Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

– A polícia anda na pista errada – anunciou. – Não se tratou de um assalto.
E mais, já sei por que é que o homem voltou à fábrica. Tinha-se esquecido da
carteira!


Depois de lerem aquilo no jornal, os inspetores regressaram em peso à
fábrica e, mudando o rumo da investigação, abandonaram a hipótese de roubo
e começaram a procurar um potencial inimigo do industrial. Interrogaram um
a um todos os funcionários e vasculharam a identidade e a história dos
antigos, até darem com um que fora despedido recentemente por ser
alcoólatra, violento e ter ameaçado o patrão em público. E numa questão de
horas capturaram o homem dormindo no colchão da sua casa imunda e
apreenderam a arma do crime.


Mais tarde, após trazerem o homicida de volta ao mundo dos vivos, os
inspetores interrogaram-no pacientemente e obtiveram dele a confissão
desejada. Na sua última notícia sobre o crime, Filipe escreveu no calor da
situação uma empolgante notícia sobre a má sorte de um industrial
assassinado por acaso. Se não tivesse se esquecido da carteira no escritório, o
infeliz patrão não teria voltado atrás, nem parado no sinal vermelho à mesma
hora em que, por coincidência, o ex-empregado bêbado também parava de
moto. Este, reconhecendo-o, abateu-o a tiro num impulso de raiva com uma
arma de pequeno calibre que sempre carregava.


Depois deste episódio que o retirou do anonimato e o lançou definitivamente
no meio jornalístico, Filipe ainda trabalharia muitos anos em redações,
chegando a diretor-adjunto de um projeto fracassado, um jornal que não se
afirmou, dedicando-se a partir daí exclusivamente aos livros. Mas nessa época
feliz, o dinheiro não abundava, e o que esbanjava na vida boêmia não lhe
sobrava para a casa barata onde só ia dormir.


O quarto abafado de Filipe tinha o cheiro de mofo dos espaços fechados,
com pouca ventilação, pouca limpeza, pouco interesse. Ele atirou sem
cuidado o casaco para cima de uma cadeira de palhinha com o fundo roto,
puxou as cobertas da cama por fazer enquanto Patrícia também tirava o seu
casaco. Depois deitaram-se na cama, que, de qualquer modo, era o único
lugar possível, uma vez que o apartamento não tinha o conforto de uma sala
de estar, tampouco uma mesa de jantar, só uma cozinha minúscula que ele não
usava. Nem uma televisão, só livros, muitos livros empilhados, que subiam
pelas paredes brancas, lisas, despojadas de quadros.


A   primeira    vez que Patrícia    entrara ali sentira-se  chocada com o   seu aspecto
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