Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019 • 9
ESPAÇO PÚBLICO
ANA (que passou a ser a concessionária de
todos os aeroportos nacionais por um
período de 50 anos, até 2062), o aeroporto
da Portela seria mantido em funcionamento
e a sua capacidade reforçada através da
criação de um aeroporto complementar, a
instalar num dos aeródromos existentes na
região de Lisboa. Foram comparadas várias
localizações: Montijo, Alverca e Granja do
Marquês (Sintra), tendo a “equipa de missão”
encarregado do estudo concluído em 2014
que a melhor opção seria o Montijo.
Aprovado o contrato de concessão,
avançou-se para a privatização da ANA,
tendo, no seguimento do concurso
internacional realizado, esta sido vendida ao
grupo Vinci no Ænal
de 2013 por 3100
milhões de euros,
um excelente
negócio para o
Estado. Portanto,
para que não seja
afetada a conÆança
dos cidadãos nas
instituições, este tipo
de insinuações deve
terminar; com a
construção do
aeroporto do
Montijo o grupo
Vinci limita-se a
cumprir o
estabelecido no
contrato de
concessão da ANA.
O artigo refere
seguidamente os
impactes negativos
do projeto, com
relevo para a
avifauna (o voo das
Engenheiro civil, membro conselheiro da
Ordem dos Engenheiros
S. Pompeu Santos
Aeroporto do Montijo:
opção sensata
F
oi publicado na edição do passado
sábado (14 de setembro) deste
jornal um artigo com um título
aparentemente inócuo: “Por um
aeroporto sustentável para
Lisboa.” Embora sem autoria
explícita, é referido no Ænal do
artigo que se trata de subscritores
de um manifesto designado
“Poupem o Montijo”, sendo
apresentada uma lista de mais de seis
dezenas de individualidades dos mais
diversos quadrantes, incluindo a engenharia,
o teatro e a música. Teria sido mais
transparente adotar para título do artigo a
designação do manifesto; o leitor Æcava logo
a saber o que vinha a seguir: um manifesto
antiaeroporto do Montijo.
Embora numa sociedade democrática os
cidadãos sejam livres de manifestar as suas
opiniões, o artigo contém várias inverdades,
as quais devem ser desmontadas, sob pena
de uma mentira repetida muitas vezes
parecer verdad — as fake news , de que hoje
tanto se fala.
Em primeiro lugar, a questão política. A
decisão de construir um aeroporto no
Montijo não é, conforme insinuado no artigo
e também por vários agentes políticos, um
“esquema” do grupo Vinci (dono da ANA),
com a conivência do Governo português. A
decisão de parar o processo da construção
de um novo aeroporto faz parte do acordo
celebrado por José Sócrates e o seu Governo
com a troika (FMI+BCE+UE), em maio de
2011, no seguimento do pedido de resgate
para evitar a bancarrota do país,
consequência da sua imprudente
governação, na qual colaboraram alguns dos
subscritores do manifesto.
O Plano Estratégico de Transportes,
aprovado em novembro de 2011, já com
Passos Coelho primeiro-ministro, assumiu
então a revisão dos pressupostos que
serviram de base à decisão de construir um
novo aeroporto de Lisboa, preconizando
uma estratégia de ampliação da capacidade
aeroportuária na região de Lisboa, com a
maximização da capacidade do aeroporto da
Portela e a análise da conversão de
infra-estruturas aeroportuárias existentes
nesta zona para acomodar tráfego civil.
Assim, no contrato de concessão
celebrado no Ænal de 2012 entre o Estado e a
aves) e o ruído nas zonas urbanas
sobrevoadas pelos aviões, tanto na margem
sul, como em Lisboa. Não devendo ser
desvalorizadas, trata-se de matérias já
conhecidas, para as quais é possível a adoção
de medidas de mitigação.
Há, contudo, referência a uma matéria que
deve ser analisada com atenção: a questão
das alterações climáticas e a subida do nível
do mar e do estuário do Tejo, que, segundo o
artigo, “porá em risco a viabilidade da
infra-estrutura”. Esta insinuação é um
embuste, que precisa de ser desmontado.
