Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

12 | ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019


LAUREN DUROFF

É sobre amor


maternal, pais


e Älhos, nós


e o planeta, ele


e a Venezuela.


É sobre o que nos


une. É Devendra


Banhart a falar


connosco em voz


alta no seu


magníÄco novo


álbum, Ma,


onde até canta


em português,


apesar de pedir


desculpa pelo


atrevimento.


“Devia ter


aprendido


português há


muito tempo”,


aÄrma.


Devendra


Banhart:


“O que diria


a um filho


se por acaso


tivesse um?”


Vítor


Belanciano
F


oi na última sexta-feira. De-
vendra Banhart havia acor-
dado há pouco, em Los Ange-
les, atendendo-nos com um
bem-disposto “Olá”, iniciando
a conversa em português,
para de seguida se autocensurar, di-
zendo que o melhor era ficarmos por
ali porque o seu “português é muito
mau.” Recordamos-lhe que no seu
novo álbum, Ma, que é editado hoje,
canta em português Carolina, de
Chico Buarque, soltando uma frase
— “eu deveria aprender português”
— que não consta do original. Ele
ri-se.
“É a consciência de que sou pregui-
çoso, um caso perdido, porque já
devia ter aprendido português há
muito”, diz, enquanto lhe pergunta-
mos se o amigo, o cantor-compositor
brasileiro Rodrigo Amarante, não o
ajuda nessa tarefa. “Ele ajudou-me
com a pronúncia, embora o seu auxí-
lio tivesse servido para eu perceber
que realmente não sei falar portu-
guês”, ri-se ainda mais. “Ele ajudou-
me a dizer em português que não sei
falar português. Espero que os falan-
tes de português me desculpem o

atrevimento, do fundo do coração,
até porque a canção Carolina, pela
voz de Chico Buarque ou de Caetano
Veloso é muito especial para mim.”
Depois faz uma pausa e exclama,
como se tivesse despertado. “Calma!
Hoje é sexta?! Não pode ser! O Ro-
drigo [Amarante] faz anos hoje! Não
me posso esquecer de lhe telefonar a
seguir”, exclama, seguindo-se algu-
mas palavras sobre as virtudes da
amizade, embora não seja esse o nú-
cleo do seu nono álbum de originais.
É mais uma obra sobre as figuras ma-
ternais, ou de paternidade, embora
tal como a amizade, também possa
ser sobre a ideia de cuidar ou de ir de
encontro do outro. “Nunca tinha pen-
sado a partir daí, mas faz sentido.
Cuidar, é uma boa palavra. Algumas
canções acabam por ser tributos ao
amor maternal, mas a partir de dife-
rentes ângulos. Algumas partem de
experiências minhas, mas mesmo
essas acabam por ter universalidade,
ou assim espero. E é também um ál-
bum sobre aquilo que diria a um filho
se tivesse um, porque vivo rodeado
de amigos que os têm e que me foram
adoptando como o tio mais velho.”

No álbum canta em português, inglês,
castelhano e até um refrão em japo-
nês em Kantori Ongaku, um tributo à
Yellow Magic Orchestra e a Ryuichi
Sakamoto. Há duas convidadas vo-
cais, a amiga cantora Cate Le Bon e a
veterana da folk Vashti Bunyan, sua
musa, mentora e amiga. E centra-se
no amor maternal, mas não num sen-
tido literal. Há algumas canções onde
a sua mãe é visada, tal como os laços
entre mães e crianças em geral, mas
existem também alusões à Venezuela,
uma espécie de mãe pátria, onde pas-
sou parte da sua infância. E também
existe a morte a pairar em canções
como October 12 e Memorial — “têm a
ver com essa grande amiga, a morte,
sempre próxima, mas que tanto nos
custa aceitar, e da experiência de ter
visto o meu pai e um amigo muito
próximo partirem.”
O que é interessante é que apesar
desta multiplicidade de estímulos, é
o seu álbum mais coeso de há muito,
feito de canções intimistas, calorosas
e orgânicas, marcadas por magníficos
arranjos. É um álbum bonito, mas
não o bonito que o cinismo contem-
porâneo se habituou a desvalorizar,

verdadeiramente bonito. “O outro
disco era menos pessoal tematica-
mente e esteticamente era mais sin-
tético. Neste utilizamos violinos, flau-
tas, pianos, guitarras. É quase música
de câmara. E o som é mais flutuante
e espaçoso. Queria que o som tivesse
essa qualidade.”
No seu anterior álbum, Ape In Pink
Marble (2016), havia idealizado uma
música desnudada e sedutora para
um hotel decadente do Japão. Na al-
tura, em Lisboa, em entrevista, dizia-
nos que “havia imaginado uma certa
estética, situando-a no Oriente miste-
rioso. Adoro o Japão, a poesia, a mú-
sica, a comida e o cinema”, confes-
sava. Desta feita, permanecemos no
Oriente, mas de forma diferente. “O
outro disco era como que uma evoca-
ção de um imaginário japonês a partir
da Califórnia. Neste o Japão surge
mais como contexto. É um país pelo
qual me sinto, culturalmente e espi-
ritualmente, muito inspirado e onde
tenho muitos amigos. Na minha vida
pessoal tenho dois professores, dois
gurus, um é japonês e o outro in-
diano. A minha prática budista está
muito ligada ao Japão. É um país que,
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