Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

18 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


SOCIEDADE


Recurso da Operação Marquês


nas mãos do juiz Rui Rangel


ENRIC VIVES-RUBIO

Rui Rangel vai apresentar a sua defesa perante o plenário do Conselho Superior da Magistratura

Um recurso do processo Operação
Marquês, um caso de corrupção que
envolve o ex-primeiro-ministro José
Sócrates, foi atribuído por sorteio ao
juiz do Tribunal da Relação de Lisboa
Rui Rangel, suspeito de vários crimes
na investigação da Operação Lex e que
esteve suspenso da magistratura
durante mais de um ano.
Este é um dos seis recursos crimi-
nais que o sistema informático atri-
buiu aleatoriamente a Rangel, quatro
deles sorteados numa distribuição
realizada na passada segunda-feira e
outro numa distribuição ocorrida na
quarta-feira. A informação foi trans-
mitida ao PÚBLICO pelo presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa,
Orlando Nascimento, que enviou por
email uma tabela com o número dos
processos atribuídos a Rangel. O pre-
sidente da Relação voltou a recordar
que a distribuição é feita por um pro-
grama informático, comum a todos
os tribunais.
O problema é que, devido a um
pedido do Ministério Público, Rui
Rangel foi impedido pelo Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) de decidir
um outro recurso da Operação Mar-
quês, em Março de 2017. Na decisão,
os juízes entenderam “existir motivo
sério e grave, adequado a gerar des-
conÆança sobre a imparcialidade” de
Rui Rangel, que já tinha apreciado
recursos deste caso, um deles o polé-
mico acórdão que determinou o Æm
do segredo de justiça do inquérito.
O facto de o juiz desembargador se
ter pronunciado sobre a Operação
Marquês num debate na TVI, em 2015,
em tom crítico, acusando a justiça de
ter reagido de forma vingativa relati-
vamente ao facto de Sócrates não
aceitar sair da cadeia de Évora para ir
para casa com pulseira electrónica,
pesou na decisão. Para o STJ, os
comentários “vulneram, de forma
séria e grave, a imparcialidade do jul-
gador, a neutralidade e a indiferença”
que são obrigatórias no desempenho
de qualquer magistrado.
Um magistrado ouvido pelo PÚBLI-
CO considerou que o normal seria
que, quando o juiz constatasse que


do Conselho Superior da Magistratu-
ra (CSM). Mas, na melhor hipótese, a
diligência ocorrerá na próxima reu-
nião plenária, a 3 de Outubro.
No entanto, mesmo que se realize
nesse dia a audição de Rui Rangel, tal
só signiÆca mais um passo no buro-
crático processo disciplinar. Depois
ainda é necessário que o conselheiro
nomeado relator do processo discipli-
nar apresente uma proposta de deci-
são, que incluirá uma pena que pode
ou não respeitar a sugestão do instru-
tor, neste caso o juiz do Supremo Raul
Borges. Esse projecto será discutido
num outro plenário — em princípio,
estas reuniões ocorrem uma vez por
mês — e, se a maioria concordar com
a proposta, a decisão é adoptada. Se
não, como já aconteceu, é escolhido
novo relator, que partilhe da opinião
da maioria, que apresentará um novo
projecto de decisão.
Rangel já foi notiÆcado do relatório
Ænal do processo disciplinar, em que
o instrutor do caso sugere uma pena
disciplinar, que previsivelmente deve-
rá implicar o afastamento do juiz
desembargador da magistratura. A
mulher de Rangel, a juíza Fátima
Galante, de quem está separado de
facto há anos, e que também é suspei-
ta na Operação Lex, regressou à sec-
ção cível onde está colocada na Rela-
ção de Lisboa no início de Junho. O
processo disciplinar de Galante está
mais adiantado, tendo em Julho a
magistrada apresentado a sua defesa
perante o CSM. Isto após ter sido noti-
Æcada do relatório Ænal do processo
disciplinar, em que o instrutor sugere
a pena de demissão.
O que também não está para breve
é o desfecho da investigação da Ope-
ração Lex. Fontes judiciais garantem
que a acusação, centrada em Rangel,
não estará pronta antes do Ænal deste
ano. Rangel é suspeito de vender, a
troco de vantagens, decisões judi-
ciais, e de vender a sua inÇuência no
desfecho de processos que não esta-
vam nas suas mãos, iludindo quem
lhe pagaria. Os investigadores acredi-
tam que parte do dinheiro terá Æcado
para Fátima Galante, que ajudaria
Rangel a dissimular a proveniência
ilícita do dinheiro.

Este é um dos seis processos que foram atribuídos por sorteio ao juiz do Tribunal da Relação de Lisboa,


que é suspeito de vários crimes na Operação Lex. Processo disciplinar do magistrado está longe do fim


Justiça


Mariana Oliveira


“Perplexidade” e “insensatez”


Partidos comentam “caso Rui Rangel”


P


SD, CDS e BE reagem com
surpresa e preocupação ao
facto de ter sido atribuído
ao juiz Rui Rangel o
processo Máfia do Sangue. “Se,
do ponto de vista legal, há que
ter em consideração o princípio
da presunção de inocência, não
podemos deixar de reconhecer
que a confiança do cidadão na
justiça sai prejudicada com este
tipo de situações, valendo aqui,
em toda a sua plenitude, a velha
máxima da ‘mulher de César’”,
afirmou ao PÚBLICO a porta-voz
para a Justiça do PSD, Mónica
Quintela. O BE diz que “é, no
mínimo, de uma grande
insensatez que, na pendência da
investigação, possam ser
afectados a um/a juiz suspeito/a
de corrupção processos sobre...

corrupção. É o próprio sistema
que se descredibiliza por não
usar da prudência e da
sensatez”, defende o deputado
José Manuel Pureza. Para o CDS,
esta situação “levanta as
maiores perplexidades”. O líder
parlamentar, Nuno Magalhães,
estranha que o CSM “não
considere da maior gravidade” o
que se está a passar. Todos os
partidos ouvidos pelo PÚBLICO
consideram que o proble é o
arrastar das investigações e que
os nove meses em que Rangel
esteve afastado deviam ter
bastado para se chegar a uma
conclusão. Só o CDS admite
mudar os prazos da suspensão
de funções de juízes, “se as
magistraturas também assim o
entenderem”. H.P.
[email protected]

tinha nas mãos um recurso do mesmo
caso, pedisse o seu afastamento (a
chamada escusa), fundamentando
com as considerações que o Supremo
fez em 2017 e que se mantêm válidas.
Mas também pode ser o Ministério
Público a pedir o afastamento, tal
como em 2017 (a chamada recusa).
Neste momento, não há qualquer
incidente, garante o presidente da
Relação. “Sendo uma distribuição
recente, ainda não foram entregues
processos ao Ex.º Juiz Desembarga-
dor para decisão e consequentemen-
te não foi suscitada qualquer escusa
ou recusa”, aÆrma Orlando Nasci-
mento numa resposta escrita.
Após uma longa suspensão de fun-
ções, Rangel regressou à Relação de
Lisboa no Ænal de Julho. Isto porque
se esgotou o prazo máximo da sus-
pensão preventiva que, segundo o
Estatuto dos Magistrados Judiciais,
não pode ultrapassar os 270 dias. E a
conclusão do processo disciplinar
que pode vir a afastá-lo da magistra-
tura ainda não está para breve. O
magistrado decidiu usar o direito de
apresentar defesa perante o plenário
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