Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1

14 | ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019


Hoje é publicado o primeiro de nove


álbuns de inéditos que, durante os


próximos anos, continuarão a


fazer-nos redescobrir Bernardo


Sassetti. Mas também Bruno


Pernadas, Alberto Conde e a Big Band


Júnior nos lembra que a música do


pianista tende para o inÄnito.


Um Solo para continuarmos a o


Gonçalo Frota


A voz do próprio Sassetti, antes de o disco se finar, dizendo
“Rapazes, não vos massacro mais, está feito; temos disco”, parece
não deixar grandes dúvidas de que estas sessões deveriam ter
conhecido uma vida semelhante a esta que agora escutamos.

Laginha (seu pai) ou Daniel Bernar-
des, profundo conhecedor da obra de
Sassetti. “A opção consensual foi a de
que seria mais interessante um disco
de canções do que um disco de am-
bientes, assim como escolher canções
inéditas e menos conhecidas”, ex-
plica ao Ípsilon, não excluindo a hi-
pótese de que destas sessões possa
vir a ser extraído um segundo vo-
lume.

Uma respiração
Apesar dessas coordenadas deixadas
por Sassetti, Nelson Carvalho, que
começou a colaborar com o pianista
na gravação dessa obra-prima em
trio chamada Nocturno, álbum que
marca um ponto de viragem deter-
minante na sua discografia, conta
que era habitual gravarem sem “ob-
jectivo à vista”. “Mesmo no Unreal
— Sidewalk Cartoon, o disco que ele
fez com o Drumming, apesar de eu
acreditar que ele tinha o plano todo
traçado era muito difícil descortiná-
lo antes do fim.” Quando Sassetti
sugeria que gravassem uma “ma-
rimba só com metrónomo”, em mo-
mento algum revelava que aquela
haveria de tornar-se uma peça fun-
damental do álbum. Talvez porque
não o sabia ainda com absoluta niti-
dez. “A visão dele era mais global e
acredito que a tivesse toda na ca-
beça, simplesmente não a mostrava
ou explicava cedo no processo.”
A visão global para este reportório
gravado no Teatro Micaelense ficaria
por completar. Depois do regresso
dos Açores, Bernardo Sassetti não
terá voltado a debruçar-se longa-
mente sobre este material. E não
custa imaginar porquê. A partir da
edição de Nocturno (2002), os pro-
jectos em trio, a solo, com Carlos do
Carmo ou Laginha e Burmester, para
o cinema ou para o teatro, cada vez
mais cruzados com uma exploração
paralela de elementos visuais, suce-
dem-se a um ritmo estonteante e a
sua imaginação está sempre lançada
para a frente, à procura dos trilhos
seguintes, desbastando caminho o
tempo todo, rumo a paraísos incer-
tos. “Ele andava sempre à procura
de uma cor ou de uma paisagem ou
de um filme em tudo o que fazia”,
acredita Nelson Carvalho.
Nesse mesmo ano de 2005, Sassetti
havia de publicar a banda sonora de
Alice, filme de Marco Martins, que o
técnico de som considera “o pico da
obstinação, dos ostinatos e das repe-
tições”, e outra obra majestática,
composta para dois trios (o habitual,
com Carlos Barretto no contrabaixo
e Alexandre Frazão na bateria, e um
outro com Ajda Zupancic no violon-

O


s instrumentos não se dei-
xam tocar sempre da
mesma maneira. Têm hu-
mores, respondem melhor
a algumas mãos do que a
outras. E têm fases na vida
que, por uma infeliz ou feliz conju-
gação de factores, tanto podem soar
especialmente indomáveis quanto
de uma rara luminosidade. Em 2005,
quando Bernardo Sassetti embarcou
para Ponta Delgada com o produtor
Nelson Carvalho e o afinador Paulo
Pimentel, a notícia que circulava en-
tre os pianistas portugueses era a de
que havia um piano de excepção no
Teatro Micaelense. E foi atrás da pro-
messa desse som abençoado que
Sassetti partiu para os Açores, sem
qualquer plano que fosse além de
passar três dias a criar uma relação
com aquele Steinway & Sons e a re-
gistar cada segundo.
Nelson Carvalho, que havia de vol-
tar ao Micaelense para as gravações
de Canções e Fugas de Mário Laginha,
recorda ao Ípsilon que “os Steinway
são uma categoria superior, mas
aquele passava mesmo essa média,
era um piano fenomenal”. Daí que a
viagem por impulso se justificasse,
quando quaisquer variações em hu-
midade e temperatura poderiam al-
terar sem aviso o estado iluminado
daquele instrumento. Durante os três
dias no Micaelense, Sassetti registou
uma série de peças que alternavam
entre temas mais estruturados e des-
envolvidos a partir de claros motivos
melódicos, e longas improvisações,
mais ambientais e cinematográficas
— “Quando se tem um piano daqueles
apetece às vezes tocar menos para
ouvir mais o silêncio, ouvir os espa-
ços”, contextualiza Nelson Carvalho.
De qualquer forma, esses dois eixos
sempre coexistiram no percurso de
Sassetti.
O registo destes temas em piano
solo facilmente daria origem a um
álbum e as escolhas de algumas takes
sinalizavam já os caminhos que Sas-
setti pretenderia tomar com aquele
material. Foram essas pistas que Inês
Laginha, directora artística da Casa
Bernardo Sassetti, decidiu seguir ao
montar esta primeira publicação de
inéditos — de um total previsto de
nove discos — intitulada Solo. Pondo
de lado as “improvisações de 20 mi-
nutos”, Laginha trabalhou mormente
sobre as “canções”, excluindo do ali-
nhamento final aquelas que foram
publicadas posteriormente, por
exemplo, na banda sonora de Alice. E
foi tomando decisões em relação aos
sete temas escolhidos para o alinha-
mento final, consultando Nelson Car-
valho e outros músicos como Mário

PEDRO CUNHA/ARQUIVO
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