Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019 • 23

RUI GAUDÊNCIO

O Banco de Portugal “irá apresentar
recurso”, à decisão ontem conhecida
do Tribunal da Concorrência em
anular multas no valor de 1,25
milhões de euros a Tomás Correia e
de 2,5 milhões de euros à Caixa Eco-
nómica Montepio Geral (Banco
Montepio). E relembra que o tribunal
de Santarém não absolveu “os argui-
dos das infracções que lhe foram
imputadas”.
O Tribunal da Concorrência, Regu-
lação e Supervisão declarou e ontem
nula a nota de ilicitude emitida pelo
Banco de Portugal (BdP) condenan-
do o Montepio e oito antigos admi-
nistradores ao pagamento de coimas
no valor total de 4,8 milhões de
euros, avançou durante a manhã de
ontem a agência Lusa.
No despacho proferido na sessão
em que se deveria iniciar o julgamen-
to do recurso apresentado pelos
arguidos, o juiz Sérgio Sousa consi-
derou que foi violado o direito à defe-
sa na fase administrativa, determi-
nando a anulação da acusação e das
notiÆcações emitidas e a devolução
do processo ao BdP, para que este
proÆra “nova decisão isenta dos
vícios que decretaram a nulidade”,
cita a agência noticiosa.
Em causa está o facto de os ele-
mentos de prova terem sido apresen-
tados em 330 anexos, não identiÆ#
cando o BdP a acusação “facto a
facto”, o que levou o Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervi-
são (TCRS) a concluir que os argui-
dos deveriam ter tido acesso a um
processo “pelo menos organizado”,
para identiÆcarem os elementos pro-
batórios e exercerem cabalmente a
sua defesa.
Neste processo, a Caixa Económi-
ca Montepio Geral, Caixa Económica
Bancária, SA tinha sido multada em
2,5 milhões de euros, o seu antigo
presidente Tomás Correia em 1,25
milhões de euros e outros sete ex-
administradores com multas entre
17,5 mil e 400 mil euros.
Na decisão recorrida, o BdP apon-
tava várias ilegalidades, como viola-
ções das regras de controlo interno
e incumprimento nos deveres de

Banco de Portugal recorre da


anulação de multa ao Montepio


implementação de controlo interno,
referentes à concessão de crédito.

Alertas do regulador
Em reacção, e em comunicado emi-
tido no site do regulador, o Banco de
Portugal fez saber também ontem
que “irá apresentar recurso” da deci-
são. “Por decisão proferida hoje
[ontem]” no processo de contra-or-
denação n.º 127/19.5YUSTR, “que
tem como arguidos a Caixa Econó-
mica Montepio Geral e alguns dos
seus antigos administradores”,
começa a entidade reguladora o seu
comunicado, “o TCRS anulou a acu-
sação proferida pelo Banco de Por-
tugal na fase administrativa do refe-
rido processo, com fundamento em
questão de natureza processual,
relacionada com a suÆciência do
modo como, durante a fase adminis-
trativa do processo, foi assegurado
aos arguidos o exercício do direito
de defesa”. Mas o BdP salvaguarda
que o Tribunal “não se pronunciou
sobre a substância das infracções
pelas quais o BdP havia condenado
os arguidos”. Não tendo, portanto,
continua o Banco de Portugal, “de
modo nenhum, emitido qualquer
juízo a esse respeito, designadamen-
te no sentido de absolver os arguidos
das infracções que lhe foram impu-
tadas”. PÚBLICO com Lusa

BdP, liderado por Carlos Costa
impôs multa de 2,5 milhões

sentados 43 recursos pelos bancos,
dos quais, segundo a AdC, só cinco
conheceram decisões favoráveis.
De acordo com o que foi noticiado
pelo Diário Económico (hoje extin-
to), o delator foi o Barclays. Com
isso, o banco de origem britânica
conseguiu garantir a dispensa de
pagar a sua parte da coima. Houve
ainda um segundo banco que obte-
ve um corte de 50% na coima após
apresentar provas adicionais.
Também segundo o antigo Diário
Económico, este segundo banco a
apresentar um pedido de clemência
foi o Montepio. Neste último caso,
a instituição Ænanceira comprome-
te-se a não apresentar recurso da
decisão na justiça. Quantos aos
outros bancos, podem recorrer para
o Tribunal da Concorrência, em
Santarém.


