Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019 • 35

CULTURA


Inquérito permanente vai


ditar a ambição do Arquivo


Nacional do Som


Equipa coordenada por
Pedro Félix deu a conhecer
o programa de acção deste
órgão, que ainda não tem
sede nem orçamento

Património
Nuno Pacheco

[email protected]

O primeiro comunicado MFA será um dos sons a preservar

Seis meses depois de criada, a equipa
responsável pela instalação do Arqui-
vo Nacional do Som apresentou o seu
programa e anunciou o lançamento
de um inquérito nacional permanen-
te, que vai permitir avaliar a dimen-
são e os custos futuros do projecto. O
anúncio foi feito ontem à imprensa,
no foyer do Teatro Nacional de São
Carlos, em Lisboa, pelo coordenador
da comissão, Pedro Félix, na presen-
ça dos ministros que tutelam a inicia-
tiva: Graça Fonseca (Cultura) e
Manuel Heitor (Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior).
“Muitos são os sons, uns reconhe-
cidos como património central à
identidade de um país ou de uma
comunidade, todos fontes históricas
e científicas. De todos eles tratará o
Arquivo Nacional do Som”, diz-se no
programa, já acessível online. Com
que objectivo? “Assegurar a preserva-
ção desses eventos acústicos, grava-
dos num qualquer suporte, e dispo-
nibilizá-los a todos.” Dito assim, pare-
ce uma impossibilidade técnica ou
um desejo utópico. Mas noutro ponto
esclarece-se que se trata de “garantir
o futuro dos conteúdos áudio, peças
fundamentais do património comum,
essenciais para a produção de conhe-
cimento e marcos históricos cuja pre-
servação é um dever de todos”.
Na apresentação pública, Pedro
Félix (antropólogo e coordenador da
comissão que conta ainda com Sílvia
Sequeira, licenciada em Ciências
Musicais, e Miguel Lourenço, licen-
ciado em Conservação e Restauro)
admitiu que, “virtualmente, ao Arqui-
vo do Som cumprirá acolher tudo” e
que, “à partida, não há critérios a
montante que não sejam técnicos e
exequíveis para o funcionamento da
estrutura”. Porém, esclareceu, “o
trabalho de incorporação estará con-
dicionado por elementos técnicos e
também por decisões apoiadas por
um conjunto de curadores, especia-
listas em determinadas áreas”.
Ou seja, há “quase um algoritmo de
ponderações” a Æltrar o que será

incluído. Exemplos de sons a preser-
var ali apresentados: a leitura do pri-
meiro comunicado do Movimento
das Forças Armadas no 25 de Abril de
1974, um excerto de uma peça de tea-
tro de revista (Uma Lição de Gramofo-
ne) ou o som de pássaros misturado
com o ruído do aeroporto, captados
no bairro de Alvalade.
O Arquivo Nacional do Som vai jun-
tar-se às “mais de 400 instituições
espalhadas pelo mundo com a missão
de preservar o património sonoro,
calculado muito genericamente em
mais de 75 milhões de fonogramas
nos mais diferentes suportes”, diz-se
no programa. A ministra Graça Fon-
seca também sublinhou este número,
dizendo que “nesta matéria estamos
alguns anos atrás do que devíamos
estar”. Mas disse também que este
atraso acaba por ter “uma mais-va-
lia”: o “estado da arte” da evolução
tecnológica. O ministro Manuel Hei-
tor sublinhou, por sua vez, que “mui-
to já foi feito, mas muito está por
fazer”, desejando que “estes projec-

DR

tos tenham uma ambição muito gran-
de”. E deu como exemplos o que está
a ser feito com a obra de Siza Vieira,
a arte rupestre do Vale do Côa ou a
viagem de circum-navegação.
O lançamento de “um inquérito
nacional permanente”, a curto pra-
zo, permitirá recolher informações
para, diz-se no programa, “tomar as
medidas mais adequadas e eÆcazes
por forma a proteger o património
sonoro nacional”. Mas não há ainda
sede escolhida nem ideia do montan-
te a investir. Graça Fonseca: “Esta-
mos a trabalhar com um objectivo:
que possa funcionar numa institui-
ção que já exista e onde o arquivo
sonoro possa ser uma mais-valia.”
Quanto ao investimento, ele depen-
derá da ambição, do espaço a ocu-
par, e do custo de eventuais labora-
tórios de digitalização e de restauro
do áudio ou dos suportes físicos, diz
Pedro Félix: “Quando tivermos os
resultados do inquérito e uma noção
do universo de que estamos a tratar,
aí teremos mais informação para
uma decisão ponderada relativa-
mente à estrutura que tratará do
arquivo do som.”
Criada por resolução do Conselho
de Ministros a 7 de Fevereiro, a comis-
são entrou em funções a 1 de Março,
tendo-se-lhe juntado a 26 de Julho um
conselho consultivo (não remunera-
do) composto por Salwa Castelo-
Branco (etnomusicóloga), Paulo Fer-
reira de Castro (musicólogo), Sara
Pereira (directora do Museu do Fado),
Eduardo Leite (Arquivo da RTP) e
António Tilly (etnomusicólogo).

