Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019 • 39

CULTURA


JORGE GONÇALVES

Tolcachir nunca saiu do ambiente doméstico em que começou a ensaiar uma linguagem dramatúrgica


Cacerolazo. Foi este o nome que os
historiadores atribuíram ao período
de profunda crise económica que se
abateu sobre a Argentina na viragem
do século e aos protestos contra as
medidas económicas do Governo de
Fernando de la Rúa. Em 2001, duran-
te este período em que se dava um
fortíssimo êxodo do país, o actor e
encenador Claudio Tolcachir resolveu
criar uma companhia de teatro na sua
casa, em Buenos Aires. “Com um gru-
po de amigos, pusemo-nos a equipar
uma sala e a ensaiar para não morrer-
mos de angústia”, confessou ao jornal
La Nacion. “A verdade é que nos sal-
vou a vida. Não me esqueço de que os
actores que integram o elenco dos
Coleman ensaiaram gratuitamente
durante um ano inteiro, da meia-noite
às quatro da manhã, para fazer uma
peça que eu, sem qualquer experiên-
cia, escrevia.”
Desse trabalho saiu A Omissão da
Família Coleman, que se estreou em
2005 e se transferiu depois da casa do


“Estar” é o verbo que define


a família no teatro de Tolcachir


encenador para um apartamento na
vizinhança onde a companhia Timbre
4 se instalou. E foi acumulando Ælas à
porta durante anos, com mais de
duas mil representações para quatro
ou cinco dezenas de espectadores por
sessão, até que o seu sucesso levou a
uma digressão internacional. Foi
assim que o encenador Jorge Silva
Melo se cruzou com Tolcachir, assis-
tindo à família em ruínas que o argen-
tino trouxe até ao CCB em Março de


  1. “Por agora, ainda não consigo
    libertar-me da encenação original —
    uma obra-prima”, confessa Silva
    Melo. Por isso, os Artistas Unidos
    avançaram primeiro com uma ence-
    nação colectiva de Um Vento no Violi-
    no e o fundador da companhia assina
    agora a direcção de Emília — em cena
    no Teatro da Politécnica, Lisboa, até
    19 de Outubro.
    De certa forma, essas duas peças
    que completam a trilogia iniciada
    com a Família Coleman mostram
    como Tolcachir nunca saiu do
    ambiente doméstico em que come-
    çou a ensaiar uma linguagem dra-
    matúrgica, rodeado de actores que
    se transformavam numa família à
    beira do abismo. “O que é engraça-
    do é que já não é a família do Ten-
    nessee Williams, desagregada, da
    Gata em Telhado de Zinco Quente”,
    analisa Silva Melo. “E já não é a famí-
    lia melancólica do Tchékhov, a ven-
    der as propriedades, nem sequer a


família agressiva do Fassbinder. É
uma família que se deseja, mas não
a biológica.”
Em Emília, é a família para lá dos
laços de sangue que vemos a pulsar
diante de nós. Tanto assim que, para
Silva Melo, um dos momentos cru-
ciais da peça é quando Walter (Amé-
rico Silva) se dirige a Gabriel (Pedro
Carraca) e resume “família” ao verbo
“estar”: “Quando adoecem é preciso
estar, quando choram de medo...
Quando se cagam pelas pernas abai-
xo também é preciso estar.” E apon-
ta o exemplo de Emília (Isabel Muñoz
Cardoso). Tudo se explica aí — Emília
diz-nos nos minutos iniciais que deve
o seu nome à tia que amamentou a
sua mãe. Depois, Æcamos a saber que
Emília foi a ama de Walter, autêntica
mãe e cuidadora deste que, por sua
vez, ao casar-se com Carol (Andreia
Bento) assumiu o Ælho desta como se
fosse também seu. “Esta é uma famí-
lia que se deseja”, sublinha Silva
Melo. Até mesmo Gabriel, o pai bio-
lógico do adolescente, Ægura distan-
te e ausente, surgido para desestabi-
lizar a aparente união entre os
outros, mas tentando, atabalhoada-
mente, redimir-se.
E da mesma maneira que em O Ven-
to num Violino a chegada de um bebé
era a desesperada tentativa de salva-
ção da família, também aqui é a Emí-
lia que é pedido que se assuma como
a cola capaz de manter a união.

