Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

24 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


ECONOMIA


O homem que em 2012 prometeu
“fazer tudo o que fosse preciso” para
salvar o euro deixa em 2019, a pouco
mais de um mês de abandonar a lide-
rança do BCE, um aviso: para evitar
uma entrada da economia em reces-
são e afastar o risco de deÇação,
aquilo que é preciso vai além do que
o BCE sozinho pode dar.
Na sua penúltima reunião de polí-
tica monetária como presidente do
Banco Central Europeu, Mario
Draghi lançou um pacote de medidas
de estímulo à economia que conse-
guiu em larga medida satisfazer as
exigentes expectativas dos merca-
dos, mas não conseguiu impedir que
se reforçasse a ideia de que a autori-
dade monetária — com divisões inter-
nas evidentes e com as suas armas
utilizadas quase à exaustão — está a
perder a capacidade para assegurar
um ritmo de crescimento mínimo na
economia europeia.
O sinal mais óbvio de que os limi-
tes do BCE estão a ser atingidos veio
das palavras do próprio presidente
da instituição. Na conferência de
imprensa que se seguiu ao anúncio
das medidas de estímulo, Mario
Draghi subiu ontem o tom dos apelos
ao Estado para ajudarem na tarefa de
pôr a economia a crescer.
“O crescimento que aconteceu nos
últimos seis/sete anos na economia
da zona euro foi praticamente todo
justiÆcado pelo que foi feito pela polí-
tica monetária. Já é tempo de a polí-
tica orçamental tomar conta da situa-
ção”, lamentou o presidente do BCE.
Draghi não quer que todos os Esta-
dos comecem a gastar mais, só alguns
e, por isso, distinguiu o que deve ser
feito pelos países de acordo com a
sua situação orçamental presente.
No caso dos Estados com espaço de
manobra orçamental, estes “devem
agir de uma forma efectiva e atempa-
da”, disse. Ao passo que relativamen-
te aos países com uma dívida pública


O espanhol
Luis de Guindos,
vice-presidente do
BCE e o italiano Mario
Draghi, que lidera
o Banco Central
Europeu, ontem
na conferência
de imprensa

ainda muito elevada, o líder do BCE
recomendou “prudência, para que
seja possível os estabilizadores auto-
máticos funcionarem”.
O que isto signiÆca é que, para
países como a Alemanha e a Holan-
da, Draghi pede o lançamento de
mais investimento e despesa públi-
ca rapidamente, enquanto que para
países como a Itália e Portugal, o
equilíbrio orçamental deve ser man-
tido, deixando apenas que, em caso
de recessão, se permita um aumen-
to das despesas com subsídio de
desemprego e uma redução das
receitas Æscais.
Este apelo de Draghi reforça a
ideia, cada vez mais generalizada na
zona euro, de que, se a economia
continuar a fraquejar, se pode vir a
assistir nos próximos tempos a uma
mudança na política orçamental de
alguns países, nomeadamente da
Alemanha. Recentemente, o minis-
tro alemão das Finanças garantiu que
as Ænanças públicas do país estão
prontas para injectar dinheiro na
economia na eventualidade de uma
crise se concretizar. O que Draghi
agora fez foi que esse momento já
chegou, assumindo dessa forma que
as medidas anunciadas pelo banco
central não chegam por si só para
resolver a situação.
Outro sintoma da incapacidade
crescente do BCE vem dos sinais de
divisão cada vez maior dentro do
conselho de governadores do banco
central europeu. A países como a
Alemanha e a Holanda, que desde há
muito consideram que o BCE está a
ir longe demais nas suas políticas
expansionistas, parecem agora jun-
tar outros países importantes.
De acordo com a Bloomberg, o
governador do banco central fran-
cês e dois membros do conselho
executivo do BCE também se mos-
traram cépticos em relação à eÆcá-
cia do regresso das compras de
dívida, uma das principais medidas
agora lançadas. Draghi reconheceu
que não houve unanimidade, mas
garantiu que as decisões foram

apoiadas por uma “maioria alarga-
da”, de tal modo que nem foi preci-
so recorrer a uma votação.
No entanto Æca a dúvida: se num
cenário em que as projecções de
crescimento se deterioram e as
expectativas da inÇação estão cada
vez mais longe do objectivo estas
medidas passaram no conselho de
governadores com mais oposição,
o que irá acontecer no futuro se
forem discutidos estímulos ainda
mais agressivos?
Será talvez por causa destas incer-
tezas que, nos mercados, apesar de

o BCE ter surgido com um pacote de
medidas bastante completo e até
com algumas surpresas, a reacção
foi bastante moderada, tendo as
taxas de juro da dívida e o euro
recuperado nas horas a seguir à
decisão das descidas registadas
durante os minutos iniciais.
Entre os analistas, registou-se
alguma desilusão com a dimensão
da descida da taxa de juro de depó-
sito, de apenas 0,1 pontos percen-
tuais para -0,5% (havia a expectativa
de -0,6%) e com a dimensão das
compras mensais de dívida pública

BCE voltou a atacar mas os seus


limites estão cada vez mais à vista


No dia em que apresentou o seu último


plano para a pôr a economia a crescer


e a inÅação a subir, o presidente do BCE,


Mario Draghi, disse que “já era tempo”


de os Estados começarem a ajudar


Política monetária


Sérgio Aníbal

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