Público - 17.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 17 de Setembro de 2019 • 27

AMIR COHEN/REUTERS
mais nada, vai fazer isso?”, pergunta
Shaked. “A maioria das pessoas em
Israel não o levaram a sério.”
Apesar de a anexação ter feito títu-
los de notícias em todo o mundo, em
Israel a campanha teve uma parte
substancial dedicada à divisão entre
seculares e religiosos. A excepção do
serviço militar é apenas um dos
aspectos irritantes para muitos israe-
litas seculares — outros são o mono-
pólio religioso sobre os casamentos,
ou as restrições que muitos conside-
ram excessivas no Shabbath e nos
feriados religiosos.
Com o slogan “Make Israel normal
again”, Lieberman apresentou-se
como o secular — nacionalista, defen-
sor de um Estado palestiniano que,
como chegou a propor, deveria rece-
ber os cidadãos israelitas de origem
palestiniana. Mais tarde teve várias
tiradas contra árabes israelitas, suge-
rindo que os que não fossem “leais”
ao Estado de Israel fossem “decapita-
dos”. Pode subir de cinco para nove
deputados e voltar a ser decisivo.
Esta mudança, e a fragmentação,
faz com que a passagem de votos de
uns partidos para outros seja menos
previsível — quantos votos do Likud
irão para o partido de Gantz (secula-
res mais centristas) ou de Lieberman,
quantos para o partido “secular-reli-
gioso” dos antigos aliados de Netanya-
hu, Naftali Bennet e Ayelet Shaked, e
quantos migrarão dos partidos tradi-
cionais do centro-esquerda, incluindo
o Labour, para Gantz?
Segundo as últimas sondagens, os
trabalhistas podem conseguir cinco
deputados no melhor cenário, che-
gando a ser posta a hipótese de não
passarem a barreira eleitoral de
3,25%, o que é impressionante para o
partido histórico de Israel.
Já o partido que inclui o antigo pri-
meiro-ministro Ehud Barak, o União
Democrática, pode Æcar com apenas
seis deputados, apesar da sua entrada
surpresa na cena política.
Quanto a Lieberman, que saiu do
Likud após anos de condescendência
— era “o Vladimir”, o porteiro molda-
vo que fazia o trabalho duro para o
polido Netanyahu, diz o New York
Times —, o seu objectivo é vingar-se
de “Bibi”, impedindo-o de ter uma
maioria, disse o editor de política do
Jerusalem Post, Gill Hoèman. Que
remata: “E se Netanyahu não tiver a
maioria, a sua carreira acaba.”

“Make Israel normal
again” é o slogan de
campanha do
nacionalista secular
Avigdor Lieberman

[email protected]

Numa troca de emails com o
PÚBLICO, Ofer Kenig, investigador
do Israel Democracy Institute,
antevê “uma confusão” nestas
eleições em Israel: potenciais
cisões de partidos, e até um
governo liderado pelo Likud, mas
sem Netanyahu.
O que pode acontecer nestas
eleições?
Vejo três cenários:


  1. O Likud e os seus aliados (o
    chamado bloco de direita religiosa)
    conseguem os 61 deputados [a
    maioria no Parlamento de 120].
    Esta será uma grande conquista
    para Netanyahu. Permitirá que
    continue os seus esforços para
    evitar uma acusação criminal e
    manter as tendências populistas do
    actual Governo.

  2. Se o Likud e os seus aliados
    não conseguirem a maioria, a
    situação começa a complicar-se. E
    aí temos as opções de um governo
    de “unidade”, que junte Azul e
    Branco [do antigo chefe do
    Exército, Benny Gantz], Likud e o
    partido de Avigdor Lieberman,
    liderado por Netanyahu, ou um
    governo de unidade com estes
    mesmos partidos mas liderado por
    Gantz, ou ainda este mesmo
    governo liderado por outro
    candidato do Likud, se o Likud
    conseguisse afastar Netanyahu da
    liderança do partido.

