6 • Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019
portuguesa Æcar com este pelouro, terá de
defender a proposta da Comissão? E mesmo
que haja algumas mudanças nesta proposta,
se ela ainda for muito prejudicial a Portugal,
que dirá o Governo português de uma
proposta que tem o rosto da comissária
portuguesa? Fazer estas perguntas é
suÆciente para perceber como “receber” uma
pasta em que temos um interesse forte e
imediato pode aÆnal revelar-se um presente
envenenado.
- Diga-se ainda que a relevância deste
pelouro de fundos estruturais — se
isoladamente considerado — é menor do que
parece. O verdadeiro poder em jogo é o de
deÆnir os montantes globais, estabelecer os
diferentes pacotes em função das matérias e
determinar a distribuição por países. Ou seja,
o poder reside na deÆnição das perspectivas
Ænanceiras a 7 anos. Esse poder não cabe ao
comissário que tem este encargo. Cabe, em
sede de proposta, à
Comissão como um
todo, com grande
destaque para o seu
presidente e o
comissário do
orçamento. E cabe,
isso sim,
essencialmente, ao
Conselho Europeu e,
em muito menor
medida, ao
Parlamento europeu.
O responsável pela
pasta dos fundos
aparece
essencialmente como
o administrador e
executante do
quadro estratégico
previamente
deÆnido. Ele terá
Que “tipo” de pelouro na Comissão
pode interessar a Portugal?
1
A distribuição das pastas pelos 26
comissários é hoje anunciada pela
presidente da Comissão Europeia. No
momento em que lê estas linhas, já deve
conhecer essa distribuição; no
momento em que as escrevo, correm
apenas boatos e listas de distribuição
prováveis.
- A ideia, apregoada por António
Costa, de que ao comissário português
deve ser e será atribuída uma pasta que seja
determinante para Portugal é errada. Por um
lado, por uma razão institucional. Os
comissários não representam nem podem
representar o país de que são provenientes;
representam o interesse europeu, o interesse
geral e só a esse podem estar vinculados. Por
outro lado, e não menos importante, por uma
razão política. Se o comissário de uma certa
nacionalidade tem a seu cargo uma pasta em
que o seu país tem um interesse directo, as
suas capacidades de actuação e margem de
manobra Æcam largamente afectadas.
Enquanto comissário responsável, ele terá de
arbitrar, de conciliar, de promover consensos;
estará demasiado exposto para poder
promover alguma “agenda” nacional. - Tomemos um exemplo, por sinal, o mais
signiÆcativo. Há já vários meses, o
primeiro-ministro sinalizou que uma das
pastas preferidas por Portugal seria a pasta
dos “fundos estruturais” (actualmente,
denominada “política regional”). Portugal é
um receptor histórico de fundos europeus,
tem aqui um interesse directo e forte e, por
isso, o pelouro dos fundos seria prioritário e
estratégico. A meu ver, e já o disse
publicamente várias vezes, trata-se de uma
perspectiva basicamente errada. Na verdade,
o comissário que seja responsável pelos
fundos estruturais terá de adoptar uma
posição neutral, basicamente de arbitragem e
negociação. Não poderá puxar pela agenda
do seu país de origem; bem ao contrário.
Dado que, em matéria de fundos europeus,
temos um largo e complexo caderno
reivindicativo, não se vislumbra nem vê qual
possa ser a vantagem de Portugal ser posto no
lugar de quem tem de arbitrar, de fazer
concessões, de dar o exemplo, de esconjurar
todas as leituras de um favorecimento ou de
um conÇito de interesses. Creio que será
muito melhor Æcarmos de fora, na posição de
quem faz valer a sua visão alternativa e
apresenta as exigências correspondentes. - Acresce que, neste momento, já existe
uma proposta da Comissão para as
perspectivas Ænanceiras; proposta que, como
se sabe, em matéria de fundos, é francamente
negativa para Portugal (mas não para a Itália
ou a Espanha). Se a nova comissária
decerto um papel relevante, mas será sempre
depois das grandes decisões. É, por isso,
ilusório o poder de fogo e de magia do
“comissário dos fundos europeus”. A ideia de
que Portugal deterá o pelouro dos fundos
passa uma mensagem fácil e atractiva, muito
adequada a grandes doses de demagogia e
propaganda. Mas, em rigor, e como acaba de
se ver, trata-se de um poder bem menos
apelativo e interessante do que se pode supor
e, no caso português, por causa do nosso
envolvimento directo, eventualmente
problemático e contraproducente.
- Claro que tudo depende de saber como é
concretamente deÆnida a paleta de
competências e responsabilidades que são
assacados ao comissário luso. Importa
sublinhar que a relevância de um pelouro
A propaganda
de ter uma pasta
determinante
para Portugal
não passa de
ilusão e
demagogia
Eurodeputado (PSD). Escreve à terça-feira
[email protected]
não está, nem de perto nem de longe, ligada
às matérias que suscitam maior
empenhamento nacional. Dou sempre o
exemplo de António Vitorino, que foi
comissário da Justiça e Assuntos Internos.
Era, sem dúvida uma pasta importante, mas
que nada tinha que ver com os tais interesses
especiÆcamente portugueses. E, no entanto,
o comissário português foi relevantíssimo,
com enorme capacidade de inÇuência. Pela
importância da pasta, mas muito pela sua
competência e pelo seu desempenho. Com
esse capital e com esse prestígio, então sim,
tinha uma grande capacidade de sensibilizar
os colegas comissários, em cada um dos seus
pelouros, para a perspectiva portuguesa,
para os interesses especíÆcos de Portugal. Eis
como se demonstra que esta propaganda de
que temos de ter uma pasta determinante
para Portugal não passa de ilusão e
demagogia. Decisivo é ter um pelouro
relevante e exercê-lo de tal maneira que se
ganhe “ascendente” e “inÇuência” sobre os
pares.
- É por tudo isto que sempre defendi que a
nova comissária — capaz, experiente e com
rede europeia — terá tudo a ganhar em ter um
pelouro forte em que possa actuar com toda a
liberdade. E, olhando também para o seu
trajecto, não vejo melhor que uma pasta
ambiental ou climática, que é um tópico
absolutamente prioritário na agenda europeia
e global. Com um grande desempenho numa
área desse tipo, pode fazer mais pela Europa
(e, claro, indirectamente por Portugal) do que
com uma pasta “provincianamente” bem
vista no jardim à beira-mar plantado.
JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
Paulo Rangel
Palavra e Poder
Ursula von der Leyen.
O cumprimento do
compromisso da paridade e o
número recorde de mulheres
na Comissão Europeia
representam um enorme
avanço e um começo
auspicioso para a presidente.
Segurança rodoviária.
Outra vez: a notícia de que
dispararam as mortes por
acidente nos 30 dias
seguintes à ocorrência
mostra bem como o Governo
tem negligenciado a
segurança na estrada.
ESPAÇO PÚBLICO