Público - 13.09.2019

(Martin Jones) #1
ípsilon | Sexta-feira 13 Setembro 2019 | 25

Jan Stocklassa trabalhou oito
anos nesta investigação e livro.
À direita O primeiro-ministro
sueco, Olof Palme, fotografado
em 1973. Em baixo, Stieg
Larsson em Paris, em 1986


o envolvimento logístico e de apoio
de várias organizações suecas de ex-
trema-direita, centradas no nome de
Anders Larsson, “uma aranha no
meio da grande teia”. É numa destas
organizações que surge a referência
a Luís Antunes, à data representante
da UNITA em Estocolmo, mas sem
provas do seu envolvimento directo
no assassinato.

O “intermediário”
Em Stieg Larsson — Os Arquivos Se-
cretos, Jan Stocklassa recriou um
mundo real, mas igualmente cheio
de gente e de acontecimentos que
resultam de ligações inesperadas. As
movimentações e propósitos destes
homens e mulheres, quase irreais,
nada ficam a dever às personagens
de Stieg Larsson: homicidas e suas
vítimas, agências de serviços secre-
tos, espiões que se espiam entre si
fornecendo informações a vários
mandantes, obscuros mercenários
e antigos soldados, viagens a vários
locais do mundo, duvidosos altos
funcionários de organizações inter-
nacionais, conspirações, piratas
informáticos que trabalham eficaz-
mente, escutas telefónicas e outras,
e as operações secretas que não po-
deriam faltar. A maneira de narrar
dá ao livro um ritmo de “policial
nórdico”, com revelações inespera-
das em momentos-chave, com mo-
vimentações para longe do palco da
acção, com métodos que não se es-
perariam numa investigação não-
oficial. E é Jan Stocklassa quem o
confessa: “Inspirei-me em Stieg e
nos seus métodos. Quando não pude
ir mais longe pelos métodos conven-
cionais, acabei por ter de receber
conversas particulares por e-mail
enviadas por uma fonte. Essas con-
versas podem ter sido obtidas por
recurso a pirataria informática.
Também organizei uma operação
secreta digna de Larsson e dos seus
livros. A única coisa que adicionei

aos seus métodos foi o uso de redes
sociais, que não existiam quando
Stieg estava vivo.”
Durante os anos de investigação,
foram várias as vezes que Jan Stock-
lassa se aventurou para além do que
seria razoável. Fez várias viagens para
se encontrar e entrevistar persona-
gens com um passado sinistro. E não
escondendo os motivos que o leva-
vam a pedir-lhes que o recebessem,
expunha-se. “Senti medo muitas ve-
zes”, confessa. “A primeira vez foi
quando me encontrei com o interme-
diário no assassinato, Bertil Wedin
[colaborador externo dos serviços
secretos sul-africanos, terá desempe-
nhado, segundo Stieg Larsson, o pa-
pel de “intermediário”], em Chipre.
A segunda vez, quando fui à África do
Sul para me encontrar com vários
assassinos que estiveram ao serviço
do regime do apartheid. Eu tomei
precauções, mas nestes casos não há
maneira de se estar completamente
em segurança. A menos que não se
escrevam livros como o meu, o que
para mim não é uma solução.” Stock-
lassa admitiu que continua ainda a ter
cuidados de segurança.
Como não poderia deixar de ser,
Stieg Larsson é personagem central
deste livro. Escrito para ser lido como
um romance — que o é — o leitor de-
para-se com numerosos diálogos que,
obviamente, nunca aconteceram da-
quela forma, com aquelas palavras.
Há também descrições de algumas
situações domésticas e de trabalho da
vida de Larsson. “Incluí diálogos e
descrições da vida de Stieg, das quais,
obviamente, não participei. Para po-
der fazer isso, encontrei-me várias
vezes com a sua companheira, Eva
Gabrielsson, bem como com vários
dos seus amigos”, conta o autor. “Mas
a prova de que o fiz bem é o facto de
todas as pessoas que conheceram
Stieg gostarem do livro e concorda-
rem com as descrições.”
Neste livro, Jan Stocklassa não se
limita a explicar apenas uma parte
das circunstâncias que envolveram
o crime: esclarece também os moti-
vos que acabaram por lhe dar ori-
gem. Ele assegura ter agora “uma
ideia exacta do que aconteceu na
Suécia antes da noite fatídica de 28
de Fevereiro de 1986 e a identidade
daqueles que se encontravam no
local do crime nessa noite”.

O Ípsilon viajou a convite da
Embaixada da Noruega em Lisboa e
do NORLA

Durante os anos de


investigação, foram


várias as vezes que


Jan Stocklassa se


aventurou para além


do que seria


razoável. Fez várias


viagens para se


encontrar e


entrevistar


personagens com


um passado sinistro


gou a nomes. “Antes de descobrir os
arquivos de Stieg, as minhas próprias
investigações já me tinham levado a
alguém que tinha sido suspeito do
homicídio, mas que a Polícia tinha
deixado de lado e em quem os meios
de comunicação social nunca fala-
ram muito. Eu fiz o que Stieg [Lars-
son] teria feito, escrevendo à atenção
da polícia um memorando acerca de
Jakob Thedelin [nome fictício] com
tudo o que tinha descoberto dele.”
Mas, entretanto, um acaso dá-lhe
acesso aos arquivos esquecidos de
Stieg Larsson: 20 caixas, anos de in-
vestigação sobre os movimentos de
extrema-direita (a sua obsessão de
décadas) e, mais tarde, sobre o assas-
sinato do primeiro-ministro. Havia
esquemas de ligações entre várias
organizações, nomes de quem man-
dava, contactos, entrevistas, cartas,
memorandos, pontos de situação.
“Os documentos foram empacota-
dos em caixas de mudanças depois
da morte dele, e depositados num
poeirento armazém alugado”, escla-
rece Jan Stocklassa.
“Mais tarde ou mais cedo, seriam
esquecidos e um dia talvez destruí-
dos. Pertencia tudo ao jornal Expo,
onde Stieg trabalhava, e foi quando
começaram os conflitos sobre o di-
nheiro dos direitos dos livros [uma
batalha jurídica que opôs a compa-
nheira de Larsson e o pai e o irmão do
jornalista-escritor, que a primeira
viria a perder por não ser casada, ape-
sar de terem vivido juntos duas déca-
das] que as caixas foram definitiva-
mente esquecidas. Esperaram ali para
eu as encontrar, dez anos depois.”
Jan Stocklassa tinha já a sua pró-
pria teoria sobre o assassinato de
Olof Palme aquando da descoberta
dos arquivos. Mas os esquemas intri-
cados de Larsson, a imensa rede de
contactos entre os vários elementos
referidos, vieram alterar parte, es-
clarecendo as falhas. “De início, pen-
sei que a solução fosse mais simples
do que a teoria de Stieg Larsson. En-
tretanto, decidi encontrar-me com
as pessoas de quem o Stieg suspei-
tava, e aos poucos fui percebendo
que a sua teoria era relevante. Mas
que, de certa forma, também se ar-
ticulava com o que eu pensava desde
o começo. As duas teorias eram ver-
dadeiras e interligavam-se.”
A teoria final apresentada no livro,
e resumindo, apresenta como man-
dante do assassinato um agente que
trabalhava para os serviços secretos
sul-africanos, Craig Williamson, com

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