Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

36 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


CULTURA


Em Abril, o ministro da Educação
brasileiro, Abraham Weintraub,
comunicou ao país que iriam ser
retiradas verbas das universidades
que não apresentassem o desempe-
nho académico esperado e promo-
vessem “balbúrdia” no seu campus.
“Essa ideia de que haveria faculda-
des que só fazem balbúrdia acabou
por ter grande impacto mediático e
gerou protestos e respostas criativas
muito interessantes por parte dos
estudantes”, diz-nos Marcelo Cida-
de (São Paulo, 1979), artista brasilei-
ro com percurso consolidado na
arte contemporânea, que agora é o
curador da exposição colectiva Bal-
búrdia, que é inaugurada hoje (pro-
longando-se até 5 de Outubro), na
galeria Underdogs, em Lisboa, com
quatro artistas oriundos da cidade
de São Paulo — Coxas, Thiago Nevs,
Sosek e Kaur.
A tentativa de desacreditação e de
restringir a autonomia das universi-
dades, com cortes no seu Ænancia-
mento, traduz o momento crítico
que a educação e a cultura vivem no
actual contexto sociopolítico do
país. Mas a reacção, com a ideia de
balbúrdia a ser reconvertida como
potenciadora de criação de uma
nova organização social que se dese-
ja inclusiva e igualitária, é também
indicador de resistência.
“Nessa altura, dei por mim a rela-
cionar todo esse contexto com a
ideia de anarquismo, de caos e de
reorganização social”, diz Marcelo.
“E pensei: ‘Essa balbúrdia pode ser
boa. Essa desorganização pode ori-
ginar uma nova organização.’ Ao
mesmo tempo, identiÆquei-me com
essa ideia de balbúrdia e relacionei-
a com a ideia de graêti e de actua-
ção no espaço público, onde tudo o
que não é designado como constru-
tivo, a partir de uma visão neolibe-
ral, é visto como disruptivo, caótico,
não-signiÆcativo, uma balbúrdia.”


Com um percurso artístico sólido,
por meio de diferentes operações
estéticas, entre intervenções espa-
ciais ou instalações, apropriando-se
de lugares urbanos, inventando
novos idiomas, criando ou alteran-
do o ambiente em seu redor, produ-
zindo um outro lugar, de ressonân-
cias políticas, ou poeticamente
expressivas, as obras de Marcelo
enfatizam um encontro entre arte e
sociedade.
Ao longo dos anos tem exposto
em galerias, instituições ou bienais,
encontrando-se a sua obra repre-
sentada em colecções públicas e
privadas de renome. Este Æm-de-
semana, por exemplo, depois de
Lisboa, ruma a Nova Iorque, onde
inaugurará a 21 deste mês a mostra
individual Ministry Of All, na galeria
Continua.
Mas experiência de curadoria é a
primeira vez. O desaÆo foi-lhe ende-
reçado por Alexandre Farto (Vhils),
no ano passado, em Macau, onde
integrou um colectivo multinacio-
nal de artistas que ali expôs, no
âmbito de um festival de artes.
“Existiu uma empatia com o Ale-
xandre. Revi-me na sua forma de
operar, na troca com a sua comuni-
dade, levando até Macau artistas em
que acredita e organizando aquela
exposição. No Brasil ninguém faz
isso. Então, Æcou no ar a hipótese
de um projecto. Não me fazia senti-
do que fosse uma exposição minha,
ainda para mais trabalhando aqui
com a galeria Bruno Múrias, mas
num segundo momento pensei
numa curadoria com artistas cúm-
plices de São Paulo.”

“O tesão de ir para a rua”
O percurso de Marcelo tem girado
muito à volta de questões que têm
a ver com a utilização do espaço
público. Primeiro, como skater, e
depois, nos graêti. “Foi um período
que acabou por ser a base educacio-
nal para entender os limites da
minha liberdade e da minha actua-
ção social, antes mesmo de estudar

“O artista no Brasil passou


a ser visto como uma ameaça”


Chama-se Balbúrdia, inaugura-se hoje na


galeria Underdogs, em Lisboa, e é uma


exposição colectiva com origem nas ruas


de São Paulo, e com curadoria do artista


Marcelo Cidade


Artes


Vítor Belanciano


arte e de entrar no circuito exposi-
tivo”, diz ele.
Dessa fase alimentou muitas ami-
zades. Algumas mantêm-se. É o caso
de Coxas, Thiago Nevs, Sosek e
Kaur, que agora estão com ele em
Lisboa. “Eles estão passando por
uma mudança de actuação muito
semelhante à minha há muitos anos.
Tomaram consciência que a ilegali-
dade dos graêti permanece numa
efemeridade onde o tempo vai esva-
ziando o tesão de ir para a rua. Mas
a angústia da produção artística
permanece”, reÇecte, adiantando
que quando os desaÆou se começa-
ram a reunir no seu estúdio uma vez
Free download pdf