Com Emília, os Artistas


Unidos regressam à trilogia


familiar do argentino


Claudio Tolcachir: a família


não é definida pela biologia


Teatro


Gonçalo Frota


O romance Estuário, de Lídia Jorge,
está entre os 13 Ænalistas do Prémio
Médicis 2019, ao lado de nomes
como a norte-americana Joyce Carol
Oates e o espanhol Manuel Vilas,
anunciou a editora Dom Quixote. O
vencedor será anunciado no dia 8 de
Novembro.
Publicado em Maio de 2018, o mais
recente romance de Lídia Jorge foi
editado em França pela Métailie,
numa tradução de Marie-Hélène
Piwnik, com o título Estuaire. Em
Portugal, venceu em Junho o XXIV
Grande Prémio de Literatura DST.
Ao lado da escritora portuguesa
estão, entre outros, Joyce Carol
Oates, com o romance de 2017 A
Book of American Martyrs, e Manuel
Vilas, com Ordesa, publicado em
Portugal pela Alfaguara com o título
Em Tudo Havia Beleza. Na corrida
estão ainda os escritores Nina Allan,
Mircea Cartarescu, Selahattin Demir-
tas, Giorgio Falco, Arno Geiger,

Lídia Jorge


nos finalistas


do Prémio


Médicis 2019


Literatura


A escritora portuguesa
concorre com nomes como
Joyce Carol Oates e Manuel
Vilas. Vencedor será
conhecido a 8 de Novembro

Em 1988, A Costa
dos Murmúrios
foi a porta de
entrada para o
reconhecimento
internacional da
obra da escritora

Christian Kracht, Jennifer Nansubu-
ga Makumbi, Auður Ava Olafsdottir,
Regina Porter e Edna O”Brien.
Estuário já tinha sido classiÆcado
pela imprensa francesa como um
dos destaques da rentrée literária
naquele país.
Neste romance, Lídia Jorge conta
a história de Edmundo Galeano, que
esteve numa missão humanitária, da
qual regressou para casa do pai, sem
parte da mão direita. Consigo trouxe
uma experiência para contar e uma
recomendação a fazer por escrito,
tendo a elaboração desse testemu-
nho passado a ocupar completamen-
te os seus dias.
Lídia Jorge estreou-se na escrita
com a publicação de O Dia dos Pro-
dígios, em 1980. Lusa

Breves


Artes

Banda desenhada

“As Túlipas” de Jeff


Koons vão estar em


Paris a 4 de Outubro


Pranchas de autores


portugueses


vão a Bruxelas


Cristophe Girard, adjunto
da Câmara de Paris e
responsável pela cultura,
anunciou que Boquet of
Tulips, a colossal escultura
feita por Jeff Koons de um
bouquet de túlipas em bronze
de dez metros de altura e que
pesa 30 toneladas vai
finalmente ser instalada no dia
4 de Outubro em Paris.
Passaram já três anos desde
que Jeff Koons decidiu
oferecer a peça à cidade das
luzes, em solidariedade para
com as vítimas dos atentados
de Paris em 2015. O artista
propôs que ficasse no
Trocadéro, frequentado por
milhares de turistas, entre o
Museu de Arte Moderna e o
Palais de Tóquio. Mas a peça
ficará junto ao Petit Palais.

De acordo com o director do
festival de BD de Beja, Paulo
Monteiro, a exposição
intitula-se La bande dessinée
portugaise est super! e conta
com pranchas de autores
portugueses que têm
trabalhado tanto no mercado
português como no
estrangeiro, em temáticas
como “super-heróis, ficção
científica e mundos
pós-apocalípticos”. Em
exposição estarão obras de
André Lima Araújo, Daniel
Henriques, Daniel Maia, Eliseu
Gouveia, Filipe Andrade, João
Lemos, Jorge Coelho, Miguel
Mendonça, Miguel
Montenegro, Nuno Plati,
Ricardo Tércio e Ricardo
Venâncio. É a segunda vez que
Paulo Monteiro co-organiza
uma exposição no festival de
BD de Bruxelas.
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