  3. Novo impasse e uma terceira
    eleição.
    A última opção é menos realista,
    o que nos deixa com as várias
    opções do ponto 2, e penso que
    qualquer uma das três hipóteses de
    governo de unidade é possível.


“Os resultados são apenas


o primeiro passo do jogo”


Nenhuma das sondagens
publicadas desde as últimas
eleições [em Abril] deu 61
deputados ao Likud e seus aliados,
o que deveria excluir a primeira
opção. Mas não devemos
subestimar as capacidades de
campanha de Netanyahu. Ainda
pode acontecer, embora as
hipóteses sejam baixas.
Quais podem ser os factores
decisivos?
A participação é um factor-chave.
Se os árabes e a classe média
secular votarem, diminuirão as
hipóteses de uma maioria para o
bloco do Likud. E excepto na
primeira opção, em todos os
outros cenários os resultados são
apenas o primeiro passo do jogo.
O Presidente vai ter um papel
muito importante na decisão de
quem nomear para tentar formar
governo. As negociações de
coligação vão ser longas e difíceis
e podem incluir a cisão de um ou
mais partidos, ou passagem de
deputados para outros partidos.
Uma confusão.
O que se destacou na
campanha?
Uma surpresa, a questão do
Estado e religião foi central desta

Ofer Kenig

Entrevista
Maria João Guimarães

vez, porque Lieberman pôs a
questão em foco na sua
campanha. Outra surpresa foi a
falta de interesse nos problemas
legais de Netanyahu. Até os seus
maiores rivais não sublinharam a
questão na campanha.
E qual a razão para a estratégia
de Lieberman? Para confirmar
o motivo que o levou a recusar
coligar-se com Benjamin
Netanyahu?
Se perguntasse a Lieberman, ele
diria que a sua posição não
mudou. Mas isso é enganoso.
Penso que ele se reinventou, de
modo muito inteligente, a si
próprio, e ao seu partido. Ao
centrar-se no Estado e religião,
posiciona-se como o decisor, a
chave para quem será o
primeiro-ministro. O partido de
Lieberman é o único que é
claramente de direita (em relação
ao conÇito, com pendor antiárabe,
tendências populistas), mas ao
mesmo tempo também secular, o
que o aproxima dos partidos de
centro-esquerda.
Essa descrição não poderia ser
do Likud?
Bem, apesar de tudo, Lieberman
começou no Likud, nos anos 1990
era o braço direito de Netanyahu.
Durante décadas, o Likud juntou
posições “de falcão” em relação ao
conÇito com uma ideologia liberal.
Mas nesta última década teve uma
viragem para a direita populista e
afastou-se dos seus valores
liberais. É por isso que nos últimos
dias vários políticos importantes
do Likud vieram dizer que pela
primeira vez na vida não votariam
no partido.
O que podemos esperar após a
noite eleitoral?
Temo um cenário em que o Likud
e os seus aliados deslegitimizem
os resultados (a não ser que o seu
bloco tenha maioria), desviando a
culpa para irregularidades e
fraudes nas localidades árabes,
com o tema “os árabes roubaram
as eleições à direita”.

Ofer Kening Investigador
do Israel Democracy
Institut, traça vários
cenários possíveis após
a votação em Israel

ocupada, embora não tenha sido leva-
do a sério, porque ele próprio já tinha
bloqueado propostas semelhantes
dos seus parceiros de coligação. Des-
ta vez, de novo a poucos dias da vota-
ção, prometeu algo muito maior: que
anexaria o vale do Jordão, além dos
colonatos, uma medida que de ime-
diato foi descrita como um grande
perigo e como uma promessa eleito-
ral vazia.
“Essa promessa é apenas campa-
nha”, diz Ronni Shaked na conversa
telefónica com o PÚBLICO. “Como é
que se espera que alguém acredite
que um homem que foi primeiro-mi-
nistro durante 13 anos e que não fez
nada em relação aos palestinianos, a
não ser deixar tudo como está, a não
ser autorizar alguns colonatos mas


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