Público - 09.09.2019

(Ron) #1

44 • Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019


DESPORTO


Charles Leclerc, o piloto que


corre em nome do padrinho


A determinação e força mental de
Charles Leclerc revelaram-se plena-
mente no Ænal de Junho de 2017.
Competia na Fórmula 2. No Grande
Prémio (GP) do Azerbeijão, o jovem,
então com 19 anos, tinha perdido o
pai há três dias, mas insistiu em pilo-
tar no circuito urbano de Bacu, onde
conquistou a pole position e venceu a
sua primeira corrida da temporada.
No pódio, exibiu um sorriso acanha-
do e triste. Ontem, no asfalto de Mon-
za, festejou sem reservas aquele que
será o seu maior sucesso até agora na
Fórmula 1 (F1). Levou a Ferrari a um
triunfo no GP Itália, terminando com
um jejum que durava desde 2010.
Nascido no Mónaco, a 16 de Outu-
bro de 1997, Leclerc tem a F1 no san-
gue. “Lembro-me de ver o GP mone-
gasco com quatro anos de idade, no
apartamento do meu melhor amigo,
na saída da primeira curva”, recordou
em 2018, no seu ano de estreia na
categoria rainha do automobilismo
de velocidade. E a sua preferência
recaiu sempre nos míticos monolu-
gares vermelhos do cavalo negro.
“Estava sempre à procura dos Ferra-
ri, para ser sincero. É um sonho de
infância”, recorda.


A tragédia


O pai, Hervé Leclerc (1963-2017), foi
piloto de Fórmula 3 nos anos de 1990,
mas o maior exemplo e fonte de ins-
piração viria do padrinho, o também
piloto de F1 Jules Biachi, que morreu
num aparatoso acidente durante o GP
do Japão de 2014. Considerado uma
das grandes esperanças da modalida-
de, Biachi tornou-se piloto de testes
da Ferrari em 2011, com 22 anos.
Dois anos depois, o jovem francês,
nascido em Nice, foi contratado pela
modesta Marussia para a época de
2013 na F1. Conquistaria os primeiros
pontos nas ruas de Monte Carlo, onde
terminou na nona posição, com
Leclerc a assistir. Especulava-se sobre
uma eventual promoção para a Fer-
rari quando um despiste no Japão o
levou a embater num tractor que esta-
va a remover um outro carro. O aci-
dente acabaria por lhe ser fatal.


Nascido no Mónaco, há 21 anos, o aÄlhado do falecido Jules Biachi está a comprovar que a Ferrari acertou


em cheio ao apostar na juventude. Duas vitórias consecutivas renderam-lhe o quarto lugar no Mundial de F1


REUTERS/MASSIMO PINCA

Leclerc, que partiu da pole position,
conseguindo suportar os ataques da
Mercedes, primeiro do líder do Mun-
dial Lewis Hamilton (terceiro) e
depois de Valtteri Bottas (segundo).
“O Charles deu um grande passo
depois do Verão e só cometeu alguns
erros durante uma corrida. A equipa
também merece elogios”, congratu-
lou-se Mattia Binotto, o novo director
da Ferrari, que deixou mais um elogio
à sua mais jovem “pérola”: “Acho que
a pressão que Charles coloca sobre si
mesmo só lhe dá um impulso”.
Há um ano, na Sauber, depois de
uma boa classiÆcação, deixou escapar
pelo intercomunicador um sentido
“fuck!”, retractando-se logo de segui-
da: “Desculpem, desculpem o pala-
vrão.” Desta vez, que se saiba, foi
mais comedido com as palavras. Pelo
menos para fora.

