações que lia nos jornais e
com a falta de resultados da polícia, a mulher fez-lhe o favor de informá-lo
que ela própria encontrara a carteira do patrão no bolso de um casaco
esquecido num cabide no escritório da fábrica. Filipe desligou o telefone
eufórico, correu ao gabinete onde os editores preparavam a edição de amanhã
com a direção, entrou de rompante e interrompeu a reunião para dar a notícia
que haveria de ocupar maior destaque na primeira página:

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