Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

38 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019


CULTURA


Bate o ritmo em Lisboa


e chega a música


da Nova Batida


Entre hoje e domingo há


música electrónica (e não


só) de Londres a Kinshasa,


na Lx Factory e no Village


Underground


Música


Mário Lopes


[email protected]

Primeira edição do Nova Batida em Lisboa, no ano passado

É um festival que aponta a quem vem
de fora para descobrir a cidade, mas
que pretende ser também boa expe-
riência de três dias para quem nela
vive. Oferece música e concentra-se
nas electrónicas, no hip hop, no jazz,
nos sons que emergem nos centros
urbanos que se estendem de Lon-
dres a Kinshasa, passando por Nova
Iorque e, claro, por Lisboa. Mas tam-
bém há lugar para aulas de surf e de
ioga ou viagens de barco pelo Tejo.
A segunda edição do Nova Batida,
que terá lugar na Lx Factory e no
Village Underground, em Lisboa,
entre hoje e domingo, faz da cidade
o seu cenário e traz até ela Talib Kwe-
li, Four Tet, KOKOKO!, Friendly
Fires, Ibibio Sound Machine, Floa-
ting Points ou um homem da casa
como DJ Marfox.
As actividades começam cedo (as
sessões do Fat Bhudda Yoga aconte-
cem numa sala no Lx Factory às
10h30; as aulas de surf em Carcavelos
começam também pela manhã, às 11h
e repetem às 14h). Antes de se ouvir
e de se dançar a música, também
haverá tempo para a pensar e discutir
através de conversas com quem a
cria. Terão lugar diariamente na
Livraria Ler Devagar, ao início da tar-
de, e por ali passarão John Talabot e
Mr Scruès (hoje), Paul Woolford
(amanhã) e Auntie Flo (domingo,
antecedendo uma palestra em que
músicos de várias origens discutirão
o desenvolvimento e impacto cultu-
ral e social das cenas locais britâni-
cas, indianas, brasileiras e portugue-
sas). Depois, à medida que a tarde
avança e dá lugar à noite, antes de
esta dar lugar à madrugada, chegará
toda a música, que se dividirá por
quatro espaços no Lx Factory e no
Village Underground. Para os resi-
dentes em Portugal, os bilhetes têm
o preço de 25 euros (entrada diária)
e 70 euros (passe de três dias).
Entre o multifacetado cartaz encon-
tramos um peso pesado do hip hop
enquanto força activista na Ægura de
Talib Kweli, o homem que formou os


Black Star com Mos Def no Ænal dos
anos 1990, antes de iniciar uma dis-
tinta carreira a solo de que Radio
Silence, editado em 2017, é o registo
mais recente. Kweli actua no mesmo
dia (amanhã, 19h), em que passam
pelo Nova Batida os britânicos
Friendly Fires (20h30), banda que
espraia ideário indie sobre ritmos
funk-punk e alusões nu-disco — Inflo-
rescent, o novo álbum, foi editado em
Agosto —, e em que os Jungle trocam
instrumentos pelos pratos para um
DJ set com início marcado para as
22h30.
Hoje, atenções centradas nos
KOKOKO! (16h30), a banda congolesa
que mostrou recentemente no Voda-
fone Paredes de Coura como retrata
de forma vibrante e personalizada a
realidade musical actual de Kinshasa,
e no concerto de Nubya Garcia (18h),
saxofonista que é uma das Æguras em
destaque na efervescente e transfor-
madora nova cena jazz londrina. Dia
recheado, contará com Floating
Points, ou seja, o músico (e neuro-
cientista) britânico Sam Shepherd

DR

(22h30), com o desejo de transcen-
dência de Jon Hopkins (24h) e com o
catalão John Talabot (2h), que iniciará
a sua actuação no Lx Factory à mes-
ma hora em que DJ Marfox começará
a libertar o seu afro-house, kuduro
cósmico e demais feitiçarias rítmicas
no Village Underground.
No domingo, o último dia, apre-
senta-se Four Tet, ou seja, Kieran
Hebden, nome fulcral da música
electrónica das últimas duas déca-
das, colaborador de nomes tão
diversos quanto Thom Yorke, Burial
ou baterista jazz Steve Reid, e dono
de uma visão artística abrangente e
sempre curiosa por novas explora-
ções (24h). Hebden chegará quase
no Æm do festival, depois de, nesse
domingo, cortesia dos Ibibio Sound
Machine, termos tido acesso à visão
de um afrobeat contemporâneo,
contaminado por pós-punk e mecâ-
nicas electrónicas (19h30), e de, com
o set de Awesome Tapes From Africa
(o blogue tornado editora, tornado
plataforma de divulgação musical,
criado em 2006 pelo americano
Brian Shimkovitz), viajarmos para
descobrir o mundo de sons criados
África fora em décadas passadas
(16h). Nem todo o público do festival
ouvirá a música que Shimkovitz tem
para mostrar. Alguns preferirão
avançar Tejo dentro: o Nova Batida
organiza diariamente festas em bar-
co que partem rio fora às 15h e por
ele navegam até às 18h (DJ Seinfeld
e Haai, hoje; Daniel Avery e Kettama,
amanhã; e Dan Shale e Saiorse,
domingo, serão os DJs de serviço).

