Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019 | 23

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Aberta

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ÓPERA


13 OUT


DON


GIOVANNI


ROYAL OPERA


HOUSE


TRANSMISSÃO EM DIRETO


WOLFGANG AMADEUS MOZART
MÚSICA

LORENZO DA PONTE
LIBRETO

HARTMUT HAENCHEN
DIREÇÃO MUSICAL

CORO E ORQUESTRA


DA ROYAL OPERA HOUSE


GRANDE AUDITÓRIO / 14H / M/6
PARCERIA CCB / ROYAL OPERA HOUSE
COPRODUÇÃO ISRAELI OPERA, GRAN TEATRE
DEL LICEU, BARCELONA, HOUSTON GRAND OPERA
ROH 19-20_DON GIOVANNI © ROH BILL COOPER 2014

programa para o apresentar ao
espectador. Construo o documentá-
rio a partir daquilo que eu próprio
vou descobrindo, sem argumento
prévio.
Em todo o caso, um dos pontos
cruciais do filme anda à volta da
fragilidade da democracia, de
como tudo pode acabar de um
momento para o outro.
Bom, há muitas diferenças entre a
Europa de hoje e o Chile daquela
época. Havia muitos factores em
jogo, até externos, como a interfe-
rência americana, e um contexto
muito específico, nomeadamente
uma situação de crise económica.
Portanto, não creio que se possa
fazer uma analogia automática entre
as duas situações. Não era, pelo
menos, a intenção.
No filme, ouvimos de vez em
quando a sua voz em “off” mas
não o vemos muitas vezes em
campo. O momento mais
significativo é o daquele diálogo
com o militar na prisão, quando
ele se queixa de que pensava
estar num filme “imparcial”, e
você responde: “Eu não sou
imparcial”. É um dos momentos
mais fortes do filme, e aquele
está mais próximo dum
“happening”...
Sim, é um general que foi condena-
do, e está preso, pelas atrocidades
cometidas pela juntar militar de
Pinochet. Sabe, eu não sou capaz de
teorizar sobre os meus filmes. Por-
tanto, não sei por que razão, mas
senti que o meu filme tinha que ter a
voz dos outros, dos “maus”. E assim,
insisti muito com a produção para
ter também entrevistas com ex-mili-
tares. Foi o que aconteceu. Mas é
impossível ser imparcial, equidistan-
te, entre as vítimas e os perpetrado-
res. É impossível, nunca serei impar-
cial tendo os torturadores num lado
e as vítimas noutro.
Os militares falam de forma
bastante desassombrada, quase
cândida, sobre os seus actos.
Como é que se relacionou
com eles?
Bom, eles tinham uma grande neces-
sidade de justificar as suas acções, e
eu tinha uma grande curiosidade por
ouvir as suas justificações. O que
mais me impressionou foi a total
ausência de arrependimento peran-
te as consequências do que fizeram.
O que acaba ser um reflexo do que o
Chile ainda é actualmente: um país
partido em dois. Há uma parte do
país que continua a justificar a dita-
dura, ou pelo menos a justificar as
razões da sua instituição. É uma feri-
da que ainda está aberta na socieda-
de chilena.
Há alguns momentos em que os
ex-refugiados deponentes se
comovem a evocar os tempos da
militância e do combate político
vivido como causa primordial.
Quase como nostalgia de um
mundo desaparecido. É uma
nostalgia que partilha?
Não, não... Isso é como perguntar-
me se eu tenho saudades dos meus
vinte anos. Não tenho saudades
nenhumas de ter vinte anos. Sauda-
des dos meus cinquenta anos, sim,
isso tenho muitas [e ri-se].


Os contrastes
com a Itália
que nos chega
pelas notícias
ficam para o
espírito do
espectador

Santiago,
Itália
De Nanni
Moretti
Documentário

mmmmm


Nanni Moretti vai ao Chile, sem sair de Itália, e
reencontra a Itália, sem sair do Chile. As duas fórmulas
são verdadeiras, sem paradoxo. Santiago, Itália é uma
abordagem do golpe de estado chileno de 1973, e da
sua história, causas e consequências imediatas, feita a
partir do papel que a embaixada italiana em Santiago
desempenhou nos primeiros tempos após a tomada
do poder por Pinochet e pelos militares. Por razões
mais ou menos fortuitas (nomeadamente a pouca
segurança e a baixa altura do murete que separava a
rua e o jardim da embaixada), aquele pedaço de Itália
em Santiago tornou-se um santuário para os
perseguidos pela junta militar. Com protecção
diplomática, muitos foram viver para Itália, alguns
deles para sempre. São estes chilenos tornados
“italianos” os verdadeiros protagonistas do filme de
Moretti.
Moretti que, embora com pelo menos uma notável
excepção, se remete à sombra do fora de campo.
Sendo um cineasta habituado a “pôr-se em cena” na
ficção, e frequentemente (um pouco menos nos
últimos anos, é verdade) a dominar os filmes a partir
da sua figura e da sua oralidade torrencial, usa o
documentário para ensaiar a atitude oposta ( já era
assim em La Cosa, o filme de 1990 sobre os debates da
crise e “refundação” do PCI). Quer ver e ouvir. Vê, na
extensa utilização de imagens de arquivo e
documentos de época, e ouve, na longa colecção de
depoimentos que a sua câmara e o seu microfone
colhem, numa galeria de intervenientes onde se
contam figuras conhecidas do espectador de cinema
(os cineastas Miguel Littin e Patricio Guzmán) entre
outros artistas, intelectuais, médicos ou assistentes
sociais. O “outro lado”, também: Moretti escuta
igualmente dois militares envolvidos nas actividades
da junta, e na cena com um deles (que está preso)
Santiago, Itália tem o seu momento de happening,
fazendo também “acontecer” Moretti: o militar
queixa-se de que afinal, ao contrário do que esperava,
as perguntas não são “imparciais”, e Moretti, de frente
para ele, no único plano em que partilha o campo com
um entrevistado, replica com uma tirada que se
arrisca a ficar emblemática: “io non sono imparziale”.
Ora, justamente por Moretti não ser neutro, o filme
vai-se encaminhando, sobretudo na parte final, para
uma evocação duma Itália aberta e acolhedora, porto
de abrigo para refugiados. Os contrastes com a Itália
que nos chega pelas notícias contemporâneas ficam
para o espírito do espectador. Mas é assim, com a
subtileza de um “não-dito”, que se reforça a carga
política do filme, e que a Itália de hoje pode aparecer
através do Chile de 1973. L.M.O.

Moretti contra


os Pinochet


Habituado a “pôr-se em cena” na Äcção,


o cineasta usa o documentário para ensaiar


a atitude oposta.

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