Público - 17.09.2019

(C. Jardin) #1

6 • Público • Terça-feira, 17 de Setembro de 2019


DESTAQUE


Alergias, gravidez, saúde mental.


Como a crise climática afecta a saúde


Impacto das alterações climáticas faz-se sentir a vários níveis. Por exemplo, as temperaturas cada vez mais


altas e o buraco na camada do ozono Äzeram aumentar o risco de cancro de pele


A crise climática está a fazer com que
as pessoas Æquem mais doentes — é
nas alergias sazonais, nas doenças
cardíacas ou respiratórias que se
fazem sentir os maiores impactos.
Crianças, grávidas e idosos são os
mais vulneráveis.


Alergias
À medida que as temperaturas
aumentam, as plantas produzem
mais pólen e por períodos mais lon-
gos, intensiÆcando as temporadas de
alergias. O aumento da concentração
de dióxido de carbono na atmosfera
faz com que as plantas cresçam mais
e libertem mais pólen, o que provoca
alergias a cerca de 20% das pessoas.
O dióxido de carbono também pode
aumentar os efeitos alérgicos do
pólen. Neelu Tummala, especialista
em doenças dos ouvidos, nariz e gar-
ganta, na Faculdade de Medicina
George Washington, em Washington
D.C., atende muitos pacientes com
rinite alérgica ou inÇamação da cavi-
dade nasal, congestão e pingo nasal.
“Antes, o pólen das árvores era ape-
nas [libertado] na Primavera, o das
ervas era apenas no Verão, e a ambró-
sia americana era no Outono”, diz.
“Mas cada vez mais se sobrepõem.”


Gravidez e recém-nascidos
As grávidas estão cada vez mais vul-
neráveis ao calor e à poluição atmos-
férica, que se está a agravar com as
mudanças climáticas. Bruce Bekkar,
ginecologista obstetra de São Diego,
que deixou de exercer há seis anos
para se dedicar ao activismo climá-
tico, compilou 68 estudos norte-
americanos sobre a relação entre
calor, poluição e minúsculas partí-
culas de poluição provenientes dos
combustíveis fósseis e o nascimento


Emily Holden


prematuro de bebés, o baixo peso
no momento do nascimento e o
número de nados-mortos — há mais
poluição quando está calor e algu-
mas investigações sugerem que as
partículas aumentam também com
a crise climática, embora os dados
sejam menos conclusivos. Bekkar
aÆrma que ele e os seus co-autores
encontraram uma associação signi-
Æcativa em 58 dos 68 estudos. O
ginecologista defende que os médi-
cos devem falar com as suas pacien-
tes sobre como as ondas de calor
podem provocar partos prematuros
e sobre como Æcar longe da poluição
atmosférica pode ajudá-las a manter
os seus Ælhos saudáveis.
“Nas economias emergentes, as
grávidas também sofrem com a escas-
sez de comida e água. As doenças
transmitidas por insectos — como o
vírus Zika, transmitido por mosqui-
tos — são também um risco para o
desenvolvimento dos fetos”, nota.

Crianças
As crianças com menos de cinco
anos sofrem mais com a maioria dos
efeitos das alterações climáticas, de
acordo com o relatório de Renee
Salas, professor da Harvard Medical
School, publicado no New England
Journal of Medicine [sobre o impacto
de eventos climáticos extremos na
prestação de cuidados de saúde por
parte dos serviços que são afectados
pelos mesmos].

Coração e pulmões
A poluição atmosférica piora com o
aumento da temperatura, colocando
mais pressão no coração e nos pul-
mões. A poluição provocada pelos
combustíveis fósseis, que é uma das
causas da crise climática, está tam-
bém ligada ao aumento de hospitali-
zações e mortes por doenças cardio-
vasculares e está relacionada com um

aumento dos ataques de asma e de
outros problemas respiratórios.
Os incêndios florestais — cada vez
mais intensos — lançam fumos peri-
gosos no ar. E os dias mais quentes
fazem com que a poluição aumente,
podendo provocar algo que a Ameri-
can Lung Association descreve como
uma “queimadura solar, mas nos pul-
mões, que pode desencadear um
ataque de asma”.

Problemas renais
Dias cada vez mais quentes tornam
mais difícil manter a hidratação. Os
dias muito quentes estão associados

a desequilíbrios electrolíticos, pedras
nos rins e insuÆciência renal.

Doenças cutâneas
As temperaturas cada vez mais altas
e o buraco na camada do ozono
aumentam o risco de cancro de pele.
Os mesmos gases que daniÆcam a
camada do ozono contribuem para
as alterações climáticas.

Doenças digestivas
O calor está associado a riscos mais
altos de surtos de salmonela e infec-
ções por campylobacter (que causam
diarreias, dor abdominal e febre). As
chuvas torrenciais podem contami-
nar a água potável. Há alguns tipos
de algas que prosperam em águas
com temperaturas mais altas e que
podem ser prejudiciais, causando
problemas gastrointestinais.

Doenças infecciosas
A mudança nas temperaturas e nos
padrões de precipitação permitem
que alguns insectos se espalhem
mais e transmitam doenças como a
malária, dengue, doença de Lyme e

ainda vírus do Nilo Ocidental. A
cólera e a criptosporidíase transmi-
tidas pela água aumentam com a
seca e as inundações.

Problemas de saúde mental
A Associação Americana de Psicolo-
gia criou um guia de 69 páginas sobre
como as mudanças climáticas podem
provocar stress, depressão e ansie-
dade. O grupo diz que “a ligação
[entre as alterações climáticas] e a
saúde mental geralmente não faz
parte” da discussão sobre clima e a
sua relação com a saúde.
O Centro Howard para Jornalismo
de Investigação da Universidade de
Maryland descobriu que as chama-
das de emergência relacionadas com
problemas psiquiátricos aumenta-
ram cerca de 40% em Baltimore no
Verão de 2018, quando os termóme-
tros subiram acima dos 39,4ºC.
Alguns medicamentos psicotrópi-
cos interferem na capacidade do
corpo de regular a temperatura —
aumentando a vulnerabilidade ao
calor.

Nutrição
As emissões de dióxido de carbono
estão a diminuir a densidade nutri-
cional de algumas culturas alimenta-
res, reduzindo os níveis de proteína,
zinco e ferro das plantas e levando a
mais deÆciências nutricionais. O for-
necimento de alimentos também é
interrompido pela seca, pela instabi-
lidade social e pelas desigualdades
ligadas às mudanças climáticas.

As mudanças


climáticas podem


provocar stress e


ansiedade, diz a


Associação


Americana de


Psicologia


Este artigo foi publicado
originalmente no The Guardian.
O PÚBLICO republica-o no
âmbito do projecto Covering
Climate Now, uma colaboração
de mais de 220 órgãos de
comunicação para fortalecer a
cobertura da crise climática

ADRIANO MIRANDA
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