16 • Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019
POLÍTICA
Jornalista. Escreve à segunda
[email protected]
Era uma vez um político que não
tinha jeito para falar às massas.
Desse político não reza a história.
Saber falar em público, ter boa
presença, projectar bem a voz e
explicar as ideias com clareza faz
parte dos atributos que os líderes
dos partidos e dos governos têm
de ter, juntamente com a ambição.
Os que não nasceram com essas
características sabem que têm de
trabalhar para elas.
Marcelo Rebelo de Sousa é um
comunicador nato que, além disso,
beneficiou de um treino televisivo
intenso durante 15 anos. Já a
Cavaco Silva foi-lhe diagnosticada
“queixada saliente, dentes
desencontrados, língua pouco
trabalhada”, o que dificultava a
arte discursiva, mas teve aulas de
dicção e de silabação com a actriz
Glória de Matos (autora do
diagnóstico referido) e conseguiu
melhorar o seu desempenho.
O media training existe e não é de
agora. Aliás, notou-se bem nos
debates da última semana que os
nossos políticos se estão a
profissionalizar na arte da
entrevista e do frente-a-frente. São
cada vez menos as respostas
irreflectidas.
É possível que Catarina Martins
não quisesse dizer que a
evaporação das águas das
barragens é um problema
complicado e talvez André Silva
tivesse preferido identificar, à
primeira, o maior erro político de
António Costa, mas regra geral, os
líderes partidários mostram-se
bem treinados. Os estilos ficam
mais parecidos entre si — o que não
é necessariamente uma vantagem
—, há poucas novidades e frases
repetidas, à vírgula, de umas
intervenções para outras.
Exemplos?
António Costa (PS): “Não vale a
pena estragar uma boa amizade
com um mau casamento”.
Rui Rio (PSD): “Atingimos a carga
fiscal mais alta da história do país”.
Catarina Martins (Bloco): “A
maioria absoluta é uma má ideia”.
Assunção Cristas (CDS):
“Queremos 116 deputados no
centro-direita em Portugal”.
Jerónimo de Sousa (CDU):
“Portugal mudou para melhor com
a decisiva intervenção do PCP”.
André Silva (PAN): “O PAN não é
de esquerda nem de direita”.
De entre todos estes líderes, é
normalmente Rui Rio quem
surpreende com as frases mais
inesperadas e as reacções mais
genuínas. “Não tenho particular
entusiasmo em ser deputado”,
disse este fim-de-semana à agência
Lusa. Catarina Martins também
nos brindou com duas ideias
novas: “o Bloco quer contas certas”
e “o programa do Bloco é
social-democrata”.
Excepções à parte, os políticos
não têm conseguido (ou desejado)
levar temas novos para os debates,
o que diminui o seu nível de
atractividade. Hábeis na definição
da mensagem que querem passar,
os líderes partidários preferem
usar todas as oportunidades que
têm para fazerem chegar aos
eleitores o soundbyte escolhido.
Seja em acções de rua, debates ou
entrevistas.
Quem perde é o telespectador e
eleitor que, em vez de se sentir
esclarecido, sente-se como se
estivesse a estudar para um exame
de escolha múltipla ou para um
programa de cultura geral daqueles
que passam na televisão. Pergunta
para queijinho: Quem disse que “a
melhor prova do pudim é
comê-lo”? Opção a) António Costa;
opção b) Rui Rio, ou opção c)
Jerónimo de Sousa.
Visto Daqui
Sónia Sapage
Todos os candidatos
precisam de debates,
mas uns precisam
mais do que outros
Rui Rio: “Não tenho
particular entusiasmo
em ser deputado”
Eventual acordo com o PS
sobre reformas estruturais
terá de ser por escrito, diz
Rui Rio. Regionalização? Só
se não aumentar despesa
Legislativas 2019
Na entrevista, Rio conta que há quem chore para ser deputado
Rui Rio reconhece que a função de
deputado não o entusiasma, mas pro-
mete que vai assumir o cargo. Em
entrevista à Lusa, o presidente do
PSD diz ainda que qualquer eventual
acordo com o PS depois das eleições
legislativas deve ser por escrito.
Questionado sobre se irá cumprir
o mandato de deputado até ao fim,
Rio não se compromete. “Isso vai
depender naturalmente daquilo que
for o futuro do PSD e de eu próprio
no PSD, poderei ficar ou não ficar de
uma forma ou de outra”, afirma.
