Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

16 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


SOCIEDADE


Cancro: médicos querem que


Conselho de Ética se pronuncie


O Conselho Nacional de Ética para
as Ciências da Vida (CNECV) deve
pronunciar-se sobre “o que signiÆca
a oportunidade de diminuir o risco
de vida”, apela Luís Costa, o presi-
dente do colégio da especialidade de
Oncologia da Ordem dos Médicos
(OM) que avançou com a denúncia
de que o acesso a fármacos oncoló-
gicos inovadores está a ser diÆculta-
do pelo Infarmed (Autoridade
Nacional do Medicamento) em fases
mais precoces de alguns cancros.
Os médicos queixam-se de que há
fármacos que poderiam evitar a evo-
lução de vários cancros que são recu-
sados por peritos do Infarmed, por-
que estes consideram que em fases
precoces não há “risco imediato de
vida” mas só “risco de vida”.
“O que a Ordem dos Médicos
detectou foi que, de uma forma sis-
temática, se estavam a usar argu-
mentos não clínicos para recusar o
acesso a algumas terapêuticas novas,
como tratamentos adjuvantes. Não
foi só um caso, começámos a cons-
tatar que eram vários. São terapêu-
ticas sobretudo para quatro patolo-
gias, de classes diferentes e de labo-
ratórios diferentes, em que os
programas de acesso precoce têm
sido recusados”, recorda Luís Costa,
enfatizando agora que se levantam
aqui várias questões “éticas”.
Todos os médicos que compõem o
colégio de Oncologia viram nos últi-
mos tempos recusados pedidos
de acesso dos doentes a medicação
com “efeito comprovado na diminui-
ção do risco de recidiva (reapareci-
mento da doença) ou no aumento da
probabilidade de sobrevivência, um
problema que “se acentuou clara-
mente nos últimos meses”, diz o
médico. São fármacos que já estão a
ser usados em casos de cancro metas-
tizado (espalhado por outros órgãos).
Depois de a denúncia ter sido divul-
gada pelo Expresso, o Conselho


O presidente do colégio de oncologia


quer que haja um veredicto sobre “o que


signiÄca a oportunidade de diminuir o


risco de vida” quando se decide sobre a


autorização ou recusa de medicamentos


Saúde


Alexandra Campos


Nacional da Ordem dos Médicos
defendeu numa nota incisiva que se
deve “responsabilizar directamente,
com casos concretos” os peritos que,
“por decisões que sejam erradas”,
impeçam os médicos de “preservar
a vida de doentes com cancro”.
Os nomes dos fármacos não foram
então divulgados, mas Luís Costa
adiantou agora ao PÚBLICO alguns,
como nivolumab para cancros de
pulmão e melanoma e aberiterona
para cancro da próstata. Mas há
mais terapêuticas em jogo e por
vezes são usadas em associação. “O
que não se pode fazer é usar argu-
mentos pseudo-clínicos para evitar
negociar e dar só em caso de risco
iminente de vida ou complicações
graves, ou seja, na fase não curável.”
Desta forma, lamenta, “o doente
perde a oportunidade de cura”.
Poderá ser a Ordem dos Médicos
(OM) a pedir um parecer sobre este
assunto, sugere Ana SoÆa Carvalho,
que integra o CNECV. A especialis-
ta em bioética recorda que em 2012
o conselho emitiu um parecer
que “já respondia de certa forma”
a estas questões, ao analisar a fun-
damentação ética para o Ænancia-
mento de três tipos de fármacos,
incluindo os oncológicos. Há
“maneiras eticamente mais robus-
tas de se fazer escolhas” difíceis,
diz. O parecer desencadeou na
altura grande polémica porque
incluía a palavra “racionamento”,
recorda, acrescentando que a ques-
tão da “alocação de recursos escas-
sos é absolutamente essencial e da
maior pertinência”.

“Confusão e alarmismo”
Contestando a forma como a denún-
cia da Ordem dos Médicos foi feita,
porque provocou “confusão e alar-
mismo”, o presidente do conselho de
administração do IPO de Lisboa, João
Oliveira, que pertence à Comissão de
Avaliação de Tecnologias de Saúde
(CATS) do Infarmed, começa por
contextualizar a situação. O que aqui
está em causa, frisa, são apenas as

Mas é justamente isto que não está
a acontecer, segundo a OM, que
notou que Portugal é dos mais lentos
a aprovar na Europa. Os tempos de
avaliação “melhoraram nos últimos
anos”, assevera João Oliveira, e
acrescenta que uma parte da demo-
ra se deve aos laboratórios, quando
se está na fase de negociação de pre-
ços. Garante, porém, que, “quando
um medicamento é claramente eÆ#
caz e oferece pouca incerteza, é
aprovado rapidamente”. Outra coi-
sa são os fármacos em que “as dife-
renças em relação aos que já estão
disponíveis são pequenas, mas
as diferenças do ponto de vista dos
preços são enormes”.
A partir do Ænal de 2017, as autori-
zações de utilização excepcional
passaram a ser efectuadas ao abrigo
dos chamados Programas de Acesso

chamadas autorizações de utilização
excepcional (AUE), que “começaram
a ser usadas de forma rotineira” há
alguns anos e que, na sua opinião,
são “uma perversão de um mecanis-
mo criado para defesa de todos os
doentes e do SNS”. Aliás, sublinha, “o
Infarmed não está a proibir para sem-
pre” a utilização destes fármacos,
mas tem que os sujeitar a uma avalia-
ção prévia, no quadro da legislação.
“O tratamento adjuvante [pós
cirurgia e outros tratamentos] é uma
aposta. Os doentes foram operados,
estão sem doença à vista e nós vamos
tratar um risco de doença mínimo
imperceptível por sabermos que
alguns vão recair. Mas a eÆcácia é
incerta. Confunde-se tudo e mistura-
se tudo. O que é importante é que o
medicamento seja aprovado no míni-
mo tempo possível”, acentua.

A Ordem dos


Médicos detectou


que se estavam a
usar argumentos

não clínicos para


recusar o acesso a


algumas
terapêuticas novas

Luís Costa
Presidente do colégio de
oncologia da Ordem dos Médicos
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