Apesar de a subida do nível do mar ser um
fenómeno ainda muito incerto, os cenários
mais pessimistas apontam para subidas
anuais na costa portuguesa da ordem dos
cinco milímetros. Ora, como o aeroporto do
Montijo Æca acima da cota +4, tal nunca irá
acontecer antes de 800 anos, quando a
infraestrutura que se pretende construir é
para funcionar, no máximo, 40. Aliás, esta
preocupação é curiosa, já que toda a zona
ribeirinha de Lisboa, desde o Parque das
Nações até Belém, está a cerca da cota +3, ou
seja, quando a água chegar ao aeroporto do
Montijo há mais de 200 anos que não existirá
zona ribeirinha de Lisboa.
O artigo conclui então que “é essencial
avaliar as alternativas, de modo a selecionar
a que melhor responde às exigências”,
portanto, que “é preciso realizar uma
avaliação ambiental estratégica” do projeto.
No entanto, o artigo não refere alternativas
possíveis à solução “Portela+Montijo”. Além
disso, quando se fala de alternativas, não
deve ser apenas do aeroporto, terão de ser
incluídas todas as infra-estruturas
complementares, em particular os acessos,
tanto rodoviários como ferroviários, neste
caso a travessia (ou travessias) do Tejo
necessárias.
Com a
construção do
aeroporto do
Montijo o grupo
Vinci limita-se a
cumprir o
estabelecido
no contrato de
concessão da
ANA
É curioso que o artigo dê como adquirida,
a breve prazo, uma travessia ferroviária
Chelas-Barreiro, para ligar Lisboa a Madrid e
às redes ferroviárias transeuropeias, isto é,
em bitola UIC (ou europeia, como alguns a
apelidam). Na atual situação, esta ideia é
absurda: gastar mais de mil milhões de euros
para construir uma ponte sobre o Tejo para
comboios em bitola UIC, cujo tráfego nunca
irá além de um comboio de duas em duas
horas em cada sentido, seria uma insensatez.
Esse serviço poderá ser perfeitamente
satisfeito pela Ponte 25 de Abril, convertendo
o tabuleiro atual em bitola ibérica para
bi-bitola (bitola ibérica + bitola UIC, a
funcionar em simultâneo).
Com os problemas de endividamento do
Estado (uma dívida pública superior a 250
mil milhões de euros e um encargo com juros
superior a seis mil milhões de euros anuais),
o dinheiro para investimento público é
diminuto, pelo que deverá ser usado com
parcimónia e de modo a trazer o máximo
retorno à economia do país. Uma futura
travessia Chelas-Barreiro só deverá ser
equacionada quando o país estiver em
condições de construir um novo aeroporto
de raiz (o que só irá acontecer lá para 2050),
mas na localização certa, a zona de Rio Frio,
a seguir ao Pinhal Novo.
Além disso, com o aeroporto do Montijo,
complementar do aeroporto da Portela, não
será preciso construir mais nenhuma nova
travessia rodoviária do Tejo no corredor
nascente, durante as próximas décadas. A
Ponte Vasco da Gama tem folga suÆciente
para acomodar o tráfego gerado, bem como
para instalar um serviço de metrobus , o qual,
associado ao serviço Çuvial dos catamarãs da
Transtejo, terá um efeito igual ou superior ao
de um serviço ferroviário suburbano.
O real constrangimento na travessia do
Tejo em Lisboa é a Ponte 25 de Abril, cujo
tabuleiro rodoviário está há vários anos a
funcionar muito acima da sua capacidade,
devendo por isso ser rapidamente criada
uma travessia complementar (em princípio,
em túnel), no alinhamento Algés-Trafaria,
por exemplo. Contudo, essa travessia deverá
Æcar a cargo do concessionário das travessias
do Tejo, portanto, sem encargos para o
Orçamento do Estado ou o pacote de fundos
europeus.
Para mais informação sobre estas opções
poderá ser consultado o livro com o título
Grandes Projetos de Obras Públicas. Desafios
Portugal 2030 , recentemente publicado pelo
autor.
Desde a intervenção da troika , em 2011,
Portugal é um país com capacidade de
manobra limitada. Realismo e sensatez
recomendam-se.
DANIEL ROCHA
Desde a intervenção da
troika , em 2011, Portugal é
um país com capacidade de
manobra limitada. Realismo
e sensatez recomendam-se