Opinião • p. 3
CARLOS
ANDREAZZA
O
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O recado
de Maia
Rodrigo Maia lançou-se a um roadshow na
semana passada. Deu entrevistas quase
todos os dias. Havia método na mobiliza-
ção; cálculo na repetição da mensagem. O
tema foi a reforma da Previdência. O reca-
do, claríssimo: "Não sou integrante do go-
verno, mas presidente da Câmara". Não se
trata da obviedade que parece. Não à luz do
comportamento do Planalto desde o início
da nova legislatura. A rigor, não à luz dos
procedimentos e das prioridades do núcleo
duro bolsonarista desde a eleição de Jair
Bolsonaro, em 28 de outubro de 2018.
No curso desses cerca de quatro meses, co-
nhecida a composição do Parlamento desde
8 de outubro, Bolsonaro negligenciou a ativi-
dade política e não deu passo sem manifestar
desdém pela interlocução com o Congresso;
isto enquanto negava autonomia, peso da ca-
neta, àqueles parcos e modestos, sobretudo
Onyx Lorenzoni, que poderiam cuidar de al-
guma articulação, mas que se viram tolhidos
(logo, desprestigiados) pela incapacidade de
cumprir aquilo que prometiam. Ninguém
volta a perder tempo com aquele que não po-
de entregar o que combina.
Até a semana passada, segundo colhido
entre deputados, a operação política do go-
verno podia ser definida em duas críticas: a
dificuldade, quase impossibilidade, de
acesso a ministros palacianos; e, uma vez os
alcançando, a percepção de que não tinham
autoridade para negociar e firmar acordos.
Não deveria ser surpresa. O presidente, ho-
mem de infantaria, nunca viu valor na forma-
ção de consenso, conforme indica a sua atua-
ção como deputado em quase três décadas. Ao
contrário: lucrando com o confronto, capitali-
zou como ativo eleitoral seu a criminalização
da atividade política —um dos mais poderosos
elementos constitutivos de sua vitória.
Ora, ninguém que dê tão pouca importância
àpolítica, tanto mais depois deumaeleição re-
tumbante em que desprezou políticos, dará
peso à política na hora de compor seu governo.
Mais fácil crer na armadilha de que tamanho
capital eleitoral projete um imperador.
Quem tiver acompanhado o período
compreendido entre o estabelecimento do
gabinete de transição e o começo do ano le-
gislativo terá identificado o deslumbra-
mento de um governo que acreditou na fic-
ção da onipotência, na ilha da fantasia se-
gundo a qual seria inofensivo apresentar o
projeto de uma reforma tão impopular co-
mo a da Previdência sem saber nem sequer
estimar a própria base no Congresso.
Difícil encontrar mais completa manifesta-
ção de autossuficiência, assim como se fosse
possível, em Brasília, pactuar alianças em prol
de um tal projeto de nação, falando em nova
era e nova política, no momento mesmo em
que se mostra àquele cortejado o real motivo
da corte. Interesse com finalidade concreta e
ainda urgente? Apoio, com a bola já rolando, à
reforma da Previdência? O preço sobe. Os par-
lamentares farej am a insegurança do Planalto,
sua exposição, e crescem. De repente, impõe-
Ihe uma derrota no plenário —um choque de
realidade. Cadê as bancadas temáticas?
E então o susto. Do susto, o improviso.
Aqui estamos, há pouco informados de que
um Bolsonaro sob pressão, após ouvir seve-
ras reclamações dos partidos, enfim empo-
derou Onyx para —toma lá dá cá? — emular
Eliseu Padilha e distribuir cargos de segun-
do e terceiro escalões para os partidos. Vão
abrir os cofres —questão de tempo.
Porém, entre o dia 20 de fevereiro, data
em que entregou o projeto de reforma pre-
videnciária ao Parlamento e a última terça,
26, quando houve o encontro do presidente
com os líderes partidários, e ante a evidên-
cia de que simplesmente inexistia no Con-
gresso, o governo testou se pendurar —co-
mo salvação de sua agenda — na força de
Rodrigo Maia, e experimentou vender uma
associação que de súbito fez do presidente
da Câmara um agente do Planalto, quase o
líder de Bolsonaro na Casa que comanda;
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PÁTRIA AMADA
.BRASILG 0 V E R N 0 FEDERAL (^)