Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
4 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019

DESTAQUE


“BREXIT”


A


sete semanas da data mar-
cada para o “Brexit”, e
sem quaisquer avanços
nas negociações entre o
Reino Unido e a União
Europeia para a assinatura
de um acordo de saída, o Parlamen-
to Europeu veio aumentar a pressão
sobre o Governo britânico, avisando
o primeiro-ministro, Boris Johnson,
de que não terá nenhuma tolerância
ou complacência com qualquer
solução que não garanta o statu quo
na ilha da Irlanda — isto é, que
depois do divórcio não serão repos-
tos os controlos fronteiriços que
vigoraram ao longo dos Troubles.
Na próxima quarta-feira, os euro-
deputados vão votar uma proposta
de resolução sobre o “Brexit” que,
como resumiu o presidente do Par-
lamento Europeu, David Sassoli, não
podia ter uma mensagem mais clara:
“Não haverá nenhum acordo de saí-
da que não contenha o backstop”,
frisou, referindo-se à cláusula de sal-
vaguarda inscrita no tratado jurídico
para evitar a reposição das fronteiras
entre a Irlanda e a Irlanda do Norte.

Uma posição de princípio que,
prosseguiu Sassoli, não impede que
as equipas negociais de Londres e
Bruxelas continuem a discutir o
backstop. “Pela nossa parte, esta-
mos mais do que disponíveis para
aceitar a proposta original de apli-
car este mecanismo apenas na Irlan-
da do Norte”, revelou o presidente
do Parlamento.
Agora, se o primeiro-ministro bri-
tânico continuar a repetir que nem
quer ouvir falar do backstop, escusa
de vir a Bruxelas negociar o acordo
de saída, avisou Sassoli. “Se ele não
quer falar sobre isso é porque não
quer falar de nada. E, nesse caso,
não há mais nada para falar”, expli-
cou o líder do Parlamento aos jor-
nalistas, minutos depois de ser
informado por Michel Barnier, o
negociador da UE para o “Brexit”,
do ponto de situação das conver-
sas.
Downing Street insiste que exis-
tem inúmeras alternativas ao backs-
top, e que as negociações em curso
estão a progredir de forma muito
positiva, mas essa versão dos factos
não podia estar mais distante da de
Bruxelas. “Infelizmente, nenhuns
dos sinais que temos indicam que
vai ser apresentada qualquer pro-
posta que permita reabrir as nego-
ciações”, contrapôs David Sassoli,
manifestando a sua desilusão com
o comportamento do Governo bri-
tânico.
Antecipando-se ao pingue-pon-
gue político com Boris Johnson, os
eurodeputados deixam claro na sua
proposta de resolução que uma
eventual saída do Reino Unido sem
acordo será inteiramente da respon-
sabilidade de Londres. Ao mesmo
tempo, lembram que, mesmo num
cenário de no deal, o Reino Unido
continua obrigado a proteger os
direitos dos cidadãos, a respeitar os
seus compromissos Ænanceiros e a
manter em vigor o Acordo de Sexta-
feira Santa.