“Não tenho um particular entusias-
mo em ser deputado, não tenho. Fui
deputado dez anos numa altura em
que o Parlamento tinha um nível qua-
litativo inferior ao que tinha tido
antes, mas muito superior àquilo que
tem hoje. Se mesmo quando eu saí,
já achava que o Parlamento se estava
a degradar e não entusiasmava assim
tanto, entretanto ainda se degradou
mais, não é função que me entusias-
me completamente”, aÆrmou.
Ainda assim, Rio irá assumir o man-
dato — é número dois pelo Porto —,
mas garante que não faria o que vê
muitos fazer, no seu partido e nou-
tros, que é “até chorarem para serem
deputados”.
O líder do PSD rejeita que possa
tomar uma decisão a quente na noite
das eleições sobre o seu futuro políti-
co, se os resultados forem dentro de
“padrões de normalidade”. “Se o PSD
tivesse 10%, também não era a quen-
te, era a frio. Se tivesse 50%, também
não há decisão nenhuma a tomar,
dentro do que são os padrões de nor-
malidade, logo se vê”, aÆrmou, com
irónia.
Rio considera que as maiorias abso-
lutas não facilitam as reformas estru-
turais e defende que existem quatro
reformas para o país que devem ser
feitas por acordo alargado: sistema
político; segurança social; descentra-
lização; e justiça.
“Pelo menos, estas quatro reque-
rem maiorias alargadas que não têm
de ser necessariamente em votos,
podem ser em conforto político”,
aÆrma, explicando que são o tipo de
reformas que não podem ser inverti-
das quando o governo muda.
Questionado sobre se uma eventual
maioria absoluta pode facilitar essas
reformas, o líder do PSD responde
negativamente. “Ao contrário do que
possa parecer, para reformas estru-
turais, acho que as maiorias absolutas
não são positivas, não são facilitado-
ras de reformas estruturais alarga-
das”, elabora. Aliás, qualquer acordo
sobre reformas que possam vir a ser
feitas com um executivo do PS, ou
“seja com que partido for”, teria de
ser “por escrito”, diz Rio.
Para o líder do PSD, que nos últi-
mos tempos tem endurecido o tom
de crítica ao Governo, há ainda tempo
para inverter a tendência eleitoral,
que aponta para uma vitória folgada
do partido no poder. “Tenho cons-
ciência de que o PS vai à frente”, reco-
nhece. Com “os pés assentes na ter-
ra”, acredita que os 30 dias que faltam
até às eleições “são mais do que suÆ#
cientes para inverter [a tendência]”.
“A margem de indecisos, mas inde-
cisos sinceros, pessoas que querem
NUNO FERREIRA SANTOS
votar, mas não sabem mesmo como
[porque] do Governo não gostam,
olham para a oposição e ainda não
sentiram que se tivesse aÆrmado”.
Questionado sobre como fará para
marcar as posições entre PSD e PS
perante um eleitor do centro, que
diz ser aquele que disputa com este
último partido, Rio declara que será
com duas diferenças fundamentais:
“uma relativamente à governação
em concreto, que tem diferenças”,
embora não “gigantescas”, mas “cla-
ras”, e a outra “com a postura e com
a forma de ser”.
Regionalização, sim, mas...
Rui Rio deseja que possa haver uma
pergunta em referendo que lhe per-
mita votar “sim” à regionalização, ao
contrário de 1998. Questionado sobre
se é possível avançar já para a regio-
nalização, defende que esse passo
terá sempre de ser dado “por referen-
do”, mas não concretiza se entende
haver condições para esta consulta
na próxima legislatura.
Por outro lado, essa regionalização
— que deÆniu mais como a criação de
“autarquias grandes” do que “peque-
nos governos” — não pode signiÆcar
mais despesa pública.
“No Æm, temos de ter uma melhor
governação e menos despesa pública.
Eu não voto a favor de nenhum refe-
rendo pela descentralização se tal
implicar mais despesa pública. Não
voto, isso é sagrado”, frisa.
Anteontem, foi divulgado um estu-
do de opinião no Jornal de Notícias
no qual a maioria dos portugueses
se mostrava favorável à regionaliza-
ção. Lusa/PÚBLICO
O líder do PSD
acredita que os
30 dias que faltam
até às eleições
são suÄcientes
para “inverter”
a tendência
das sondagens
Os estilos Äcam
mais parecidos, há
poucas novidades
e frases repetidas,
à vírgula, de umas
intervenções
para outras