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PERGUNTAS E RESPOSTAS


Qual foi a infracção cometida
pelos bancos?
Entre 2002 e 2013, cada
instituição financeira forneceu
aos concorrentes dados sobre
as suas ofertas comerciais,
como “os spreads a aplicar num
futuro próximo no crédito à
habitação ou os valores do
crédito concedido no mês
anterior”. Ou seja, de acordo
com a AdC, os bancos sabiam
sempre qual era a política
seguida pelos seus rivais o que
eliminava a pressão
concorrencial e os
desincentivavade fazer
propostas muito mais
competitivas para captar
clientes.
Que efeitos teve esta prática
no mercado?
Segundo a AdC, a partir de
2008, enquanto a taxa Euribor
registou uma descida abrupta,
os spreads aplicados pelas
instituições financeiras a novas
operações de crédito registaram
uma subida acentuada. Foi a
acção dos bancos que permitiu
atenuar o efeito da redução da
Euribor, que poderia ter sido
mais benéfica para os
consumidores.
Porque é que foram
inicialmente acusados
15 bancos e só foram
condenados 14?
Porque as ilegalidades
cometidas pelo Abanca
prescreveram. A AdC diz que
este “cessou a prática anos
antes dos restantes bancos” e
que assim ficou impedida de
puni-lo.
Porque é que uma acusação
feita em 2015 só resultou em
condenação em 2019?
Os bancos foram apresentando
vários recursos em tribunal, que
tiveram o efeito prático de fazer
empancar o processo por
diversas vezes. Agora, os bancos
podem recorrer da decisão final
para o Tribunal da Concorrência
de Santarém.
Como foi fixado o valor das
coimas?
A coima é aplicada em função

do volume de negócios de cada
instituição e dos segmentos de
negócio em causa (crédito ao
consumo, a empresas e à
habitação). A coima individual
mais elevada foi de 80 milhões,
equivalente a 35% do valor
global de 225 milhões.
Quando se iniciou este
processo?
As acusações foram feitas em
2015, mas o processo
contra-ordenacional teve início
em Dezembro de 2012, depois
da denúncia de um dos
participantes, que aderiu ao
regime de clemência,
apresentando provas da prática
irregular e livrando-se, assim, do
pagamento da coima. Segundo
o noticiado pelo extinto Diário
Económico, o banco delator foi
o Barclays. Mais tarde, um
segundo banco aderiu ao
regime de clemência, obtendo
um perdão de 50% da coima
que lhe foi aplicada. Esse banco
terá sido o Montepio.
Quem se responsabiliza pelo
pagamento da coima do BES?
Não será o Novo Banco, mas sim
o BES. De acordo com a medida
de resolução aplicada ao BES
em 2014, as responsabilidades
ou contigências decorrentes de
fraudes ou violação de
disposições regulatórias não
transitaram para o “banco bom”.
Se o BPN já não existe, quem
paga a coima?
Neste caso será o BIC, a
entidade que o comprou. Caso
diferente é o do Barclays, que foi
comprado pelo Bankinter. Este
banco continua a existir, embora
sem operar em Portugal. Em
todo o caso, considerando que o
Barclays foi o delator, sem o qual
a AdC não teria conseguido
avançar com o processo, estará
isento de pagar qualquer coima.
O Santander vai acumular a
coima com a do Banco
Popular?
Sim. Já no caso do Banif, que
também foi absorvido pelo
Santander, a coima que lhe cabe
ficou fora das suas
responsabilidades.

[O Tribunal] não se


pronunciou sobre a
substância das infracções

pelas quais o BdP havia


condenado os arguidos
Banco de Portugal
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