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POLÍTICA SEGUNDA,04 DE MARÇO DE 2019
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VITOR VOGAS PRAÇA OITO
LEIA.AG/VITORVOGAS
Banco de
talentos ou
de reservas?
Aos poucos a realidade se impõe e se
sobrepõe às fabulosas promessas de
campanha. Como candidato, Bolsonaro
prometeu acabar com a mamata e fazer
tudo diferente de seus antecessores,
uma vez no poder. O discurso de fim do
loteamento político do Estado não re-
sistiu aos dois primeiros meses de go-
verno e à necessidade prática, impe-
rativa, de negociar com o Congresso,
prestigiar antigos aliados e oferecer car-
gos cobiçados para conquistar novos.
No Espírito Santo, o maior exemplo
da distância entre discurso e realidade é
Carlos Manato. Derrotado nas urnas em
2018, o ex-deputado foi o primeiro ca-
pixaba agraciado com um cargo de me-
nor escalão na estrutura do governo
Bolsonaro: secretário especial para a Câ-
mara Federal. Uma vez instalado no
núcleo político, ainda durante a tran-
sição, tratou de trabalhar para emplacar
os seus próprios indicados políticos... os
quais, por sua vez, se confirmados nos
cargos, tratarão de indicar seus próprios
protegidos em escalões ainda menores.
Em 19 de dezembro, Manato admitiu
à coluna a intenção de emplacar dois
aliados no governo: o vice-presidente
estadual do PSL, Amarildo Lovato, no
Inmetro, e o ex-presidente da Findes
Marcos Guerra, no Sesi, na Codesa ou
no DNPM. Também pelo PSL, Guerra foi
candidato derrotado a deputado federal
em 2018 e agora admite que pode ser
candidato a prefeito de Colatina, pelo
mesmo partido, em 2020. No dia 13 de
dezembro, Manato elegeu-se para pre-
sidir o Conselho Deliberativo do Sebrae
no Espírito Santo. Guerra teve atuação e
voto decisivos na vitória de Manato.
Agora, o dirigente máximo do PSL no
Estado articula nos bastidores a nomea-
ção de outro aliado no governo: o te-
nente-coronel Rogério Lima, ex-presiden-
te da Associação dos Oficiais Militares do
Espírito Santo (Assomes). Lima também
foi candidato pelo PSL a deputado federal
em 2018, igualmente sem sucesso. Agora,
como admite o próprio militar, ele pode
ser indicado, por influência de Manato, a
um destes dois cargos: ou vai comandar a
SPU no Espírito Santo ou vai chefiar a
Superintendência do Ibama no Estado.
À coluna, ele confirmou que vem con-
versando com Manato sobre isso e que o
ex-deputado federal é o autor da in-
dicação do nome dele, a qual ele espera
que se confirme após o carnaval. O te-
nente-coronel tem formação jurídica e
longa trajetória nas fileiras da PMES. A
grande dúvida que fica é quais são, afi-
nal, suas qualificações técnicas e espe-
cíficas para chefiar o órgão responsável
pela proteção, fiscalização e concessão
de licenças ambientais no Espírito Santo.
A um internauta que lhe questionou
exatamente isso, em uma rede social,
Lima respondeu que é “um amante do
meio ambiente”. Questionado pela colu-
na, ele afirmou que será um gestor e que
não interferirá no trabalho dos técnicos
CENA POLÍTICA
Escolham aí: ou está faltando traba-
lho ou está sobrando vontade de mos-
trar serviço neste início de mandato
na Assembleia. Na sessão ordinária
da última segunda, os deputados pas-
saram dez minutos discutindo a der-
rubada de um veto do Executivo a
projeto da ex-deputada Eliana Dadal-
to (PTC) que declara a concertina
(uma espécie de sanfona) patrimônio
cultural do Espírito Santo. O veto foi
derrubado. Viva a concertina!
| GOVERNO FEDERAL |
Militarização atinge 2º e 3º escalões
Deputados recebem de
ministros um pedido
inusitado: “Você tem um
militar para indicar?”
BRASÍLIA
O governo de Jair Bolso-
naro vai ampliar a militari-
zação na máquina pública
federal,comaentregapara
a Marinha de postos de co-
mando nas superintendên-
cias de portos, no Ibama e
no Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodi-
versidade(ICMbio).Apósa
nomeaçãoparaministérios
importantes, os militares
agora são chamados a ocu-
par também cargos no se-
gundo e terceiro escalões.
