Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019 | 13

13.09.2019



  • 22.03.2020


CURADORAS

MARIA DE AIRES SILVEIRA
EMÍLIA FERREIRA

OS DIAS DAS


PEQUENAS


COISAS


MECENAS INSTITUCIONAIS

ESTAÇÃO BAIXA-CHIADO

TERÇA A DOMINGO
10 H00-18H 00
SEGUNDA-FEIRA ENCERRADO

museuartecontemporanea.gov.pt
RUA CAPELO, 13 | 1200-444 LISBOA

“Comecei a compor


este álbum logo


a seguir ao término


do anterior, e as


primeiras gravações


aconteceram


durante uma


pequena digressão


pela Ásia. Andámos


por Hong Kong,


Pequim, Xangai,


Tailândia, Singapura


e, à última hora,


tivemos


a oportunidade


de gravar, durante


umas horas, num


templo budista


em Quioto. Foi aí que


tudo começou”


em muitas dimensões, nos faz pensar
em coisas de que no Ocidente nos
fomos desligando. É o caso do silên-
cio. No Ocidente o silêncio fascina-
nos, porque se tornou raro, mas
mete-nos imenso medo também.”
O novo álbum, começou precisa-
mente no Japão, onde o anterior havia
terminado. “Comecei a compor este
álbum logo a seguir ao término do
anterior, e as primeiras gravações
aconteceram durante uma pequena
digressão pela Ásia. Andámos por
Hong Kong, Pequim, Xangai, Tailân-
dia, Singapura e, à última hora, tive-
mos a oportunidade de gravar, du-
rante umas horas, num templo bu-
dista em Quioto. Foi aí que tudo
começou.”
Antes já tinha existido um trabalho
de escrita e composição. “O processo,
a disciplina, a prática, é na escrita. É
um período de acumulação de mate-
rial. Nesse período, a viagem, no sen-
tido espiritual, começa. Posso ir para
uma biblioteca e ver 20 livros que
nada têm a ver com a minha vida, mas
sei que depois começo a escrever e o
meu universo íntimo acabará por
imergir na escrita. Aquilo que sou
acaba por se manifestar no trabalho.
Neste caso, o ambiente à minha volta,
o que me rodeou, foram pais e filhos.
Na minha banda, e entre os meus ami-
gos, toda a gente os tem. Sou o padri-
nho para muitos deles. E a observação
diária dessa relação incondicional
entre pais e filhos contaminou a mi-
nha escrita.”
E continua: “Não tenho filhos. Mas
é como se este disco funcionasse
como tudo aquilo que poderia querer
dizer-lhe. Fui eu a interrogar-me: o
que diria a um filho se por acaso ti-
vesse um? Este disco sou eu a falar
para um filho imaginário. É também
óbvio que sou eu a explicitar o que
gostaria que me tivesse sido dito a
mim em criança. Tenho uma óptima
relação com a minha mãe, tal como
tinha com o meu pai. Não se trata,
portanto, de eles não me terem dado
bons conselhos ou esse tipo de coisas.
É outro tipo de lógica. É talvez aquilo
que ficou por dizer. Talvez. Não sei
bem.”
É também, claro, um disco político
à sua maneira. Em vez de se deter
sobre os corredores do poder, olha
para os que sofrem. Abre los manos é
como se fosse uma carta à Venezuela,
onde residiu e tem familiares. “A si-
tuação é tremendamente complexa
do ponto de vista político e geoestra-
tégico e nunca me ocorreria criar uma
canção a partir dessa perspectiva.
Mas a partir do prisma humano tudo
é simples e diferente. Qualquer ser
humano percebe: as pessoas preci-
sam de medicamentos, electricidade,


coisas básicas. Tenho lá família — mas
poderia não ter — e o sentimento de
impotência coabita com o desejo ur-
gente de ajudar.”
Mas até isso é difícil, afirma. “Tudo
é controlado por forças obscuras. Pa-
rece um país duplamente aprisio-
nado, a partir do jogo de forças exte-
rior, e também a partir do interior
pelo regime. As pessoas sentem-se
oprimidas de uma maneira que não
conseguimos imaginar no Ocidente,
embora se vivam tempos estranhos
em tantas outras partes do planeta.
As liberdades parecem cada vez mais
reprimidas e cada vez mais pessoas
vivem precariamente. Como se sai
daqui? Também gostaria de saber.”
O álbum começa com uma interro-
gação, Is this nice?, e acaba com outra,
Will i see you tonight?, naquela que é
uma canção especial. Um ritmo em

câmara-lenta, um envolvimento or-
questral caloroso e as vozes de Vashti
Bunyan e a dele, em total simetria. Ela
mais dramática. Ele mais sussurrado.
A circundar tudo, as cordas e a genti-
leza do piano, alisando palavras sobre
as propriedades redentoras do amor.
É como se, afinal, depois de todas as
reflexões, concluísse que a tal energia
materna, fosse também a de um pai,
filho, planeta ou cosmos. É aquilo que
nos une. “Ela é uma das pessoas mais
importantes da minha vida, uma se-
gunda mãe, ou o arquétipo de mãe
para mim. Tinha de tê-la neste disco.
Nos primeiros anos, quando comecei
a fazer música, foi determinante. Foi
a ela que fui buscar a estima para não
desistir. Não foram apenas as suas
palavras de ânimo quando nos torná-
mos amigos, mas também a sua mú-
sica que escutava em momentos de
melancolia. Quando pensei nesta
ideia da potência maternal como ma-
triz para o disco ela surgiu-me de
imediato.”
Para além de Vashti Bunyan, fala de
Laurie Anderson, Alice Coltrane ou
Caetano Veloso como as influências
tutelares, embora tenha sempre o
radar alerta para escutar música
nova, elegendo os últimos álbuns de
Cate Le Bon, Aldous Harding ou He-
lado Negro como alguns dos que tem
elegido. No início deste ano foi o res-
ponsável pelo lançamento de Frag-
ments du Monde Flottant, uma colec-
ção de temas raros ou inacabados da
sua eleição (Nils Frahm, Rodrigo
Amarante, Arthur Russell), e para
além da música, continua a escrever
poesia, tendo lançado há pouco o seu
primeiro livro (Weeping Gang, Bliss
Void, Yab Yum), e a pintar. A capa do
disco é da sua autoria e em Abril lan-
çou um livro de arte, com pinturas e
desenhos (Vanishing Wave), inspira-
dos na percepção que teve do terra-
moto e do tsunami em Tohoku, em
2011, dos quais resultaram duas expo-
sições, em Tóquio e Quioto, com a
totalidade das obras a serem vendi-
das, com receitas para organizações
de caridade.
Nas últimas semanas havia estado
no Nepal. Regressou a L.A. para o
lançamento do álbum, antes de ini-
ciar mais uma digressão, que passará
por Portugal em Fevereiro do pró-
ximo ano — a 15 no Hard Club do Porto
e a 16 no Capitólio de Lisboa. “O Nepal
foi óptimo para respirar e sentir o si-
lêncio, mas o pior foi regressar e des-
cobrir que me haviam assaltado a
casa”, diz ele. “Agora voltei à rotina.
Medito todas as manhãs. Recebo te-
lefonemas de Portugal para ser con-
frontado com o meu mau português.
E agora vou telefonar ao meu amigo
Rodrigo. Vai ser um bom dia.”

Ma
Devendra
Banhart
Nonesuch,
distri. Warner
Music

mmmmm


No álbum canta em português,
inglês, castelhano e até um
refrão em japonês em Kantori
Ongaku, um tributo à Yellow
Magic Orchestra e a Ryuichi
Sakamoto

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