Público - 17.09.2019

(C. Jardin) #1

4 • Público • Terça-feira, 17 de Setembro de 2019


DESTAQUE


Na guerra

contra as

alterações

climáticas

o sobreiro é

um “escudo

protector”

Apesar de ameaçado pelo aumento da


temperatura, a diminuição da


precipitação e o empobrecimento dos


solos, o montado tem potencial para


resistir e ajudar a travar a desertiÄcação


que ameaça parte do território português.


Segundo de uma série de trabalhos no


âmbito da iniciativa Covering Climate Now


Reportagem
Patrícia Carvalho (texto)
Adriano Miranda (fotos)

M


arta Ribeiro Telles olha
para uma e outra árvore
no montado com cerca de
30 anos, em Castelo
Branco. Procura as copas
dos sobreiros com tons
acastanhados, sinal de que estão a
morrer. “Este ano há montes de
árvores secas”, diz. Noutra parcela
de terreno, a engenheira mostra os
tubos de redes verdes que protegem
uma nova plantação. De algumas já
despontam pequenas árvores,
noutras, nada. “Aqui tivemos 34%
de perdas. É uma loucura”, conta.
A engenheira Çorestal é
simultaneamente proprietária de
montados e membro da equipa
técnica da Associação de
Produtores Florestais da Beira
Interior. A frase que mais repete,
carregada de ironia e sempre sem a
concluir, é: “Trazer o montado para
o Norte...” Quer com isto dizer
(entre o meneio de cabeça e o
sorriso irónico) que não há o que
trazer, porque as Çorestas de
sobreiro sempre estiveram no
centro e no Norte do país. Os

montados que se vêem nessas zonas
podem não ter a beleza dos
horizontes limpos que se
encontram no Alentejo, mas estão
por todo o lado, de Castelo Branco
(onde ocupam 15 mil hectares) a
Trás-os-Montes, disfarçados entre
outras manchas Çorestais.
Os problemas que enfrentam,
intimamente ligados às alterações
climáticas, podem variar de
intensidade de região para região,
mas Marta Ribeiro Telles garante
que são os mesmos. “O que vejo no
montado de Coruche [sua
propriedade] e aqui é igual.” Ali,
naquele terreno que pretende vir a
ser um novo montado, a razão para
as perdas sofridas é evidente:
“Foram os ratos.” São também uma
consequência do clima mais seco e
quente, diz. Instalam-se nos campos
e sem chuva que lhes inunde as
locais onde se acolhem,
obrigando-os a fugir, deixam-se
Æcar, causando estragos.
Segundo o Programa de Acção
para a Adaptação às Alterações
Climáticas, de Agosto, Castelo
Branco está bem dentro da mancha
do território susceptível à
desertiÆcação. Um mapa simples
que integra o documento é
revelador do cenário que se espera:

praticamente todo o interior do país
bem como a totalidade do Alentejo
e do Algarve (com duas
pequeníssimas clareiras) correm o
risco de desertiÆcação. Uma
possibilidade que quem está no
terreno já começa a sentir e que era
antecipada pelo menos desde 2006,
quando foi publicado o relatório do
Projecto SIAM II — Climate Change in
Portugal. Scenarios, Impacts and
Adaptation Measures.
Aí, as projecções avançadas já
diziam: “Todos os modelos, em
todos os cenários, prevêem um
aumento signiÆcativo da
temperatura média em todas as
regiões de Portugal até ao Æm do
século XXI. No continente são
estimados aumentos da
temperatura máxima no Verão
entre 3ºC na zona costeira e 7ºC no
interior, acompanhados por um
grande incremento da frequência e
intensidade das ondas de calor.” Em
relação à chuva, é mais difícil traçar
cenários, mas apontava-se para “a
redução da precipitação em
Portugal continental durante a
Primavera, Verão e Outono”,
acompanhada de episódios de
precipitação extrema.
O físico e especialista em
alterações climáticas Filipe Duarte
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