Trata-sedeumanovafa-
se do movimento crescen-
te de escolha de oficiais da
reserva das Forças Arma-
das para posições estraté-
gicas e setores historica-
mente envolvidos em de-
núncias de corrupção. Há
pelo menos 103 militares
na lista dos cargos comis-
sionados de ministérios,
bancos federais, autar-
quias, institutos e estatais,
entre elas a Petrobras.
Segundo analistas, fato-
rescomoodesgastedaclas-
se política e uma estrutura
partidária ainda frágil do
presidente Jair Bolsonaro
(PSL) permitem o avanço
dos militares. Na última se-
mana, foram escolhidos os
almirantes da reserva da
MarinhaFranciscoAntônio
Laranjeiras e Elis Triedler
Öberg para comandarem
os portos do Rio de Janeiro
e do Rio Grande do Norte.
Para o cargo de dire-
tor-presidentedaCompa-
nhia Docas de São Paulo,
que controla o Porto de
Santos, o governo no-
meou o engenheiro naval
civil Casemiro Tércio Car-
valho. Ele, no entanto, te-
ráaseuladoummilitarda
Marinha para “sanear” o
órgão e acabar com “en-
traves”. Em defesa desse
movimento do governo,
um oficial Comando das
Forças Armadas disse que
a escolha de militares pa-
ra cargos de confiança
tem por objetivo conferir
credibilidade com base
em“ummodoeficientede
administrar”, com “zelo
pelo dinheiro público”.
Deputados que procu-
ram o governo para pedir
cargos nos Estados relatam
que recebem de ministros
um pedido: “Você tem um
militar para indicar?”.
Estudioso da relação
entre as Forças Armadas e
asociedade,ocientistapo-
lítico Eliézer Rizzo de Oli-
veira afirmou que a parti-
cipação de dezenas de mi-
litares em um governo
eleito democraticamente
é uma situação inédita no
Brasil. E é resultado da
combinação entre a des-
crençaqueabateuaclasse
política e a inexperiência
administrativa do presi-
dente.(Agência Estado)
MARCOS CORRÊA/PR - 09/01/
Jair Bolsonaro participa de cerimônia da Marinha
do instituto. De todo modo, é mais uma
prova de que o critério predominante no
preenchimento dos cargos comissionados
em escalões inferiores do governo não
será, de modo algum, puramente técnico.
Por essas e outras evidências, o tal
“banco de talentos” montado pelo go-
verno Bolsonaro está muito mais para
um “banco de reservas”, por meio do
qual serão abrigados, na inchada má-
quina pública, muitos dos candidatos der-
rotados em 2018. Ainda que possuam
eventuais qualidades, serão contemplados
com um naco de poder, primordialmente,
por dois motivos: apoiarem o governo
Bolsonaro e cultivarem boas relações po-
líticas com o grupo que chegou ao go-
verno. O resto é artifício retórico, é não
querer chamar pelo nome certo aquilo
que sempre ocorreu e que continuará
ocorrendo, substituindo “indicações po-
líticas” por um termo bonito e pomposo.
Ou acaso, antes, quem era indicado
politicamente tinha zero qualificação? Al-
guns podiam até ter grandes méritos, se-
rem altamente capacitados, mas chega-
ram lá por conexões políticas. Da mesma
forma, agora, o “talento” pode até ter o
melhordoscurrículos,masissonãomu-
dará o fato de que sua indicação passará
por um padrinho político e que a eventual
nomeação passará pelo crivo político de
quem toma as decisões. É simples assim.
À reportagem de A GAZETA, defen-
dendo o “banco de talentos”, Manato afir-
mou que isso não significa que o governo
cederá ao “toma lá, dá cá”. Ora, essa
prática se dá em muitas vias diferentes,
ou em muitos “vieses”, para usar o termo
da moda. Segundo Manato, se o governo
aceitar a indicação de um deputado para
o preenchimento de certo cargo (o toma
lá), isso não significará que esse deputado
estará condicionado a aprovar a reforma
da Previdência (o dá cá).
Por outro lado, a própria aceitação de
algumas indicações, como as do próprio
Manato, já não seria um “dá cá” pelo
apoio prestado por eles à eleição de
Bolsonaro? Que fique claro: não se trata
de criminalizar indicações políticas nem
de condenar Manato e os seus por fa-
zerem algo que quase todo mundo faz.
O que não vale é dizer que vai acabar
com o “toma lá, dá cá”, que vai mudar
todas as práticas políticas, que vai mo-
ralizar tudo isso daí... para no fim das
contas mandar todas essas ideias de
volta para o banco. Ou para o vestiário.
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