Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

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Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019

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Historiador, fundador do Livre

CONSOANTE MUDA


Votem como se quatro anos valessem décadas


À


s vezes, pergunto-me o que
seria do jornalismo e do
comentário se nos
dedicássemos a cuidar dos
factos, deixando que a
narrativa cuidasse dela
mesma. O que se passa
normalmente é o contrário:
escolhe-se primeiro a narrativa
(“será que o PS vai ter maioria
absoluta?”) e depois arranjam-se
ou desarranjam-se os factos para
que eles se acomodem à narrativa
previamente decidida.
A partir daí, tudo está
dependente dessa decisão: as
perguntas que se fazem aos
políticos, os preconceitos que se
escondem por detrás dessas
perguntas, quem tem direito a
cobertura televisiva — e com que
pressupostos. E o que se perde
com esta maneira de fazer as coisas
é imenso.
Perde-se a capacidade de nos
surpreendermos: se aparecer
alguma candidatura a fazer
campanha de forma diferente ou a

Rui Tavares


orientar a sua estratégia por
pressupostos diferentes da
narrativa, é como se estivesse a
falar numa língua estrangeira. Se
alguém Æzer política de outra
maneira, o mais certo é a grande
maioria dos seus concidadãos não
o chegarem a saber (muitas vezes
nem os próprios jornalistas). Uma
política emperrada no presentismo
não tem futuro.
Perde-se também a capacidade
de entender a próxima legislatura.
Isto é surpreendente porque a
justiÆcação para a narrativa
escolhida é precisamente a de que
ao perguntarem “será que o PS vai
ter a maioria absoluta?” ou “se não
tiver, com quem vai o PS
governar?” estariam precisamente
a tentar saber como a próxima
legislatura vai ser. Mas, na verdade,
só o estão a tentar saber da mais
superÆcial das formas. Se se
perguntassem quais são as
preocupações do eleitorado, quais
são os dilemas estratégicos das
candidaturas, quais são as
novidades (novos temas, novas
candidaturas, novas formas de
participação) Æcariam a saber
muito mais sobre os próximos
quatro anos do que ao
perguntarem-se apenas sobre uma
binária questão de maioria
absoluta ou não que interessa a

Mas não. O início deste século
trouxe uma série de novos choques
que deixaram Portugal fora de pé.
A entrada da China na Organização
Mundial do Comércio (talvez o
maior deles), o alargamento da UE
a Leste, a criação do euro e, em
rápida sucessão, a emergência do
terrorismo, a crise Ænanceira de
2008 e a regressão
nacional-populista já nesta década.
Sem estratégia commumente
assumida ou pelo menos tão forte
quanto a dos três dês, Portugal
limitou-se a ser gerido pelas
circunstâncias de políticos que
prometeram os seus próprios
“choques” (choque Æscal de Durão
Barroso, choque tecnológico de
Sócrates, choque austeritário de
Passos e Portas) até à situação de
navegação à vista em que nos
encontramos agora.
O que esta rápida narrativa
prova é muito simples: que a falta
de estratégia se paga. A
convergência com a média da UE,
que era a ambição suprema da
geração dos meus pais, não é
suÆciente para a geração dos meus
sobrinhos e Ælhos, em particular
num contexto de liberdade de
circulação no qual as pessoas mais
ou menos qualiÆcadas podem
sempre optar por emigrar.
Pior ainda: os choques que se

preparam para as próximas
décadas não são menores que os
das últimas — da automação do
trabalho às alterações climáticas e
ao nacionalismo económico. Só
uma nova estratégia poderá fazer
com que Portugal não volte a
perder o pé — e, a meu ver, ela deve
sintetizar-se na meta de fazer de
Portugal uma sociedade altamente
desenvolvida, baseada numa
economia do conhecimento muito
qualiÆcada e num Estado social
que não deixe ninguém para trás.
A pergunta a fazer nas urnas não
deve, portanto, ser “será que
fulano terá uma maioria
absoluta?”, mas antes “como é que
eu garanto com o meu voto que
haja no parlamento políticos que
entendam estes desaÆos?”. Aí está
uma tarefa em que jornalistas e
comentadores poderiam ajudar a
esclarecer os eleitores, quanto
mais não seja começando por
exclusão de partes pelos políticos
que não servem para ultrapassar
estes desaÆos.
Nota: dada a minha condição
de mandatário da candidatura
do Livre a estas eleições legislativas,
esta coluna ficará suspensa nas
próximas três semanas e regressará
no dia 7 de outubro.

Lotaria popular 2631 61.º Prémio50.000€
Esta informação não dispensa a
consulta da lista oficial de prémios

BARTOON LUÍS AFONSO


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pouca gente e que morrerá de
novidade nos dias a seguir às
eleições.
Mas perde-se, acima de tudo,
capacidade de prescrutar o futuro.
Porque aquilo que está em causa
em cada eleição é sempre muito
mais do que quatro anos — são
escolhas feitas para os próximos
quatro anos mas que se ramiÆcam
para o bem e para o mal futuro
afora. E aquilo que está em causa
nestas eleições é muito mais do que
apenas os próximos quatro anos.
Podemos resumir a história
recente de Portugal desta forma.
Após o 25 de Abril de 1974, o país
tinha uma estratégia aceite por
todos: a “dos três dês”:
democratizar, desenvolver e
descolonizar. Não se era da mesma
maneira pelos três dês à esquerda,
no centro ou na direita, ou entre
radicais e moderados, mas todos
eram de uma forma ou de outra
pelos três dês, que acabaram, na
prática, por se traduzir numa
democracia parlamentar, no
Estado social e numa convergência
com a média da União Europeia.
Essas tendências solidiÆcaram-se
de tal forma que no Æm do século
passado a sensação geral era
a de que a História tinha acabado
e que tínhamos atingido uma
espécie de nova normalidade.

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