Eurodeputados vão votar


resolução que obriga a incluir


o backstop no acordo de saída


Rita Siza, Bruxelas


Londres confirma que escassez


e pânico são riscos do no deal


Q


uando em meados de Agosto
o Sunday Times revelou que o
Governo de Boris Johnson
antevia um cenário caótico
para os primeiros meses após
a saída do Reino Unido da
União Europeia sem acordo, a 31 de
Outubro, Downing Street apressou-se
a esclarecer que as estimativas esta-
vam desactualizadas.
Na quarta-feira à noite, porém, e
depois de obrigado pelo Parlamento,
o executivo britânico publicou o tex-
to oÆcial, que conÆrma as piores
expectativas: escassez de alimentos,
remédios e combustível; redução
signiÆcativa do Çuxo de trocas comer-
ciais; impreparação das actuais estru-
turas alfandegárias e rodoviárias para
lidar com os atrasos no controlo de
bens; aumento dos preços e possibi-
lidades elevadas de desordem pública
em várias cidades e comunidades.
A publicação dos termos da cha-
mada “Operação Yellowhammer”,
que o primeiro-ministro diz ser uma
previsão do “pior cenário possível”,
surge na sequência da aprovação de
uma moção, na Câmara dos
Comuns, na segunda-feira, que exi-
giu ao Governo que revelasse toda
a informação sobre os preparativos
para um “Brexit” sem acordo.
A imposição de controlos alfan-
degários em França “sobre todos os
bens provenientes do Reino Unido”,
o “espaço limitado nos portos fran-
ceses” e a “falta de preparação
comercial”, refere o documento, faz
antever que, pelo menos nos pri-
meiros três meses após o “Brexit”,
os camiões possam em vir a ter
períodos de espera “até dois dias e
meio” para o canal da Mancha.

A dependência da comercialização
de remédios nas rotas do canal “tor-
na-os particularmente vulneráveis a
atrasos rigorosos e prolongados”,
prossegue, e uma vez que muitos
deles têm prazos de validade curtos,
“diÆculta o seu armazenamento”.
Quanto aos produtos alimentares, o
cenário é igualmente preocupante. O
documento admite que, a par do com-
bustível e da electricidade, o aumento
do preço da comida “afectará despro-
porcionadamente os grupos com bai-
xos rendimentos”: “O fornecimento de
certos de alimentos frescos será redu-
zido. Não haverá uma escassez gene-
ralizada, mas reduzir-se-á a oferta e a
disponibilidade de alguns produtos e
os preços vão aumentar. Poderá ter
impacto nos mais vulneráveis.”
É na reacção popular a estas situa-
ções que o Governo antevê maiores
problemas. “Haverá protestos em
todo o Reino Unido, que poderão
absorver recursos policiais signiÆ#
cativos. E poderá haver um aumen-
to da desordem pública e de tensões
nas comunidades.”
Estimam-se ainda disrupções nos
serviços Ænanceiros transfronteiriços
e na partilha de informações entre as
autoridades policiais e de segurança
britânicas e europeias.

António Saraiva Lima


DANIEL LEAL-OLIVAS/REUTERS

Boris Johnson desvalorizou o cenário de caos

E se para a entrada e saída de
camiões em Gibraltar são esperadas
demoras até quatro horas, para a
fronteira irlandesa o cenário é tratado
de forma menos pessimista, uma vez
que o Governo, mesmo admitindo o
regresso de algum tipo de controlo
fronteiriço, está conÆante em acabar
com o backstop. Ainda assim, admite
que esse controlo “provar-se-á insus-
tentável devido aos riscos económi-
cos, legais e biossecuritários”.
Mas em resposta às críticas da opo-
sição e da ala remainer do Partido
Conservador, Boris Johnson desvalo-
rizou o cenário de caos. “Este docu-
mento trata do pior cenário possível.
Qualquer Governo se prepararia para
ele”, disse o primeiro-ministro. “Se
tivermos de sair a 31 de Outubro, esta-
remos prontos. Os portos, as comu-
nidades agrícolas e todas as indústrias
relevantes estarão prontos.”
Johnson assegurou ainda não ter
mentido à rainha Isabel II, quando
apresentou os motivos para suspen-
der o Parlamento durante um mês —
gesto que os opositores entenderam
como uma forma de retirar dias de
trabalho aos deputados que querem
evitar um hard-“Brexit”.

Governo britânico publicou
documento que antevê
quebras na oferta de
alimentos e remédios e
teme desordem pública

PE aumente pressão

Se ele [Boris Johnson] não quer falar


sobre isso [backstop] é porque


não quer falar de nada. E, nesse caso,


não há mais nada para falar


David Sassoli
Presidente do Parlamento Europeu

[email protected] [email protected]
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