Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

8 | ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019


os dois filhos, era arrendada. Foi
classificada como quinta histórica no
PDM de Cascais de 2015 e as duas ir-
mãs acabaram de comprar um ter-
reno adjacente para proteger a pro-
priedade da pressão urbana. “Fize-
mos uma loucura e comprámos o
terreno. Tivemos quefazer a escolha
difícil entre investir já no restauro da
casa ou proteger a quinta. Optámos
pela segunda opção”, explica Cata-
rina.
Há várias equipas de investigadores
de diversas instituições universitárias
envolvidas na inventariação do espó-
lio ANSA, que começou a ser explo-
rado a partir de 2000 com o início
dos trabalhos de edição literária. O
atelier de Almada, onde ele fez o fa-
moso quadro de Fernando Pessoa,
está agora a ser estudado, em parti-
cular os pincéis e os pigmentos, por
uma equipa do laboratório Hercules
da Universidade de Évora. A ideia,
dizem as duas irmãs, é preservá-lo
como atelier de pintura e permitir
pontualmente o acesso através de um
programa que está a ser delineado
com a Câmara de Cascais. “Está tudo
muito em aberto. Talvez a abertura
possa ser daqui a ano e meio”, avança
Catarina. O atelier da Sarah, como era
um anexo situado mais próximo da
casa, sofreu ao longo dos anos vários

usos, restando pouca coisa do espaço
original.

1937, o ano de ouro
A exposição da Gulbenkian centra-se
nas obras da década de 30 do século
XX, nomeadamente no ano de 1937,
considerado “o ano de ouro de Sarah
Affonso”, como o classifica a cura-
dora Ana Vasconcelos, de que datam
obras como A Estrela, O Coreto, Es-
tampa Popular (conhecido como
Casamento na Aldeia), Lavradeiras e
Bois ou Família.
Em Agosto de 1933, Sarah Affonso
está no Minho com o pai e escreve a
Fernanda de Castro a dizer que esta
é uma região “à espera de pintores”,
começando a elaborar o pensamento
à volta da força que o povo do Minho
e uma paisagem que foi da sua infân-
cia terão na sua obra pictórica, foco
da exposição Sarah Affonso e a Arte
Popular do Minho, que estará no Mu-
seu Gulbenkian até 7 de Outubro. São
de 1933 as “pinturas verdes”, como
lhes chama Vasconcelos, Menina com
Boi e Camponesa Amamentando o Fi-
lho, que mostram um certo sabor
neo-realista nos desenhos das mãos
e dos pés, mas também no encontro
com um rural matriarcal, com as figu-
ras femininas ligadas ao trabalho do
campo a surgirem suspensas em vá-

rios planos de verde. São duas pintu-
ras que abrem várias possibilidades
artísticas na obra de Sarah Affonso,
como veremos ao longo desta década
em que se reinventa várias vezes
como artista até desistir de pintar
profissionalmente.
Em 1934, Sarah casou com Almada
e um ano depois era mãe do primeiro
filho, interrompendo a sua produção
pictórica durante dois anos. Num re-
gresso à pintura que não deixará de
ser efémero, vemos a artista a usar o
artesanato figurativo do Minho, que
já tinha sido pintado por artistas
como Eduardo Viana, Mário Eloy ou
Sonia Delaunay. “A Sarah não usa
muitos dos bonecos, restringindo a
sua representação aos bois e aos mú-
sicos”, nota Ana Vasconcelos, apon-
tando-os em Estampa Popular e em O
Coreto, na visita que faz connosco à
exposição. Há vários outros elemen-
tos com origem na arte popular nas
pinturas feitas a partir de 1937, como
os ex-votos, as decorações efémeras
das festas minhotas, mas a verdade é
que o figurado em cerâmica do Minho
funciona como “um avatar de moder-
nidade” para os pintores da época,
antes de começar a ser usado tam-
bém pelo Secretariado de Propa-
ganda Nacional (SNI) do Estado
Novo. e

e

“Fizemos


uma loucura


e comprámos


o terreno [ao lado].


Tivemos quefazer


a escolha difícil


entre investir já no


restauro da casa ou


proteger a quinta. ”,


explica Catarina


Almada


A Família,
1937

Sem Título, s/
d

Menina com
Boneca,
c. 1930
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