Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019 • 27

MUNDO


Rússia
João Ruela Ribeiro

Depois de semanas de
protestos, oposição apelou
ao voto nos candidatos
mais bem colocados para
derrotar nomes do Kremlin

[email protected]

Os candidatos próximos do Kremlin
sofreram um forte revés nas eleições
municipais de domingo em Mosco-
vo, que foram antecedidas por sema-
nas de manifestações convocadas
pela oposição. Os resultados prelimi-
nares apontam para uma perda de
um terço dos lugares na assembleia
municipal (Duma) da capital que era
detido por candidatos apoiados pelo
Rússia Unida, o partido no poder.
Apesar de manter a maioria, a ban-
cada pró-Governo passou de 38
deputados para apenas 26, num total
de 45 lugares.
As eleições para a Duma de Mosco-
vo, um órgão pouco inÇuente, decor-
reram depois de um Verão marcado
por uma forte contestação nas ruas
da capital russa. Os primeiros protes-
tos, em Julho, foram convocados
depois de grande parte dos candida-
tos apresentados por movimentos da
oposição ao Governo do Presidente
Vladimir Putin ter sido excluída pelas
autoridades eleitorais.
A onda de protesto culminou com
uma manifestação, a 10 de Agosto,
que reuniu perto de 50 mil pessoas,
um número pouco habitual em inicia-
tivas de contestação ao Kremlin.
Os resultados indicam que a estra-

Candidatos pró-Putin


perdem um terço


dos votos em Moscovo


tégia de Alexei Navalni, um dos líde-
res da oposição, deu frutos. Navalni
encorajou os eleitores críticos do
Governo a votar nos candidatos com
maior probabilidade de derrotar os
nomes apoiados pelo Rússia Unida.
O Partido Comunista foi o mais
beneÆciado com a queda dos candi-
datos pró-Governo, passando de cin-
co deputados para 13, segundo a Reu-
ters. O Rússia Justa, que tal como os
comunistas faz parte da chamada
“oposição sistémica”, elegeu três
deputados. Os quatro candidatos do
Iabloko, na oposição liberal, também
conseguiram ser eleitos.
Em termos práticos, pouco deverá
alterar-se no governo de Moscovo,
uma vez que grande parte do poder
permanece nas mãos do presidente
da câmara, Serguei Sobianin, e a
maioria na Duma continua favorável
ao Kremlin. Porém, o revés sofrido
pelos candidatos próximos do Rússia
Unida mostra que o descontenta-
mento social com o Governo e com
a classe política está a aprofundar-se
e pode ser uma dor de cabeça para
Putin, que se aproxima do limite
constitucional de mandatos. O parti-
do está com uma taxa de impopula-
ridade historicamente alta e prova
disso é que os seus candidatos se
apresentaram às eleições, que decor-
reram noutras regiões do país, como
independentes.
A própria popularidade de Putin,
que está nos 67%, segundo o Centro
Levada, está longe do registo estra-
tosférico de outros tempos, em que
superava os 80%.

A popularidade de Vladimir Putin está a cair

SPUTNIK/ALEXEI NIKOLSKY/KREMLIN/REUTERS

Bercow anuncia saída,


Westminster fecha portas


e o “Brexit” complica-se


Presidente da Câmara dos


Comuns abandona cargo


até 31 de Outubro.


Suspensão do Parlamento


começa hoje e dura um mês


Reino Unido


António Saraiva Lima


[email protected]

Eurocépticos acusaram Bercow de ser parcial no debate do “Brexit”

Quando Theresa May anunciou elei-
ções antecipadas em 2017, John Ber-
cow prometeu à família que seria a
sua última sessão legislativa como
speaker (presidente) da Câmara dos
Comuns. Ontem, dez anos depois de
assumir o cargo de mandante dos
trabalhos da câmara baixa do Parla-
mento britânico, e horas antes de os
deputados iniciarem nova maratona
para decidir a convocação de elei-
ções, entendeu ser a altura certa
para apresentar o calendário para o
cumprimento dessa promessa.
Assim, em caso de aprovação da
moção do Governo para a antecipa-
ção das legislativas para 15 de Outu-
bro — prevista para o Ænal da noite
de ontem ou início da madrugada de
hoje —, Bercow abandona imediata-
mente o posto que ocupa desde



