Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019 • 7

ESPAÇO PÚBLICO


pobre representavam parcelas signiÆcativas
da população, hoje são sobretudo novas
classes médias urbanas. Estas camadas,
desprotegidas face às crises e a um Estado
social mais concentrado apenas no apoio aos
mais pobres de entre os pobres, pagam
impostos que Ænanciam aquela política
assistencial, que beneÆcia as grandes
empresas na manutenção dos salários
congelados. A extrema-direita tira partido
desta fratura social, que ajuda a construir o
descontentamento.
A recente pressão da imigração do Norte
de África e do Médio Oriente torna as
sociedades europeias menos homogéneas.
Mesmo em países de imigrantes como os
Estados Unidos, as diferentes vagas de
imigração geraram resistências e conÇitos,
tratando-se sobretudo de populações de
origem católica. (...)
O fascismo foi um instrumento
desesperado para esmagar todas as formas
de organização popular autónoma e de
destruição radical das liberdades
democráticas perante a ameaça da tomada
do poder pelos trabalhadores. Neste sentido,
a solução fascista parece não estar na ordem
do dia. No entanto, se alguma vez ela se
impusesse, seria sempre como resultado de
um processo no decorrer do qual os partidos
tradicionais perderiam o controlo da
situação e acabariam por ceder espaço a
movimentos sociais radicalizados de
extrema-direita que recorreriam a métodos
de combate extraparlamentar.
A crise
institucional está a
dar lugar, nalguns
países, a regimes
bonapartistas que,
no passado, foram a
antecâmara dos
fascistas, e que hoje
podem abrir a porta
a outras formas de
autoritarismo.
Veremos se as
diferenças entre
estes dois períodos
são suÆcientemente
fortes para se
sobreporem às
semelhanças. Ou se a
esquerda impõe as
medidas que podem
esconjurar aquelas ameaças: alterações
profundas na legislação laboral,
universalidade de acesso ao Estado social,
aumento do investimento público, controlo
público da banca, energia e comunicações,
resposta à emergência climática,
reestruturação da dívida pública.

Professor de Economia e dirigente do
Bloco de Esquerda

Adelino Fortunato


A extrema-direita


ontem e hoje


O


surgimento de movimentos de
extrema-direita um pouco por
todo o mundo mostra um
fenómeno persistente nas
sociedades contemporâneas.
Apesar da diversidade, têm a
caraterística comum de incitarem
ao autoritarismo, tal como os
movimentos fascistas das décadas
de 20 e 30. Isto tem conduzido
muitos pensadores ora a falar indistintamente
em fascismo sempre que se deparam com
partidos ou líderes de pendor autoritário, ora
a afastarem a ameaça fascista nos dias de hoje
dadas as suas diferenças em relação ao século
XX. Será este o melhor método para abordar
o problema?
Alguém escreveu, a propósito da repetição
de circunstâncias históricas, que os homens
fazem a sua própria história, mas não a fazem
arbitrariamente, nas condições escolhidas
por eles, mas nas condições diretamente
herdadas do passado. A pulsão autoritária,
presente em franjas da sociedade, pode
ganhar mais ou menos adeptos conforme as
circunstâncias são mais ou menos favoráveis,
mas não pode forjar aquelas mesmas
circunstâncias. Daqui que a verdadeira
questão possa ser quais as semelhanças e
diferenças entre as décadas de 20 e 30 e o
período que vivemos?
O que há de comum é a instabilidade e a
possibilidade de viragens bruscas na situação
económica e política. Elas resultam da
diÆculdade em sustentar o crescimento sem a
ameaça de recessões sucessivas (na sequência
da crise de 2007/9, tal como após a crise de
1929), das políticas protecionistas que
acompanham os conÇitos interimperialistas
(hoje entre Estados Unidos, China e União
Europeia), da degradação das condições de
vida dos trabalhadores, do desmembramento
de setores das classes médias e da erosão das
democracias parlamentares, que reÇete
descontentamento e favorece a ascensão da
extrema-direita.
A grande diferença reside na natureza do
período quanto à luta de classes. Hoje não há
equivalente das vagas revolucionárias da
Rússia de 1917, da Alemanha de 1918 ou de
1930, da Hungria de 1919, da Itália de 1920, da
França ou da Espanha de 1936. A queda do
Muro de Berlim consumou um reÇuxo
prolongado do movimento dos trabalhadores
e das suas organizações. E, hoje, também não
existe o desemprego maciço que se seguiu à
Grande Depressão de 1929. Ele foi substituído
pelo emprego precário e pelo congelamento
dos salários reais.
Quanto às classes médias dos atuais países
desenvolvidos, entre as duas guerras
mundiais, a população rural e o campesinato