Electrónica,


hip hop e jazz mas
também surf, aulas

de ioga e passeios


Tejo fora: a 2.ª


edição do Nova
Batida traz Talib

Kweli, Four Tet


e Floating Points


Obituário
Pedro Rios

De uma beleza desarmante,
quase infantil, a sua música
marcou e influenciou
a canção americana
dos últimos 30 anos

[email protected]

O músico norte-americano Daniel
Johnston morreu anteontem, aos 58
anos. A notícia foi dada pelo The
Austin Chronicle e conÆrmada pela
família do músico. “Morreu de
causas naturais na sua casa perto de
Houston, no Texas”, disse a família,
em comunicado. “O Daniel era um
cantor, um compositor, um artista e
um amigo de todos. Apesar de ter
lutado contra problemas mentais
durante boa parte da sua vida
adulta, o Daniel venceu a doença
através da sua produção prolíÆca de
arte e canções. Inspirou incontáveis
fãs, artistas e compositores com a
sua mensagem de que, por mais
negro que seja o dia, ‘the sun shines
down on me’ e ‘true love will find you
in the end’.”
A sua música, de escassos meios
(guitarra acústica, piano, uma voz
frágil, pouco mais), quase infantil,
dona de uma beleza desarmante,
tornou-o uma personagem
incontornável e inÇuente da
canção americana. A sua arte —
clássica e outsider, sem aparente
intenção de o ser, imperfeita,
inclassiÆcável — era torrencial:
assinou 18 discos, mas, segundo
disse o irmão Dick ao The New York
Times, em 2017, terá 1500 cassetes
que nunca viram a luz do dia. “Não
consigo parar de compor”, aÆrmou

(1961-2019)


Daniel Johnston,


um mestre outsider


da melodia, e ícone indie


Daniel Johnston. “Se parasse,
talvez nada houvesse. Talvez tudo
parasse. Por isso não paro. Tenho
que continuar.”
O músico de Sacramento
começou a dar que falar em Austin,
no Texas, graças às cassetes que
gravava e produzia em casa. Em
1981, estreou-se com Songs of Pain,
voz e piano registadas num
gravador de cassetes de 59 dólares,
lançado em cassete com arte visual
do próprio (feitos a marcador, os
seus desenhos tornaram-se tão
icónicos como a sua música). Em
2010, lançou o seu 18.º e último
disco, Beam Me Up!.
A inÇuência do autor de Some
things last a long time foi citada por
muitos músicos, nomeadamente
Kurt Cobain, que ostentava com
frequência uma T-shirt com a capa
do disco Hi, How Are You, de 1983.
Tom Waits, TV on the Radio, Wilco,
Beck, Yo La Tengo, Sparklehorse e
Beach House gravaram versões das
suas canções.
Em 1988, Daniel Johnston
mudou-se para Nova Iorque, para
gravar 1990 , disco que conta com a
participação de Lee Ranaldo e
Steve Shelley. Nesse ano foi-lhe
diagnosticada esquizofrenia. Em
1990, Johnston foi internado
compulsivamente numa instituição
psiquiátrica depois de dar um
concerto em Austin.
Em 2005, a vida e a obra do
músico, que também sofria de
doença bipolar, foi alvo do
documentário The Devil And Daniel
Johnston (Loucuras de um Génio,
em Portugal), realizado por Jeè
Feuerzieg. Esta tumultuosa vida
interior (que, por vezes, se
transformava em surtos psicóticos)
entrava nas suas canções: “O
desespero bateu-me à porta e eu
deixei-o entrar por instantes”,
canta em Despair came knocking,
de Hi, How Are You. “Sentou-se no
sofá e começou a fumar. Ele não
disse nada.”
Daniel Johnston actuou em 2013
no Porto, no Festival Primavera
Sound. E em 2017 fez a sua última
digressão. “A coisa mais incrível é
que metade destas canções sejam
os mesmos três acordes”, disse ao
The New York Times Doug Martsch,
dos Built to Spill, que o
acompanhou nessa digressão.
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