Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

22 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


LOCAL


Novo passadiço de Serralves não


evita críticas sobre quem o pagou


O passadiço trepa as copas de pinhei-
ros e cedros e protege-se na sombra
dos eucaliptos, que se impõem para
além dos 15 metros que o percurso
atinge (25 metros em relação ao lago).
Ao mesmo nível dos ramos onde as
aves costumam pousar, estamos não
“no meio do verde, como se costuma
dizer, mas no meio dos verdes”,
observa Carlos Castanheira, o arqui-
tecto responsável pelo novo Treetop
Walk que serpenteia um dos bosques
do parque de Serralves, no Porto,
projectado em colaboração com Álva-
ro Siza. No Outono, quando os casta-
nheiros à nossa volta começarem a
perder as folhas, o passadiço já vai
percorrer “vistas e cores diferentes”
das várias tonalidades de verde que
vai mostrar quando abrir ao público
amanhã, com entrada gratuita duran-
te todo o dia.
“Eu espero que isto possa ser res-
pirado pelas pessoas para que reÇic-
tam também no que nos leva, hoje em
dia, a construir este tipo de meios
para nos tornarmos mais próximos
da natureza, já que efectivamente
estamos cada vez mais desenraizados
destes espaços”, antecipa Mariana
Roldão, coordenadora do Serviço
Educativo do parque. “O grande pri-
vilégio é dar a oportunidade de
conhecer o parque de uma nova pers-
pectiva. E é muito interessante por-
que tudo ganha uma dimensão de
grandiosidade”, nota.
Mas há quem desconÆe do “carác-
ter educativo” do que denominam
“um capricho da moda” construído
com o apoio de 750 mil euros do
Fundo Ambiental do Estado Portu-
guês, sem ter havido um concurso.
“É para mim completamente estra-
nho ir buscar dinheiro ao Fundo
Ambiental, que deveria ser um fun-
do para pagar os serviços ambientais
prestados por pessoas e instituições
que não dão lucro, mas que são úteis
a todos, para Ænanciar turismo”,
contesta o arquitecto paisagista Hen-
rique Pereira dos Santos. “O que está
a ser feito é um investimento que
visa aumentar a atractividade turís-
tica de Serralves”, “aumentando a


São 260 metros de caminho quase a tocar na copa das árvores. Serralves elevou o parque, mas a afectação


de recursos do Fundo Ambiental Português para a construção de uma “atracção turística” não é consensual


zoom out ao parque e que os estamos
a ver noutra esfera”. “Há toda uma
diversidade e particularidades daque-
les mundos que não se vêem na pers-
pectiva térrea.”
Mariana Roldão rendeu-se ao quão
próximo o passadiço a deixa da copa
de diferentes espécies arbóreas — sem
cair no erro de tocar nelas. Manter o
conjunto arbóreo intacto foi a “pri-
meira preocupação” dos arquitectos
e técnicos de gestão e manutenção do
parque, desde os 28 pilares que não
interferem nas raízes ao espaço dei-
xado para o crescimento dos ramos.
As próprias curvas ao longo dos 260
metros de caminho horizontal e aces-
sível a pessoas com mobilidade redu-
zida são “dadas à pré-existência” do
bosque, indica o arquitecto Carlos
Castanheira. Quando sai para fora
dele, revela entre as folhas o mar e,

NELSON GARRIDO

A estrutura, maioritariamente construída em madeira, pode suportar três mil pessoas, embora a lotação estipulada não ultrapasse as 300

num miradouro, o lago, lá em baixo.
“Com o apoio do Fundo Ambiental,
outra das preocupações, que talvez
numa situação normal não pensaría-
mos tanto, foi que no mínimo 40% da
madeira usada neste passadiço viesse
de reciclagem, tanto de obras como
de incêndios”, diz o arquitecto. A
estrutura, maioritariamente construí-
da em madeira, pode suportar três
mil pessoas, embora a lotação estipu-
lada não ultrapasse as 300, e irá desi-
ludir quem espera sentir-se perigosa-
mente suspenso entre as árvores. Não
é esse o objectivo do passadiço que
eleva o parque ao nível das árvores
que o olham de cima. “Na verdade,
pode também ser um local de con-
templação”, convida Mariana Roldão.
“Até porque é bastante inspirador.”

e do respeito pela conservação da
natureza/património natural e dina-
mizar actividades educativas e de
investigação cientíÆca”.

Um zoom out ao parque
O passadiço de madeira de 260
metros pode ser visitado de forma
autónoma (mediante o pagamento de
dez euros que incluem o acesso ao
resto do parque) acompanhado pelo
guia de bolso das espécies existentes
ou por uma aplicação móvel que
identiÆca zonas de interesse de bio-
diversidade —, mas Mariana Roldão
espera ter visitas de escolas orienta-
das por educadores do parque “todos
os dias”. Se os estudantes já conhe-
ciam nas oÆcinas do Serviço Educati-
vo os ecossistemas do parque “à lupa
e ao microscópio”, “no Tree Walk a
sensação é que estamos a fazer um

Porto


Renata Monteiro


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concentração” e diminuindo os
apoios a “quem está a fazer a gestão
de combustíveis, de fogo, a gestão da
biodiversidade sem recursos”, acre-
dita. Também Nuno Oliveira, presi-
dente do Fundo para a Protecção dos
Animais Selvagens (Fapas) discorda
da afectação de recursos do fundo
gerido pelo Ministério do Ambiente
para “uma actividade lúdica” que,
na sua opinião, “nada tem a ver com
o ambiente”. “Também não vislum-
bro que interesse educativo possa
ter”, diz.
Para o ministério, o “projecto inse-
re-se nos objectivos especíÆcos do
Fundo Ambiental pois promove a
relação com a natureza através de
novos e diferentes formatos de frui-
ção, que permitem uma abordagem
diferente e inovadora, e ainda ao
fomentar a sensibilização ambiental
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