A crise
institucional
está a dar lugar,
nalguns países,
a regimes
bonapartistas bonapartistas

que defendem que a austeridade só mudou de
lugar (transferindo-se do IRS para os impostos
indiretos), mesmo assim, essa mudança seria,
em si própria, profundamente respeitadora
da liberdade dos portugueses: uma coisa é o
cidadão ver restituídos, nos seus ordenados e
pensões, os rendimentos que lhe pertencem e
decidir onde vai gastá-los; outra coisa — como
fez o PSD e o CDS — é cortá-los e suspendê-los
por achar que os portugueses “vivem acima
das suas possibilidades”.
Ora, uma forma essencial de defender a
liberdade dos portugueses é criar condições
para que os seus salários e pensões
aumentem! As pessoas só têm liberdade se
conseguirem poupar, se o seu rendimento não
for consumido pelas necessidades básicas. Ora
o PSD e o CDS não quiseram, nem querem,
dar essa liberdade aos portugueses. O único
partido que se apresenta às eleições de
outubro com uma agenda para o crescimento
— uma agenda real, consistente, viável e
socialmente
equilibrada, que
aposta na
qualiÆcação dos
portugueses e na sua
capacidade de serem
competitivos na
sociedade e na
economia do
conhecimento— é o
PS!
Este mérito do PS é
todo ele político, no
sentido nobre da
palavra. E, portanto,
é profundamente
democrático. Ao
gerir os conÇitos
como tem gerido,
mostrando aos
diferentes atores —
professores, ANTRAM, sindicatos de
motoristas e todos os outros... — que têm de
ser sensatos, que têm de apresentar propostas
viáveis e de ouvir com atenção as propostas
dos outros, que devem preferir a cordialidade
e a inteligência às ameaças e à intimidação, o
PS está a ser, em 2019, o principal fator de
estabilidade, conÆança e qualiÆcação da
nossa democracia.

Presidente da Câmara de Valongo

José Manuel Ribeiro


António Costa é


democrata e reformista


H


á coisas que não podem passar em
claro, por mais que seja verão e
que muita gente esteja ainda em
modo praia. O ataque ao caráter
democrático do Partido Socialista
na governação da legislatura que
agora Ænda — protagonizado no
PÚBLICO por António Barreto e
Paulo Rangel — é injusto nos
pretextos, inconsistente nos
argumentos e insidioso nos propósitos: o seu
único objetivo é prejudicar o resultado
eleitoral do PS.
António Costa tem certamente defeitos,
mas é um democrata, um reformista e um
defensor da liberdade. A sua atuação como
primeiro-ministro criou na democracia
portuguesa um dos períodos políticos que
mais consensos produziu. Não falo apenas na
frente parlamentar, em que o Bloco de
Esquerda e o PCP experimentaram, pela
primeira vez, as exigências democráticas da
governação. Falo também na notória
diminuição da conÇitualidade laboral e social,
a qual foi substituída por uma crescente
cultura de diálogo e de compromisso, que já
tanta falta fazia a um regime que entrou na
sua quarta década de vida. O mérito do PS —
e, em particular, de António Costa — neste
novo espírito de diálogo e de compromisso é
objetivo e indiscutível.
Ouvir Paulo Rangel clamar por “uma
agenda para a liberdade e a prosperidade” é,
por isso, um insulto à inteligência. Quer do
ponto de vista das liberdades individuais e da
real autonomia de cada cidadão, quer do
ponto de vista da efetiva soberania do Estado,
este Governo do PS fez mais por Portugal do
que qualquer governo anterior. E fê-lo sem
qualquer reparo de inconstitucionalidade nos
orçamentos de Estado da sua
responsabilidade, ao contrário do PSD e CDS!
Portugal ganhou uma credibilidade
internacional que lhe permite hoje ter uma
liberdade para implementar políticas
nacionais que antes não possuía. É possível
comparar o prestígio de Vítor Gaspar ou de
Maria Luís Albuquerque com o prestígio — e a
real liberdade de governar no interesse dos
portugueses — de que Mário Centeno hoje
dispõe? Quem é que fez mais para uma
“agenda da prosperidade” em Portugal?
Passos Coelho ou António Costa? Vale a pena
falar em Rui Rio...?
É no entanto na dignidade dos cidadãos, na
sua real autonomia, na defesa da sua essencial
liberdade individual, que mais se nota o
impulso reformista e democrata da
governação do PS. É evidente para todos que
se iniciou em Portugal um ciclo de
crescimento económico e de progresso social.
Mas, mesmo que houvesse alguma razão nos

Ouvir Rangel
clamar por uma
“agenda para a
liberdade” é um
insulto à
inteligência
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