Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
24 | ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019

T


udo começou com a notícia
do assassinato de uma mu-
lher na margem de um lago
na região de Småland, na
Suécia, em 2008, perto do
lugar onde vivia Jan Stock-
lassa (1965), antigo diplomata e jor-
nalista. Depois, e por um acaso, ele
veio a saber que nesse mesmo local,
havia mais de um século, já tinha
sido assassinada outra mulher. E en-
controu, ainda, uma notícia de um
apartamento em Estocolmo que,
depois de lá ter sido cometido um
crime na década de 1930, se tinha
mantido fechado durante meio sé-
culo. Foi nessa altura que o jornalista
sueco teve a ideia de “escrever um
livro acerca dos locais onde são per-
petrados crimes”, da relação entre o
espaço e os comportamentos, uma
antiga e quase obscura teoria sobre
a qual lera nos tempos em que estu-
dara Arquitectura.
Esse projecto de livro levou-o a des-
cobrir quem morava nesse tal apar-
tamento que estivera vazio durante
décadas: quis o acaso (ou não) que o
habitante, à época que Stocklassa se
interessava pelo assunto, fosse um
antigo suspeito no “caso Palme” — um
mistério ainda hoje por resolver:
quem matou numa rua do centro de
Estocolmo o primeiro-ministro sueco,
Olof Palme, na noite de 28 de Feve-
reiro de 1986, quando este caminhava
pela rua com a mulher, depois de te-
rem saído de um cinema? A Suécia,
um “país onde tudo é qualificável,
onde tudo é transparente, sofre há
décadas de uma ferida aberta que
nada parece conseguir sarar”, escre-
veu a propósito do assassinato.
Pouco tempo depois, Jan Stocklassa
abandonara a ideia do tal livro sobre
a relação entre os espaços e quem os
habita, e mergulhara no “caso
Palme”. Não sabia que iriam seguir-se
ainda oito anos de intenso trabalho e
muitas surpresas: entre elas a inespe-
rada “descoberta”, cinco anos depois,
dos arquivos esquecidos de Stieg
Larsson (1954-2004), o malogrado
jornalista sueco que ficou conhecido
por ter escrito a tetralogia de livros
policiais Millennium.
O resultado do trabalho de Stock-
lassa foi publicado em livro há poucos
meses em mais de 50 países. O autor
tem andado um pouco por todo o lado
a falar da obra e dos resultados obti-
dos (a Polícia sueca, entretanto, rea-
briu o “dossier Palme”): o Ípsilon cru-
zou-se com o escritor em Oslo, depois
de uma apresentação do livro no Krim

Festivalen, o maior festival literário de
literatura policial na Escandinávia.
Disse então Jan Stocklassa que a sua
obra, Stieg Larsson — Os Arquivos Se-
cretos, é um “romance documental”,
que o escreveu como um thriller, mas
que foi pensado como um docu-
mento para “repor a verdade”. Que
há no livro pelo menos 30 páginas
que saíram da mão de Stieg Larsson
tal como este as escreveu — são arti-
gos, cartas e memorandos, encontra-
dos no arquivo e que ele reproduz.
Na primeira parte do livro, Jan
Stocklassa rastreia o fio das investiga-
ções de Stieg Larsson paralelamente
à apresentação do esboço da série de
acontecimentos que foram o desen-
rolar da investigação policial — esta,
por vezes, exala uma aura de atroz
incompetência, noutras parece haver
algo mais por trás, qualquer coisa que
uma capa de estupidez e desinteresse
parece querer cobrir. Na segunda
parte, Stocklassa relata a sua própria
investigação, em particular os locais
onde ele teve sucesso e a polícia não
teve — entre outras coisas, uma des-
locação a Praga para obter informa-
ções, e um encontro em Chipre com
uma das mais obscuras e duvidosas
personagens do “dossier Palme”, o
sueco Bertil Wedin, que várias fontes
asseguram ter sido soldado da ONU
no Congo, e fala de se encontrarem
vestígios da sua actividade de merce-
nário (ou de recrutador de mercená-
rios) no Vietname, Biafra, África do
Sul e Moçambique; e ainda da sua li-
gação à morte de uma dirigente do
ANC (Congresso Nacional Africano)
numa explosão em Maputo.
Ao longo dos anos, foram várias as
linhas de investigação que a Polícia e
os serviços secretos suecos seguiram:
desde os rebeldes curdos do PKK, as
múltiplas organizações de extrema-
direita, passando pela polícia secreta
sul-africana, até ligações a negocian-
tes de armas para o Irão. Mas a ver-
dade é que todas elas foram abando-
nadas (percebe-se agora que antes de
tempo), para tudo desembocar numa
acusação a um solitário toxicodepen-
dente (que Jan Stocklassa não acredita
ter sido o assassino). Para se ter uma
ideia da complexidade do processo:
foram ouvidas mais de dez mil pes-
soas, e cerca de 130 confessaram ser
“o assassino” procurado.

Os arquivos esquecidos
Durante cinco anos, Stocklassa fez
as suas próprias investigações. Per-
cebeu onde a Polícia falhara, e che-

LÍBIA FLORENTINO – ARQUIVO ED. PLANETA
DANIEL SIMON/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES

SOPHIE BASSOULS/SYGMA/SYGMA VIA GETTY IMAGES

Foram oito anos de intenso trabalho


e de muitas surpresas. Entre elas a inesperada


“descoberta” dos arquivos esquecidos de Stieg


Larsson, que à data da sua morte investigava


o assassinato de Olof Palme, primeiro-ministro


sueco. Stieg Larsson — Os Arquivos Secretos


é um livro que se lê como um policial nórdico.


Jan Stocklassa


José Riço Direitinho, em Oslo


Stieg Larsson — Os Arquivos
Secretos
Jan Stocklassa
(Trad. Pedro Carvalho e Guerra)
Planeta

mmmmm


porque mataram


o primeiro-ministro sueco


sabe

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