[email protected]

Automobilismo


Paulo Curado


GP de Itália


Próxima corrida:
GP de Singapura, a 22 de Setembro

Mundial de pilotos

Mundial de construtores

CLASSIFICAÇÕES


1.º C. Leclerc Ferrari 1h15m26,665s
2.º V. Bottas Mercedes 0,835s
3.º L. Hamilton Mercedes 35,199s
4.º D. Ricciardo Renault 45,515s
5.º N. Hulkenberg Renault 58,165s
6.º A. Albon Red Bull 59,315s
7.º S. Perez Racing Point 1m13,802s
8.º M. VerstappenRed Bull 1m14,492s
9.º A. Giovinazzi Alfa R. 1 volta
10.º L. Norris McLaren 1 volta
11.º P. Gasly Toro Rosso 1 volta
12.º L. Stroll Racing Point 1 volta
13.º S. Vettel Ferrari 1 volta
14.º G. Russell Williams 1 volta
15.º K. Räikkönen Alfa R. 1 volta
16.º R. Grosjean Haas 1 volta
17.º R. Kubica Williams 2 voltas

1.º Lewis Hamilton 284 pts
2.º Valtteri Bottas 221
3.º Max Verstappen 185

1.º Mercedes 505 pts
2.º Ferrari 351
3.º Red Bull 266

“Lembro-me do momento do aci-
dente de Jules. E pude ver nos olhos
do meu pai que alguma coisa estava
errada”, lembrou Leclerc, que com-
pletaria 17 anos poucos dias depois.
A tragédia não demorou muito a vol-
tar a bater-lhe à porta com a morte de
Hervé. “Após a morte de Jules e do
meu pai, não há uma corrida que não
pense neles. Fizeram de mim o
homem que sou hoje e também o
piloto que sou agora”, confessou.

O sonho
Transformou a dor em força, absolu-
tamente determinado em prosseguir
o legado de Biachi. “O Jules merecia
aquele lugar na Ferrari. É por isso que
quero mesmo conseguir isso. Para lhe
agradecer por tudo o que fez por
mim.” Assim foi. Os seus brilhantes
desempenhos na temporada de
estreia, em 2018, ao serviço da modes-
ta Alfa Romeo Sauber — onde con-

quistou os primeiros pontos da sua
carreira ao terminar em sexto no GP
do Azerbeijão —, levaram a Ferrari a
fazer uma aposta de risco. Ou nem
tanto, a julgar pelas referências que
trouxe consigo.
“Charles Leclerc foi um dos melho-
res talentos com quem já trabalhei e,
provavelmente, um dos melhores
novatos das últimas duas décadas”,
garantia no ano passado Beat Zehn-
der, director desportivo da Sauber,
uma equipa que já “criou” enormes
estrelas da modalidade como Michael
Schumacher, Sebastian Vettel ou Kimi
Raikkonen, que foi substituído pelo
monegasco na marca italiana.
Após um começo mais ou menos
discreto nas seis primeiras corridas,
com quatro quintos lugares, um ter-
ceiro (no GP Bahrein, onde selou o
primeiro pódio) e uma desilusão no
“seu” GP do Mónaco, que não termi-
nou, Leclerc começou a surpreender

os adversários. Em particular, o tetra-
campeão Sebastian Vettel, seu com-
panheiro de equipa.

A glória
Nas quatro corridas seguintes esteve
sempre no pódio, com três terceiros
lugares e um segundo (GP da Áustria),
antes de mais uma desistência na pro-
va da Alemanha. Voltou com um
quarto lugar, a que se seguiram duas
vitórias consecutivas nas últimas cor-
ridas. Em Itália, ontem, ultrapassou
Vettel na classiÆcação geral, subindo
ao quarto lugar do Mundial, a curta
distância do holandês Max Vers-
tappen da Red Bull.
“Vencer aqui [Monza] é um sonho”,
confessou o monegasco no Ænal,
perante o eufórico público da casa,
que não festejava um triunfo da Fer-
rari desde o primeiro lugar alcançado
por Fernando Alonso, em 2010. “Uma
corrida muito difícil”, segundo

Charles Leclerc com a equipa Ferrari após o seu triunfo no GP de Itália, no circuito de Monza
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