Adega - Edição 159 (2019-01)

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CURIOSIDADES | por GUILHERME VELLOSO


A história de um vinho original produzido por um
possível cruzamento entre Cabernet Franc e Merlot

CABERLOT


O

inverno de 1985 será lembrado
como um dos mais rigorosos na
Toscana. Entre outros prejuízos,
o frio dizimou incontáveis oli-
veiras em diferentes localidades.
Mas, em pelo menos um caso, a tragédia climáti-
ca resultou no lançamento de um vinho absolu-
tamente original: o Il Caberlot, produzido pela
Podere Il Carnasciale, situada a 30 quilômetros
tanto de Siena como de Arezzo. Para entender
a relação entre esses dois acontecimentos sem
conexão aparente, é preciso recuar alguns anos e
contar uma história que parece enredo de novela,
com locações na Itália, Alemanha e França.
Tudo começa no início dos anos 1960, perto
de Pádua, quando o agrônomo Remigio Bordini
identificou, num vinhedo quase abandonado,
uma uva até então desconhecida, aparentemen-
te resultado de um cruzamento natural entre a
Merlot e, possivelmente, a Cabernet Franc. Bor-
dini plantou um pequeno vinhedo com mudas da
variedade para avaliar sua viabilidade comercial
e registrou-a para fins legais. A uva desconhecida
tornou-se oficialmente a “L32”.
Como nas novelas, o cenário muda para Ber-
lim, na Alemanha. Entram em cena um bem-
-sucedido diretor de criação de uma agência de
publicidade internacional, Wolf Rogosky, e sua
mulher, Bettina, ambos alemães. Quando estu-
dante de arte, Wolf viajara pela Toscana e se apai-
xonara pela região. Nos anos 1970, o casal sou-
be que, devido à crise econômica, havia muitas

propriedades praticamente abandonadas à venda
na região. E decidiu conhecer algumas delas in
loco. Entre as que visitaram, a Podere Il Carnas-
ciale não parecia, pelo menos à primeira vista, a
mais promissora. Além do mau estado de conser-
vação, pesava o fato de que não tinha luz elétrica
ou água encanada. Mas a vista, a quase 500 me-
tros de altitude, encantou os Rogosky e selou a
compra, em 1972.
No início, em razão do trabalho de Wolf, as
visitas eram esporádicas. O casal viveu em Nova
York, Paris e Berlim. Wolf, amante de vinhos,
sempre quis plantar vinhedos nas encostas rocho-
sas do terreno. Mas não obteve a permissão ne-
cessária das autoridades, até que o frio inverno de
1985/1986 se encarregou de matar as centenárias
oliveiras da propriedade. Vencidos os trâmites bu-
rocráticos, conseguiu, finalmente, a autorização.
Faltava apenas decidir que casta ou castas plantar
na área liberada. De imediato, ele descartou a op-
ção mais óbvia, ou seja, a Sangiovese, matriz dos
grandes tintos toscanos, a começar pelo Chianti.
Na sua avaliação, outras propriedades da região
tinham condições mais favoráveis para cultivá-la
do que Il Carnasciale. Assim, decidiu consultar
um especialista. E aqui entra em cena mais um
personagem importante nessa história: o enólogo
Vittorio Fiore, que fazia alguns dos vinhos de que
Wolf e Bettina mais gostavam. Fiore conhecia
Bordini e colocou Rogosky em contato com ele,
sugerindo que tentassem a tal variedade desco-
nhecida. Bingo!
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