Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
8 • Público • Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019

formulava um desejo ingénuo: que 2019,
ano duplamente eleitoral, servisse para
debatermos estes temas com maturidade e
com a consciência que nenhum deles se
resolve fora do
contexto da União
Europeia. Chegada a
meados de
setembro, estou
bastante pessimista.
Já desperdiçámos a
campanha para as
eleições europeias a
debater a política
nacional. Estamos
agora em plena
pré-campanha para
as legislativas a
discutir a UE na
perspetiva do
adolescente à espera
da semanada.
Não sem algum
embaraço, vou
entrar no debate da
semanada proposto
pelos grandes
partidos. A posição

Professora de Economia na Nova SBE.
Escreve à sexta-feira

Elisa Ferreira e os fundos europeus:


a UE da semanada


E

lisa Ferreira terá a pasta da Coesão
e das Reformas na nova Comissão
Europeia. Isto, claro, se o
Parlamento Europeu vier a
conÆrmar as escolhas de Von der
Leyen, que padecem do duvidoso
carimbo de Orbán em pastas
fundamentais, como lembrou Rui
Tavares, na quarta-feira, nas
páginas do PÚBLICO.
Como a pasta de Elisa Ferreira inclui a
gestão dos fundos estruturais,
imediatamente se gerou por cá um debate
acerca da possibilidade de Portugal
beneÆciar de haver uma portuguesa com o
livro de cheques na mão. Paulo Rangel
explicou, nas páginas do PÚBLICO, que lhe
parece que esta pasta é má para Portugal,
devido ao óbvio conÇito de interesses de
comissários e comissárias que tentem
beneÆciar o seu país de origem. A obrigação
de neutralidade dos comissários obrigará
Elisa Ferreira a ter especial cuidado para não
poder ser acusada de favoritismo. Mas Rangel
parece isolado na preocupação. Marcelo
Rebelo de Sousa apressou-se a vir esclarecer
que a “pasta imaginativa” da comissária
indigitada é importante para Portugal. Rui
Rio disse que os fundos comunitários são
“relevantes para todos os países,
particularmente para Portugal”, e espera que
Elisa Ferreira tenha “muita habilidade para
gerir uma pasta onde Portugal é um país
interessado”. Também Assunção Cristas
espera que esta nomeação traga “benefícios
para o nosso país”.
Há duas possibilidades. A primeira é estas
reações patéticas terem o objetivo de tapar
com a peneira o facto de a pasta de Elisa
Ferreira ser claramente secundária na
Comissão Von der Leyen. Mas então o PSD e
o CDS podiam ter aproveitado para fazer
oposição, em vez de alinharem com o PS e
Marcelo. O mais provável, portanto, é esta
gente continuar a viver num Portugal
adolescente, à espera da semanada da
mãe-Europa provedora de cheques. A mesma
posição adolescente transparecia no cartaz
de campanha do CDS para as eleições
europeias que falava de “aproveitar bem o
dinheiro da Europa”. Como em janeiro de
2020 completamos 34 anos de adesão (à
então Comunidade Económica Europeia),
devíamos exigir dos nossos responsáveis
políticos uma atitude um pouco mais
crescidinha.
Num artigo que escrevi para o PÚBLICO
no Ænal de 2018, falava de uma série de
desaÆos importantes para Portugal e para o
mundo: a desigualdade, a polarização do
mercado de trabalho, associada à
robotização e não só, a crise climática. E

de Paulo Rangel inspira-se no artigo 17 do
Tratado da UE, que diz assim: “Os membros
da Comissão são escolhidos em função da
sua competência geral e do seu
empenhamento europeu de entre
personalidades que ofereçam todas as
garantias de independência. A Comissão
exerce as suas responsabilidades com total
independência. (...) Os membros da
Comissão não solicitam nem aceitam
instruções de nenhum Governo, instituição,
órgão ou organismo.” Infelizmente, a
realidade não respeita o artigo 17, como
mostra um estudo de 2015 intitulado
Towards the Greater Good? EU Commissioners’
Nationality and Budget Allocation in the
European Union, dos economistas alemães
Kai Gehring e Stephan Schneider. O artigo
começa por lembrar algumas histórias
menos felizes, como quando Pierre
Moscovici, comissário europeu dos Assuntos
Económicos e Financeiros, assinou um
manifesto do (seu) Partido Socialista francês
a favor da comunitarização das dívidas
públicas nacionais. Ou seja: Moscovici,
socialista francês, toma posição para que a
UE assuma coletivamente parte das dívidas
nacionais, contradizendo as atribuições da

O mais provável
é esta gente
continuar a
viver num
Portugal
adolescente, à

espera da
semanada da

mãe-Europa


pasta de Moscovici, comissário europeu, que
incluíam garantir a aplicação do Pacto de
Estabilidade e Crescimento e, portanto, o
respeito de cada país pelos limites de
endividamento. Mas os autores vão mais
longe. Numa análise detalhada ao orçamento
comunitário para a Política Agrícola Comum,
em que analisam os orçamentos anuais entre
1979 e 2006, período durante o qual
passaram pela pasta da agricultura oito
responsáveis, concluem que o país do
comissário beneÆcia sistematicamente do
orçamento da PAC. Este benefício é estimado
em 500 milhões de euros por ano, o que dá
para resolver a vida a muitos agricultores.
Portanto, para aqueles que continuam a
viver na perspetiva da semanada, até pode
ser que a pasta de Elisa Ferreira nos renda
uns trocos. Infelizmente, não é mais um
cheque do Feder ou do Fundo de Coesão que
vai resolver os problemas que temos pela
frente. Oxalá o Presidente e os partidos que
merecidamente perderam entretanto o título
honoríÆco de “arco da governação” (PS, PSD
e CDS) tivessem disso consciência.

ADRIANO MIRANDA

Susana Peralta


ESPAÇO PÚBLICO

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