Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

28 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


MUNDO


Talvez a presidente eleita da Comis-
são Europeia, Ursula von der Leyen,
não previsse que as reacções ao seu
anúncio da distribuição das pastas,
das hierarquias e da organização do
trabalho do futuro colégio de comis-
sários viessem a ser tão “vibrantes”
— esse foi o adjectivo usado pela sua
porta-voz para defender a nomeação
de um vice-presidente encarregado
da Protecção do Modo de Vida Euro-
peu perante a barragem de críticas
que descrevem essa decisão como
uma “capitulação inaceitável” aos
populistas e nacionalistas.
E certamente não esperava que o
actual presidente da Comissão Euro-
peia se revelasse um desses críticos.
“Não me agrada a ideia”, confessou
Jean-Claude Juncker, que numa entre-
vista ontem à Euronews aconselhou
uma mudança do título da pasta. “Da
maneira que eu vejo, o modo de vida
europeu passa por aceitar aqueles
que vêm de longe (...), e por conjugar
os nossos talentos e energias respei-
tando-nos uns aos outros, indepen-
dentemente da cor da pele ou do local
de nascimento”, aÆrmou.
O incómodo com a designação do
futuro pelouro que, como explicou
Von der Leyen na apresentação da
sua equipa, integrará a supervisão
da política migratória e também da
segurança das fronteiras, motivou
um pedido urgente de explicações
do Parlamento Europeu. Os eurode-
putados querem ouvir da presidente
eleita da Comissão as justiÆcações
para a escolha do título entregue ao
candidato a comissário indicado pela
Grécia, Margaritis Schinas.
“Convidei a senhora Von der Leyen
a participar na conferência de presi-
dentes da próxima semana, para que
nos possa explicar os seus pontos de
vista e as suas escolhas na construção
de portfolios”, informou ontem o pre-
sidente do Parlamento Europeu. Para
David Sassoli, terá havido alguma


“ligeireza” no processo de constitui-
ção e nomeação das novas pastas,
que deu origem a “denominações
originais e bizarras” e que, diz,
“devem merecer reconsideração”.
“De momento, não tenho qualquer
mudança de nome de nenhuma pas-
ta a anunciar, nem nenhuma decisão
tomada a esse respeito”, esclareceu
a porta-voz da Comissão Europeia,
Mina Andreeva, que não quis especu-
lar se o assunto seria ou não abordado
durante o “retiro” que Ursula von der
Leyen promoveu com a sua equipa
em Genval, nos arredores de Bruxe-
las, para que os futuros comissários
se pudessem apresentar e Æcar a
conhecer melhor.
Várias das designações das pastas
anunciadas pela futura presidente da
Comissão (entra em funções a 1 de
Novembro) causaram uma certa per-
plexidade, com os eurodeputados a
perguntarem-se, por exemplo, sobre
as competências que vão deter o vice-
presidente executivo para a Econo-
mia que Funciona para as Pessoas, ou
as vice-presidentes para a Democra-
cia e DemograÆa, e para os Valores e
Transparência. Também há quem se
pergunte por que é que o alto-repre-
sentante para a Política Externa,
Josep Borrell, é apresentado como
vice-presidente para uma Europa
Mais Forte no Mundo no organogra-
ma distribuído pela Comissão.
Na opinião do eurodeputado por-
tuguês do PSD Paulo Rangel, “a esco-
lha de expressões de recorte poético
e designações perifrásticas para a
denominação de pelouros não é
feliz, nem clariÆcadora”, e devia ter
sido evitada.
“Quando se trata da nomeação
das pastas, devem ser denomina-
ções objectivas e neutrais, que
apontem para o seu conteúdo”, con-
sidera, lamentando que não tenha
sido essa a opção, e principalmente
que as referências aos dossiers espe-
cíÆcos — da concorrência, das pes-
cas, da investigação, entre outros
— tenham Æcado de fora dos títulos.
“É uma falha grave”, entende.

é apenas ofensivo, é quase uma pro-
vocação”, lamenta.
A socialista Margarida Marques
está disposta a dar o benefício da
dúvida a Von der Leyen, mas não ao
nome do pelouro da Protecção do
Modo de Vida Europeu, ligado à
questão das migrações. “Por melho-
res intenções que a futura presidente
tenha tido, o que podemos ler ali é
uma espécie de tentativa de acalmar
a extrema-direita, com a repetição da
sua mensagem de que não queremos
cá imigrantes a destruir o nosso
modo de vida”, diz. Por isso não tem
dúvidas: “O título vai ter de mudar.
Tal como está, é totalmente inaceitá-
vel”, diz a eurodeputada socialista.
Paulo Rangel tem informação de

Mudanças, dúvidas e a imparável


polémica do “modo de vida”


Economia que Funciona para as Pessoas


ou Europa Mais Forte no Mundo. São


nomes “bizarros”, disse Sassoli, que pediu


à futura presidente para se explicar no PE.


Mas há outros incómodos


Comissão Europeia


Rita Siza, Bruxelas


Um erro, um insulto,
um tratado

Mas a alimentar o furor está a deno-
minação da pasta da Protecção do
Modo de Vida Europeu, que é vista
como ofensiva e discriminatória,
por evocar a defesa de uma suposta
identidade europeia que estaria
ameaçada pela entrada de refugia-
dos e migrantes no território euro-
peu. E as críticas não estão concen-
tradas em Bruxelas: a porta-voz do
Governo francês conÆrmou que
Paris considera o nome do portfolio
atribuído a Margaritis Schinas como
“muito questionável”, e a secretária
de Estado para os Assuntos Euro-
peus, Amélie Montchalin, congratu-

lou-se com as manobras em curso
no Parlamento Europeu, nomeada-
mente o convite para que Ursula
von der Leyen participe na reunião
com os presidentes dos grupos polí-
ticos. “Creio que há uma grande
necessidade de explicação, e para
isso nada melhor do que a audiência
prevista no Parlamento Europeu”,
considerou.
“O nome é todo um tratado”, apon-
ta a eurodeputada do Bloco de
Esquerda, Marisa Matias. “É um ata-
que àquela que é a diversidade euro-
peia e uma cedência em toda a linha
à narrativa da extrema-direita”, criti-
ca, sem disfarçar a sua incompreen-
são. “Numa altura em que tanta gen-
te enfrenta tanta discriminação, não
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