Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1

4 • Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019


ESPAÇO PÚBLICO


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CARTAS AO DIRECTOR


Anúncios em vésperas
de eleições

Apesar de estar publicada
legislação que proíbe, ou pelo
menos limita, aos governantes
quaisquer iniciativas onde se
anunciem decisões ou medidas de
declarado conteúdo eleitoralista, é
certo e sabido que, com o
aproximar do dia em que os
portugueses vão às urnas
depositar as suas opções
político-partidárias, os titulares
das diversas pastas ministeriais
não resistem à oportunidade e aí
vão eles procurar tribuna onde o
eco dos seus anúncios possa
chegar claro e mais longe.
É o caso da ministra da Saúde e
sua secretária de Estado, que há
bem poucos dias vieram ao Porto
repetir mais uma vez o inesgotável
assunto da humanização dos
hospitais.
Sendo certo que se trata duma

competência prioritária das
administrações hospitalares com
a qual todos devemos colaborar,
não nos parece correcto e muito
menos transparente vir agora a
escassos 30 dias das eleições
alardear o assunto quando
milhares de portugueses esperam
resignados uma cirurgia
reparadora, outros tantos não
tem ainda médico de família e 15
mil transmontanos aguardam
silenciosos e tristes desde ha
décadas a chegada dum
especialista que os ampare na luta
contra a impiedosa diabetes!
Tratando-se duma prática
pouco recomendável que não
abona a favor dos governantes em
apreço , estamos certos de que a
iniciativa não cairá em saco roto
aos olhos e ouvidos dos
contribuintes e eleitores. A
democracia exige a todos mais e
melhor!
José Manuel L. Pavão, Mirandela

“Pela boca morre
o peixe”

Daniel Oliveira, no seu artigo A
escola das mães de Bragança no
Expresso de 7/9/19, critica o
programa eleitoral do CDS, pois
pretende, segundo afirma, que o
Estado deva ter autorização
parental para transmitir valores
inscritos na nossa Constituição,
tais como por exemplo igualdade
de género ou não à discriminação
por orientação sexual. Até aqui,
estou 100% de acordo, mas
contrapõe com esta espantosa
afirmação: “(...) Também não gosto
que o empreendedorismo seja um
deles, mas não me julgo com o
poder absoluto de proteger a
minha filha deste vírus capitalista”.
Sem o empreendedorismo saído
do vírus capitalista, na história
não teriam surgido homens como
Henry Ford (que fundou a Ford
Motor Company em 1903) ou

Steve Jobs (que fundou a Apple
em 1976). O primeiro surgiu
determinado a fabricar o
primeiro automóvel em série e o
segundo a fabricar o primeiro
computador pessoal da história.
Ambos tornaram a tecnologia
acessível ao comum dos mortais.
Cuba representa
economicamente a sociedade
perfeita para estes ideólogos da
extrema-esquerda, pois o tal
vírus há muito foi eliminado e o
Estado tem o controlo total sobre
as grandes empresas. Os
cidadãos tornam-se autênticos
servos do Estado omnipresente.
Cuba parou na década de 50,
pois o seu verdadeiro bloqueio
está no seu sistema polÍtico e
económico.
O seu famoso rum Santiago e
Havana Club são exportados para
140 países, excepto para os EUA.
Fernando Ribeiro, São João da
Madeira

Depois de uma escolha difícil a nível europeu,
Kristalina Georgieva prepara-se para ter um
percurso mais do que pacífico até à liderança
do Fundo Monetário Internacional. A economista
búlgara, anunciou a instituição, é a única candidata
apresentada oficialmente ao cargo de directora
executiva do FMI. E assim, apesar do
descontentamento das potências emergentes, o
domínio europeu sobre o Fundo irá manter-se
durante, pelo menos, mais cinco anos. S.A.

Para contrariar a ideia de que a regulação em
Portugal não passa de uma encenação, a
Autoridade da Concorrência aplicou coimas
de 225 milhões de euros a 14 bancos, suspeitos de
partilharem informações sensíveis sobre créditos. O
processo dura há anos e é susceptível de recurso.
Mas, para já, a decisão da autoridade liderada por
Margarida Matos Rosa deixa no ar a sensação de que
há por cá quem se preocupe com a concorrência. E,
Margarida Matos Rosa de passagem, com o interesse nacional. M.C.

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Rui Rio e o fastio de representar a nação


“N

ão tenho um particular
entusiasmo em ser
deputado, não tenho”. Se o
autor deste estado de alma
fosse um comerciante, um

agricultor, um médico ou um


barbeiro hesitante sobre a


possibilidade de seguir uma carreira


política, ninguém se surpreenderia.


Mas, não. A frase foi proferida pelo


líder do PSD, que se candidata ao


cargo de deputado pelo círculo do


Porto. Haverá quem veja no seu teor


mais uma manifestação da


proverbial disponibilidade de Rui Rio
para dizer o que pensa. Haverá
também quem lhe aprecie a
sinceridade por admitir que nada
mais lhe interessa na política senão o
cargo de primeiro-ministro.
Registe-se a condescendência, mas
não se perca a questão essencial: Rui
Rio revelou, na sua opinião, um
desprezo deplorável pelo Parlamento
e pelo papel e condição dos
representantes eleitos pela nação.
No mundo normal da democracia, a
função dos deputados é
absolutamente crucial. São eles quem
representa a soberania popular. São
eles quem aprova, Æscaliza e
eventualmente derruba o Governo. É
no Parlamento que se discutem,
apreciam e legislam muitas das
grandes questões que afectam o país e
os portugueses. Ao exibir assim tanto

desdém por esse papel crucial no
regime democrático, Rui Rio
manifesta um juízo de escasso valor
sobre a própria democracia. E
mostra ainda uma contradição no
seu próprio percurso político: o
homem que sempre recusou
abandonar a Câmara do Porto para
manter um honroso compromisso
com os cidadãos que o elegeram
dispõe-se agora a pedir os votos dos
cidadãos para uma função que
encara sem “entusiasmo”.
Rui Rio tem razão ao diagnosticar
uma degradação contínua na
qualidade do Parlamento. “Fui
deputado dez anos numa altura em
que o Parlamento tinha um nível
qualitativo inferior ao que tinha tido
antes, mas muito superior àquilo que
tem hoje”, disse (na mesma entrevista
à Agência Lusa). Não é necessário um

grande exercício de memória ou
reÇexão para perceber que Rui Rio está
certo. O populismo do discurso contra
os políticos minou o prestígio dos
deputados. O carreirismo criou uma
nuvem de protegidos sem ligação ao
mundo real. Casos como o dos
deputados faltosos, protagonizados na
bancada do PSD, comprometem ainda
mais essa missão crucial que é a defesa
do Parlamento.
Em vez de se empenhar nessa
missão, Rui Rio acaba por deixar no ar
uma sensação de renúncia. Olhar a
Assembleia como um mero trampolim
para chegar a São Bento é passar-lhe
um atestado de decrepitude e
inutilidade. Que esse atestado venha
do principal partido da oposição, é
uma lástima para a democracia.

Manuel Carvalho


Editorial


Kristalina Georgieva

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