Público - 17.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 17 de Setembro de 2019 • 5

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pontos do Alentejo é um ano
fraquíssimo [de precipitação].” A
família do gestor de empresas Pedro
Marques de Sousa é proprietária de
montados na zona de Alcácer do Sal
e este membro do IPMA — Iniciativa
Pró-Montado Alentejo consegue
situar de forma clara quando é que
sentiu que as árvores estavam a
morrer mais e a produzir menos.
“Começámos a sentir as primeiras
mudanças em 2005. É evidente que
as secas não são de agora, mas 2005
foi um grande abanão, maior do que
o costume. E a partir de 2014
percebemos que já não havia anos
compensatórios.”
Conscientes de que não podem
estar à espera da chuva, os
elementos do IPMA traçaram um
plano e reuniram-se com o Governo
e partidos políticos para o
apresentar. Preconizam que o
montado de sobro e azinho do
Alentejo deve ser densiÆcado. Dos
835 mil hectares actuais querem
passar para 1,5 milhões, criando uma
Çoresta que funciona como “escudo
protector” dos solos, potenciando
um microclima na região. Sustentam
que tal só é possível se houver um
investimento do Estado e que, antes
de fazer as contas ao valor que será
necessário (embora no passado já

tenham falado em cerca de 60
milhões de euros), é preciso que a
protecção e expansão do montado
se tornem “uma prioridade”.
“Estamos a pedir aos donos das
parcelas que colaborem” no
desenvolvimento de uma Çoresta
que deve ser encarada como “uma
infra-estrutura de carácter nacional,
que transcende muito a produção de
bolota e cortiça”, diz. “ A nossa
preocupação é criar condições de
vida e de trabalho no Alentejo.”

Monitorizar em tempo real
Uma resolução da Assembleia da
República aprovada em Julho, em
defesa da protecção e expansão do
montado, aponta no sentido dessa
priorização. E o Programa de
Remuneração dos Serviços de
Ecossistemas em Espaços Rurais,
que tem o Parque Internacional do
Tejo Internacional como uma das
suas áreas-piloto, apoiando a
reÇorestação com espécies
autóctones, também. Mas é preciso
mais. Para que o futuro do montado
não Æque em risco, defendia-se no
SIAM II, é fundamental o
desenvolvimento das
“componentes de monitorização e
investigação”. Na União da Floresta
Mediterrânica (Unac) é

exactamente o que está a ser feito,
com dois projectos Ænanciados pelo
Comissão Europeia que pretendem
monitorizar de forma permanente
o montado (Geosuber) e investigar a
melhor forma de o nutrir,
consoante as suas características
(Nutrisuber).
“No contexto de alterações
climáticas não podemos trabalhar
com uma fotograÆa de um montado
que ocorreu há dez anos, que é o
que temos agora”, diz a engenheira
Conceição Santos Silva. Com o
Geosuber, o objectivo é, até 2021,
recorrendo a imagens de satélites,
disponibilizar uma plataforma
online com a cartograÆa do
montado, que permitirá perceber o
seu estado de vitalidade e a
mortalidade entre as árvores,
ajudando a deÆnir “períodos
óptimos” para a retirada da cortiça.
Com o Nutrisuber — uma das
experiências decorre em Castelo
Branco — está a estudar-se as
necessidades de nutrição dos
sobreiros em cada contexto.
António Gonçalves Ferreira,
presidente da direcção da Unac, está
conÆante. “Não tenho dúvidas de
que o sobreiro vai ser capaz de se
adaptar. Temos montados no Norte
de África, na Argélia e na Tunísia em
situações muito mais agrestes, com
um quadro climático extremo. O
montado e os sobreiros em concreto
serão sempre um elemento essencial
e privilegiado no combate às
alterações climáticas.”
Do lado da Apcor — Associação
Portuguesa de Cortiça, a
densiÆcação do montado é vista
como uma necessidade, até em
termos puramente económicos, já
que a procura por uma
matéria-prima vista como ecológica
tem vindo a crescer. “Estamos
completamente de acordo”, diz o
presidente da associação, João Rui
Ferreira, garantindo que a indústria
está disponível para participar no
investimento. A questão, argumenta
Pedro Marques de Sousa, é que no
Alentejo não se pode esperar mais.
Uma Çoresta autóctone que ajude a
proteger os solos da região — e,
consequentemente, a impedir o
avanço da desertiÆcação para outras
regiões — tem de avançar já. “Ainda
não somos um deserto e não
queremos ser.”

Até 2021, recorrendo
a imagens de
satélites, deverá
existir uma
plataforma online
com a cartografia do
montado, que
permitirá perceber o
seu estado de
vitalidade

maior dos solos? As projecções do
estudo, para o sobreiro, são que os
montados do Norte do país podem
beneÆciar com o aumento de
temperatura, bem como as Çorestas
do centro, “apenas nas zonas mais
húmidas”. Para o Sul, o cenário é
mais problemático. Os impactos
“poderão ser substanciais nos solos
de pior qualidade”, lê-se.
“Estamos a acumular prejuízos
em termos de precipitação.
Chegamos a 2019 e em muitos

Santos, que coordenou aquele
estudo, salienta que, 13 anos após a
publicação do relatório, há razões
para preocupação. “Diria que em
certos aspectos da mudança do
clima, o ritmo dessa mudança está a
ser mais acelerado do que aquilo
que se previa. Estou a pensar
sobretudo na questão da
diminuição da precipitação média
anual. Se Æzermos medidas de
precipitação, por década, estamos a
observar, sobretudo no Sul do país e
no interior, valores que estavam
projectados para acontecerem, nos
cenários mais gravosos, mais tarde
neste século.” Uma realidade
“bastante preocupante” que
resume assim: “Em termos muito
simpliÆcados, aquilo que na prática
se está a passar é que o clima do
Norte de África está a saltar para o
Sul da Europa mais rapidamente do
que aquilo que inicialmente se
previa.” Um dos aspectos
analisados pelo SIAM II era o
impacto na Çoresta, e em relação ao
montado de sobro o cenário não era
dramático. A espécie está habituada
a temperaturas elevadas e à
existência de pouca água. Mas
conseguirá resistir e adaptar-se em
situações mais extremas que
resultam num empobrecimento


O clima do Norte de


África está a saltar


para o Sul da Europa


mais rapidamente


do que aquilo que


inicialmente se


previa
Filipe Duarte Santos
Físico

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