  1. Mas se a moção for chumbada,
    o speaker mantém-se no cargo até 31
    de Outubro.
    Na hora da despedida, o homem
    que foi levado pelo carrossel do “Bre-
    xit” a lidar com desaÆos institucio-
    nais nunca vistos, através de inter-
    pretações originais das regras e tra-
    dições do velhinho sistema
    constitucional britânico, assegurou
    não se arrepender de nada.
    “Procurei reforçar a autoridade do
    poder legislativo, posição pela qual
    nunca pedirei desculpas a ninguém,
    em lado nenhum e em nenhum
    momento”, aÆançou o conservador
    Bercow, numa clara resposta àqueles
    que, principalmente dentro da ala
    eurocéptica do seu partido, o acusa-
    ram de ser parcial na deÆnição da
    agenda, por ter defendido a perma-
    nência do Reino Unido na União
    Europeia no referendo de 2016.
    O anúncio-surpresa de Bercow foi,
    no entanto, apenas um dos vários
    momentos altos da sessão plenária
    de ontem, a última da sessão legisla-
    tiva. A suspensão do Parlamento foi
    encarada por Boris Johnson como
    solução para retirar o Reino Unido
    da UE no dia 31 de Outubro, mas
    entre o seu anúncio, no Ænal de Agos-


to, e a sua concretização, a partir de
hoje, Westminster foi palco de rebe-
liões indesejadas, alianças inéditas e
votações dramáticas, que contribuí-
ram para bloquear ainda mais um
processo já de si atolado.
Entendida pela oposição como
uma jogada para tirar tempo de tra-
balho aos que querem evitar uma
saída da UE sem acordo, a suspensão
oÆcial do Parlamento só será levan-
tada a 14 de Outubro. Até lá, Johnson
terá de tomar decisões.
Com a entrada em vigor, também
ontem, da legislação que obriga o
Governo a pedir novo adiamento do
divórcio — até 31 de Janeiro de 2020
— se não chegar a um novo acordo de
saída com Bruxelas ou se o Parla-
mento não der luz verde a um no-
deal, o primeiro-ministro terá de
puxar pela criatividade legal e buro-
crática da seu equipa, se quiser cum-
prir o que tem prometido: resolver
o “Brexit” ou “morrer” a tentá-lo.
A estratégia assumida para contor-
nar os obstáculos passava por elei-
ções. Dessa forma, e fazendo Ægas
pelo acerto das sondagens, Johnson

SIMON DAWSON/REUTERS

apostaria tudo numa vitória contra
Jeremy Corbyn e na formação de
uma maioria parlamentar.
À hora do fecho desta edição,
porém, tudo apontava para novo
chumbo à moção do Governo para
convocar eleições. Para ser bem-su-
cedido, Johnson necessitava do
apoio de dois terços dos deputados.
Mas a oposição à proposta tory anun-
ciada por Partido Trabalhista, Libe-
rais-Democratas, Partido Verde,
Grupo Independente e Plaid Cymru,
diÆcilmente fazia antever outro cená-
rio que o da derrota do Partido Con-
servador.
Sem a possibilidade de ir às urnas
antes de 31 de Outubro e obrigado,
por lei, a pedir um terceiro adiamen-
to, sobram poucas alternativas a
Johnson. Ignorar a legislação é uma
possibilidade, colocando a decisão
nos tribunais. Mas uma derrota seria
imprevisível. De Bruxelas dependem
outras duas hipóteses: enviar a carta
necessária para formalizar o pedido
de adiamento do “Brexit” e anexar
uma segunda, a pedir aos 27 que
ignorem a primeira; ou pedir a um
dos Estados-membros que vete novo
adiamento da saída.
Há ainda a hipótese de deixar que
seja Corbyn a pedir o adiamento, na
pele de primeiro-ministro. Mas este
cenário dependeria de uma inédita
moção de censura convocada pelo
Governo, a si próprio, da capacidade
da oposição para se organizar para
evitar o no-deal e da conÆança na
palavra de Corbyn, que promete elei-
ções a seguir a 31 de Outubro.

Parlamento


britânico só volta a


retomar os


trabalhos no dia 14
de Outubro. Até lá,

esperam-se


novidades em


Downing Street

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