48 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019
DESPORTO
Aos 40 anos, Mayra Santos fez história.
Agora, sonha ser campeã do mundo
FOTOS: FLÁVIO MARTINSMayra Santos depois da
travessia bem sucedida,
na MadeiraA marca de 12h07m20s Æcará perma-
nentemente gravada na memória de
Mayra Santos, a primeira mulher a
fazer a travessia a nado entre Porto
Santo e Madeira. No dia 4 de Setem-
bro, a atleta do Clube Naval do Fun-
chal fez os 42 quilómetros do percur-
so e falou com o PÚBLICO sobre a
experiência e o regime de treinos que
permitiram a façanha.
“Nunca ninguém me disse directa-
mente, mas, na realidade, muitos não
acreditavam que conseguiria, porque
é uma travessia muito dura. E nem é
pelo facto de ser mulher, nunca senti
discriminação a esse respeito. Era
mais por ser relativamente inexpe-
riente e nadar há pouco tempo”,
desabafa Mayra.
A quarta-feira seleccionada não foi
escolhida ao acaso. Bem pelo contrá-
rio: os mapas com as previsões meteo-
rológicas e ondulações foram atenta-
mente analisados por Paulo Falé,
director de prova. O longo percurso
mereceu semelhante escrutínio.
“Existe uma zona mais difícil, com
um remoinho perigoso. As pessoas
diziam-me para ter cuidado, pergun-
tavam-me se já tinha treinado lá. Fiz
alguns testes psicológicos [para me
preparar para isso]. Mas, na hora de
fazer a travessia, estava com tanto
optimismo, com tanta conÆança, que
nada me faria parar antes de chegar
à Madeira”, relembra a nadadora.
O estudo das condições meteoro-
lógicas compensou. Nas 12 horas de
prova, as ondas estiveram quase sem-
pre a favor de Mayra. Queria sair de
Porto Santo de madrugada, mas foi
barrada pela lei, que não permite
natação nocturna em águas abertas.
Sairia apenas ao nascer do sol, pelas
7h30. Conseguiu comprar 20 minu-
tos, colocando pequenas luzes reÇec-
toras na touca. “Queria sair o mais
cedo possível para chegar à Madeira
com luz do dia. Não sabia quanto ia
demorar”, justiÆca.
As largas horas dentro de água obri-
garam a um acompanhamento pró-
ximo: Mayra foi seguida por uma
embarcação em permanência. Uma
médica, o director de prova e o mari-
se dizer: ‘Mayra, estás a ir bem. Con-
tinua assim e chegarás à Madeira’. No
segundo, apareceram imensos golÆ#
nhos, a saltar ao nosso lado. Estavam
a atravessar uma rota, não nos segui-
ram. Nós é que fomos atrás deles até
o barco nos chamar a atenção”, rela-
ta, sem esconder as gargalhadas.Regresso recente à natação
Apesar da preparação intensiva para
a “maratona aquática”, a nadadora
de 40 anos esteve afastada das pisci-
nas grande parte da sua vida. Mayra
nasceu em Juiz de Fora, no interior
do estado de Minas Gerais. Cresceu
numa cidade sem mar, mas sempre
teve um gosto especial pela água. Pra-
ticou vários desportos durante a
infância, mas foi a natação que a agar-
rou. “Comecei a nadar com nove
anos, mas tive de parar pouco tempo
depois. Aos 11, mudámos de casa e
não tínhamos possibilidades de ir aos
treinos e pagar a mensalidade. Inter-
rompi, nessa altura, a natação.”
Esteve quase três décadas afastada
do desporto que ama. Em 2004
mudou-se do Brasil para a ilha da
Madeira, conheceu o marido e casou-se na Marina do Funchal. “Para mim,
casamento tinha de ser no mar”,
explica. Trabalhava numa empresa
de telecomunicações, sendo que o
seu local de trabalho era paredes
meias com as piscinas do Clube Naval
do Funchal. Voltou à natação em
2015, como forma de fazer exercício
físico. Começou a participar em pro-
vas, por diversão, mas o “bichinho”
de outros tempos picou novamente.
“Depois de uma prova com 1500
metros, disse ao meu treinador que
queria fazer a travessia entre a Madei-
ra e as Desertas, de 27 quilómetros.
Foi meio em tom de brincadeira, mas
estava a falar bem a sério”, garante
Mayra. Porquê a escolha deste per-
curso? “O principal objectivo era con-
seguir nadar com os golÆnhos. Vi
imagens de uma mulher a fazê-lo e
Æquei encantada”, explica.
Essa travessia acabaria por nunca
se realizar, mas Mayra traçou como
objectivo nadar a distância entre Por-
to Santo e a Madeira, prova ainda
mais árdua. Começou a treinar-se
duas vezes por dia: de manhã, pratri-
cava na piscina; de tarde, nas águas
abertas, com todos os Æns-de-semana
reservados ao mar. “Como agora sou
consultora imobiliária, tenho maior
Çexibilidade de horários para fazer
este regime de treino. O objectivo é
completar 40 quilómetros semanais”.
Chegou a fazer 19 quilómetros numa
piscina de 25 metros, para fortalecer
a vertente psicológica para a prova.
O grande objectivo, agora, passa
pela selecção nacional. “O meu sonho
é, em 2021, ser campeã do mundo
com Portugal nos Masters”, aÆrma,
sem papas na língua. Para os vetera-
nos, as provas de natação são bastan-
te mais curtas do que as distâncias
que Mayra está acostumada a nadar.
“Tenho de adaptar os treinos, mudá-
los de resistência para velocidade”,
explica, já com um 8.º lugar na cate-
goria 40-44 anos no Campeonato do
Mundo que se realizou em Gwangju,
na Coreia do Sul.
Tal como os 42 quilómetros entre
Porto Santo e Madeira, Mayra tem
este objectivo bem deÆnido. E acre-
dita que a nova aventura terá, outra
vez, um desfecho feliz.Foi a primeira mulher a nadar os 42 quilómetros entre Porto Santo e Madeira, depois de passar grande parte
da vida afastada da natação. Luso-brasileira aborda o início de um caminho que poderá passar pelos Masters
Natação
Miguel Dantas
tros, fazíamos as paragens de meia
em meia hora, era a fase onde preci-
sava de mais energias. As contas
foram bem feitas: nunca me senti com
falta de energia”, atesta.
Já depois de ter cruzado o ponto
intermédio da travessia, os sonhos da
nadadora tornaram-se realidade.
“Tive dois encontros com golÆnhos.
No primeiro só vi um e consegui ouvir
o barulho que ele fazia. Estava mesmo
por baixo de mim e é como se o ouvis- [email protected]do eram alguns dos elementos que
garantiam apoio à nadadora. Nos qui-
lómetros iniciais, o “abastecimento”
acontecia a cada 40 minutos. Banana
era o único alimento sólido que a
nadadora ingeria. De resto, consumia
géis de rápida absorção, bebida ener-
gética e água. “Nos últimos quilóme-