A Gazeta [ES] 6 03 2019

(Pinheirojpa) #1
QUARTA,06 DE MARÇO DE 2019 POLÍTICA
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VITOR VOGAS PRAÇA OITO


LEIA.AG/VITORVOGAS

Os muros


de Moro - 2


Abordamos aqui ontem o muro po-
lítico que tem limitado as ações do mi-
nistro da Justiça, Sérgio Moro, dentro do
governo Bolsonaro. O outro muro de
Moro, na condição de ministro, é aquele
no qual ele se equilibra desde que as-
sumiu o cargo e que passou a ser instado
a comentar situações delicadas que en-
volvem parentes e aliados de Bolsonaro,
como por exemplo as suspeitas de apro-
priação de salários de servidores por
parte do senador Flávio Bolsonaro (PSL).
O caso Queiroz surgiu a partir de
investigações do Coaf, agora sob a ju-
risdição do ex-juiz paranaense. Naturais
os questionamentos a Moro, pelo sím-
bolo anticorrupção que ele encarna e
por ele ter sido chamado a ser ministro
exatamente para transferir essa “marca”
a um governo eleito com discurso de
combate à corrupção. Mais natural, ain-
da, porque as suspeitas em torno do caso
contrariam tal discurso de campanha. O
que se ouviu de Moro, porém, por muito
tempo, foi um obsequioso silêncio sobre
o caso. Silêncio esse quebrado no último
dia 25, quando ele enfim declarou: “Isso
será apurado, e nós não iremos proteger
ninguém”. Não se espera menos.
Além disso, Moro não pode se com-
plicar em um terceiro muro: aquele er-
guido por ele mesmo para se escusar ou
se esconder dos seus próprios posicio-
namentos passados. Desde o início da
gestão de Moro no Ministério da Justiça,
algumas contradições já despontaram.
No seu superpacote anticorrupção, o
paladino da Lava Jato se curvou às pres-
sões de parlamentares, antes mesmo de


a bola começar a rolar no Congresso, e
aceitou fatiar o pacote, deixando para
enviar em separado a parte que toca
justamente em um dos pontos mais sen-
síveis aos congressistas: a que criminaliza
o caixa dois, crime hoje não adequa-
damente tipificado pelo Código Penal e
coberto apenas como “falsidade ideoló-
gica”, por mais que esteja diretamente
relacionado a práticas de corrupção en-
tre agentes públicos e privados.
Caixa dois, enfim, tem tudo a ver com
corrupção e, em alguns contextos, pode
ser considerado até mais grave. Ao menos
era isso o que pensava o juiz Sérgio Moro
e o que, na condição de magistrado, ele
próprio chegou a registrar em várias
oportunidades, incluindo entrevistas e até
mais de uma sentença. “A corrupção para
fins de financiamento de campanha é
pior que o de enriquecimento ilícito”, dis-
se ele a estudantes brasileiros em Har-
vard (EUA), em abril de 2017.
Dois meses antes – há dois anos, por-
tanto –, o então juiz anotou em uma
sentença proferida por ele na Lava Jato:
“A destinação da vantagem indevida em
acordos de corrupção a partidos po-
líticos e a campanhas eleitorais é tão ou
mais reprovável do que a sua destinação
ao enriquecimento pessoal, consideran-
do o prejuízo causado à integridade do
processo político-eleitoral”.
Já ao justificar o fatiamento, no úl-

CENA POLÍTICA

Em sessão na Assembleia, o vice-pre-
sidente da Mesa, Marcelo Santos, con-
duzia os trabalhos. O deputado Sergio
Majeski informou a ele que gostaria de
justificar um voto. Marcelo o “corri-
giu”: “Vossa Excelência não gostaria
de justificar. Vossa Excelência quer jus-

tificar”. Majeski retrucou: “Muito obri-
gado pela correção gramatical”. Nin-
guém entendeu nada, e tudo ficou pa-
recendo mais uma “marcelice” (piada
às custas dos colegas por parte de
Marcelo), mas ele não perdeu a pose:
“Cariacica também é cultura, irmão!”

timo dia 19 – quando levou pessoal-
mente seu pacote ao Congresso –, Moro
alegou ter atendido ao “sentimento” de
alguns políticos de que “o caixa dois é
um crime grave, mas não tão grave
como o crime organizado, homicídios e
corrupção”. Agora ministro, Moro disse
ter sido sensível às reclamações, con-
sideradas “razoáveis” por ele.
Topar fatiar o pacote para, pretensa-
mente, facilitar a aprovação dos projetos,
é natural e compreensível. Jogo jogado
entre governo e parlamentares. O que