Virtualmente, ao


Arquivo Nacional
do Som cumprirá

acolher tudo
Pedro Félix
Coordenador da comissão
instaladora do Arquivo Nacional
do Som

O Supremo Tribunal Federal do Bra-
sil (STF) proibiu, no domingo, a
apreensão da banda desenhada Vin-
gadores, a Cruzada das Crianças, da
Marvel, decretada dois dias antes
pelo prefeito do Rio de Janeiro. Mar-
celo Crivella alegara que era preciso
proteger os menores daquilo que
considerou um conteúdo impróprio
— o desenho de um beijo entre duas
personagens do mesmo sexo —, dan-
do ordens aos Æscais da prefeitura
para visitarem a Bienal do Livro,
onde lacraram e apreenderam os
volumes em causa, que de resto
estão à venda no Brasil desde 2016.
O Supremo decidiu dar provimen-
to ao pedido da procuradora-geral
da República, Raquel Dodge, segun-
do a qual a acção da prefeitura feriu
“frontalmente a igualdade, a liber-
dade de expressão artística e o direi-
to à informação”, discriminando
“pessoas por sua orientação sexual
e identidade de género, ao determi-
nar o uso de embalagem lacrada
somente para obras que tratem do


Supremo do


Brasil proíbe


censura de BD


com beijo gay


Banda desenhada


Maria João Mesquita


O prefeito do Rio de Janeiro


ordenara a apreensão de


Vingadores, a Cruzada das


Crianças para “proteger os


menores” da cidade


[email protected]


Breves


Cinema

Ilustração

Arte France comprou


versão televisiva


de A Herdade


Livro português


vence concurso


em Moscovo


A adaptação televisiva do
filme A Herdade, de Tiago
Guedes, foi adquirida pelo
canal Arte France, e será
transmitida por esta estação
no final de 2020, anunciou
ontem a produtora Leopardo
Filmes. O filme de Tiago
Guedes, estreado no Festival
de Veneza, deu origem a uma
série, co-produzida com a RTP,
que o canal francês adquiriu.
“Composta por três episódios,
com cerca de uma hora cada
um, esta é a primeira série de
um cineasta português a ser
comprada por aquele
prestigiado canal de televisão
e será exibida no final do ano
2020”, lê-se no comunicado
da produtora. A RTP também
vai exibir a série na mesma
altura do canal francês.

O livro Club Med, escrito por
João Pedro Mésseder,
ilustrado por Ana Biscaia e
desenhado por Joana
Monteiro, venceu o concurso
internacional de ilustração e
design de livros na Feira
Internacional do Livro de
Moscovo. Clube Med,
co-editado pelas edições
Xerefé e pela Editora dos
Tipos, “foi galardoado com um
diploma na 12.ª edição do
Concurso Internacional de
Ilustração e Design de Livros
Image of the Book, na
categoria livro de autor”, lê-se
no comunicado divulgado
ontem pela Xerefé. Trata-se de
um livro que fala sobre “o
tempo presente”, sobre o “mar
Mediterrâneo cemitério de
pessoas refugiadas” e sobre “a
Europa a devorar-se a si
mesma”.

A banda
desenhada
Vingadores, a
Cruzada das
Crianças está à
venda no Brasil
desde 2016

tema do homotransexualismo”.
O presidente do STF Dias Toèoli,
considerou que a apreensão violou,
“a um só tempo, a estrita legalidade
e o princípio da igualdade”. E subli-
nhou que o regime democrático
pressupõe o “livre trânsito de
ideias”, um direito universalmente
consagrado.
A decisão de Crivella suscitou múl-
tiplos protestos, mas também uma
excepcional aÇuência à Bienal do
Livro, que terminou no domingo
com recordes de vendas. Texto edi-
tado por Inês Nadais

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