“causa espécie”, como gostam de dizer os
juízes, é dar, para todos os efeitos, a
sensação de que mudou radicalmente de
opinião e de discurso a partir da mu-
dança de cargo e de status político.
Por fim, Moro também não pode co-
meter o erro de usar o mesmo muro para
encobrir a realidade fática. Na já men-
cionada visita ao Congresso, o ministro
surpreendeu com esta declaração: “No
mundo real, não existe crise nenhuma.
Me desculpem se isso parece um pouco
laudatório do governo, mas o governo
tem sido absolutamente exitoso nas pro-
postas e projetos que tem apresentado”.
Parecia um bombeiro, um leal inte-
grante do governo, usando seu prestígio
para abafar focos de incêndio. Laudar o
governo faz parte, assim como vestir a
camisa e a capa de bombeiro, afinal ele
agora é parte desse mesmo governo. Mas
teria sido mais convincente se, naquele
mesmo dia, a Câmara não tivesse sub-
metido o Planalto a uma derrota es-
trondosa, derrubando, por 367 votos a
57, o decreto presidencial que dificultou o
acesso público a documentos oficiais.
Pressentindo nova derrota no Senado,
Bolsonaro revogou o decreto. Diga-se de
passagem, ainda bem. É bom lembrar
que ampliar a transparência (e não re-
duzi-la) também é combater a corrupção.
E, por falar em transparência, é “ines-
cusável” a postura de Moro de se es-
conder sob o manto (aliás, o muro) do
“direito à privacidade” para não respon-
der se, na condição de ministro, reuniu-se
ou não com a fabricante de armas Taurus
antes da edição do decreto que facilitou a
posse para civis. O questionamento foi
feito pelo PSOL, por meio da Lei de
Acesso à Informação. Moro se recusou a
fornecer as informações... sobre a agenda
de um ministro, que não pode jamais ser
tratada como mera “questão privada”.

RECUO DE MORO


Mourão diz que “Brasil perde”


com anulação de nomeação


Cientista política Ilona
Szabó iria compor
conselho e foi barrada
após reação no Twitter


SÃO PAULO


O vice-presidente da
República, Hamilton
Mourão (PRTB), criticou
a decisão do governo de
anular a nomeação da
cientista política Ilona
Szabó para o Conselho
Nacional de Política Cri-
minal e Penitenciária
(CNPCP). Na avaliação
de Mourão, a saída da es-
pecialista, após pressão
daaladeapoiadoresmais
fielaogoverno,significou
uma derrota para o país.


Em entrevista ao “Valor”,
ovice-presidenteafirmou
que o país precisa apren-
der a conviver com as di-
ferenças de opinião.
“Eu acho que perde o
Brasil.PerdeoBrasiltodas
as vezes que você não po-
de sentar numa mesa com
gente que diverge de vo-
cê” disse Mourão. Ilona
haviasidoconvidadapara
o cargo pelo ministro da
Justiça, Sérgio Moro. Me-
nos de 24 horas após o
convite, Moro recebeu te-
lefonema do presidente
Jair Bolsonaro (PSL) pe-
dindo que Ilona não fosse
mais para o CNPCP.
O ministro atendeu o

pedido do presidente.
Questionado se não seria
um enfraquecimento de
Sérgio Moro, que é, ao la-
do de Paulo Guedes (da
Economia), apontado co-
mo um “superministro”,
Mourãodestacouqueore-
cuofaz“partedapolítica”.
“A política é isso aí. Você
não consegue impor. Se-
não vira ditadura”, disse.
Após a informação do
cancelamento de sua no-
meação, Ilona, que é funda-
dora do Instituto Igarapé –
dedicado a estudar e elabo-
rar propostas de políticas
públicas para a redução da
violência–,dissequesesen-
tia decepcionada: “Senti

uma certa decepção ao ver
que a opinião de grupos ex-
tremos tem um impacto tão
grande na opinião do presi-
dente,queéopresidentede
toda a população”.
Ilona é uma crítica ao
projeto de liberação de ar-
mas à população, uma das
principais bandeiras dos
grupos de apoiadores do
presidente Bolsonaro. O se-
nador Flávio Bolsonaro
(PSL-RJ) foi um dos que fi-
zeram uso das redes sociais
para manifestar insatisfa-
ção contra a escolha de Ilo-
na e fazer pressão contra a
permanência dela no con-
selho.“Meupontodevistaé
comoessaIlonaSzabóacei-
ta fazer parte do governo
Bolsonaro. É muita cara de
paujuntocomumavontade
louca de sabotar, só pode”,
postou Flávio, filho do pre-
sidente.(Agência O Globo)

FÁTIMA MEIRA/AGÊNCIA ESTADO

Hamilton Mourão é o vice-presidente da República
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