Público - 10.09.2019

(C. Jardin) #1

8 • Público • Terça-feira, 10 de Setembro de 2019


POLÍTICA


Criar conteúdos falsos para inÇuen-
ciar a esfera social não é novidade,
mas estarão as contas falsas e bots
(programas de computador que simu-
lam comportamentos humanos nas
redes sociais) a invadir a política por-
tuguesa? As opiniões de especialistas
e de elementos dos partidos dividem-
se, mas há avisos transversais: o preço
a pagar pela manipulação da opinião
pública pode custar a credibilidade
da classe política.
Um dos exemplos mais recentes
inspira-se no barómetro da entrevista
Tenho Uma Pergunta Para Si, desaÆo
lançado pela TVI e no qual, através
das hashtags (palavra-chave que per-
mite agrupar mensagens sobre um
tema com o símbolo #) #Bem e #Mal,
os utilizadores das redes sociais
podiam avaliar a prestação dos líde-
res partidários candidatos às legisla-
tivas de 6 de Outubro.
Assunção Cristas (CDS), André Silva
(PAN) e Rui Rio (PSD) superaram a
prova com avaliação positiva. Já Antó-
nio Costa (PS) e Catarina Martins (BE)
chumbaram. As reacções aos resulta-
dos não tardaram e, nas redes sociais,
vários utilizadores — incluindo depu-
tados e candidatos — assinalaram a
criação de contas falsas para inÇuen-
ciar o debate público. Os exemplos
mais óbvios são contas de Twitter
criadas nos dias das entrevistas, cujas
únicas publicações são promoções
repetidas das hashtags. Multiplicam-
-se sem seguirem ninguém e sem
seguidores. Para cada entrevista há
dezenas de exemplos.
Ao PÚBLICO, Paula Oliveira, direc-
tora editorial da Media Capital Digital
(TVI), reconhece que foram sinaliza-
das “tentativas de manipulação” dos
resultados por parte do que poderiam
ser “máquinas partidárias” ou “mili-
tâncias anónimas”. No entanto, afas-
ta que estas tenham inÇuenciado os
resultados Ænais. Para responder às
críticas que se multiplicaram nas


Em véspera de campanha eleitoral, os


trolls e bots multiplicam-se para


inÅuenciar o debate político. Os partidos


conhecem o fenómeno, mas não têm


estratégias para o controlar


redes sociais, a TVI recorreu a uma
ferramenta externa (tweetbinder.com)
que avaliou a contabilização das
hashtags, excluindo as contas criadas
para corromper resultados. “A nossa
conclusão foi que o resultado a que
tínhamos chegado estava correcto.
Podia ter sido um erro nosso — o que
seria gravíssimo —, mas não foi o
caso”, garantiu a responsável.

Dúvidas sobre a eÄcácia
Gustavo Cardoso, investigador do
ISCTE-IUL, não esconde o seu cepti-
cismo quanto à eÆcácia destas ferra-
mentas e alerta para os perigos das
contas falsas, que se multiplicam
durante as campanhas. “Todas as
ferramentas têm graus de variabilida-
de, mas não resolvem a incerteza”,
considera um dos responsáveis pelo
Barómetro de Notícias do MediaLab-
IUL e coordenador do projecto de
monitorização de propaganda e
desinformação nas redes sociais. Foi
justamente essa desconÆança gene-
ralizada que dominou as redes sociais
nos dias seguintes e que alarmou o
especialista em comunicação.
De entre todos os partidos que
foram alvo do fenómeno, apenas o BE
se posicionou abertamente contra as
tentativas de manipulação, ainda
antes de Catarina Martins ser entre-
vistada pelo canal. O PÚBLICO con-
versou com todos os partidos cujos
líderes foram à TVI ( Jerónimo de Sou-
sa recusou) e apesar de todos conde-
narem a manipulação e “jogo sujo”,
existe ainda uma reticência generali-
zada em comentar o fenómeno.
“O recurso ao trolling para inÇuen-
ciar o debate público não é novo”,
começa Tiago Ivo Cruz, responsável
pela gestão de redes sociais do BE,
que na véspera da entrevista a Cata-
rina Martins partilhou o código de
conduta nas redes criado pelo partido
em 2018. “Estávamos à espera que
mais partidos o Æzessem e nada disso
aconteceu”, critica, antes de acres-
centar que “não foi uma surpresa
total”. Para o BE, o silêncio em rela-
ção ao fenómeno “é bastante indica-

Já para o PAN “o problema coloca-
se a priori”. Se a sondagem “acontece
numa rede fechada para a qual é pre-
ciso criar conta, é de esperar que
quem quer votar ou ser ouvido crie
perÆl nessa mesma rede, caso contrá-
rio o seu voto não contará”, justiÆca.
Para o partido, “este tipo de sonda-
gens “transforma a política num jogo
de bem ou mal”. “A percepção real
ver-se-á nas urnas”, conclui.
Apesar da facilidade em criar con-
tas falsas e bots, olhando para o pano-
rama internacional, Gustavo Cardoso
afasta um cenário de alarmismo para
Portugal. “Temos um Governo que
não é replicável na Europa e um
ministro das Finanças a presidir ao
Eurogrupo. Poderia haver uma deses-
tabilização a partir de fora, mas até
agora não temos visto essa inÇuên-
cia”, assegura.
Conquistar a opinião das massas é
uma estratégia tão velha como a polí-
tica. As ferramentas de propaganda

Redes sociais


Liliana Borges


Há contas falsas na campanha


e “o preço a pagar pode ser alto”


tivo da forma como os partidos estão
nas redes sociais”.
O CDS, que não comenta o assunto
directamente, vinca que a estratégia
de comunicação do partido está
“exclusivamente focada” nas propos-
tas que tem para apresentar. Ao
PÚBLICO, o CDS diz que a comunica-
ção é feita “de forma institucional nas
suas contas oÆciais” e “de forma pró-
xima, humana e sempre relacionada
com as propostas”.
Também o PS é de poucas palavras.
“Reconhecemos que há jogo sujo nas
redes sociais. Mas o PS não entra nes-
se jogo, nem usa trolls nem perÆs
falsos”, declarou a assessoria de
imprensa socialista.
Apesar de admitir que o fenómeno
existe e dele “se faz uso e abuso em
vários países”, José Silvano, secretá-
rio-geral do PSD, insiste que “não é
discutido dentro do partido”. O PSD
diz-se “atento”, mas declara não ter
“meios especíÆcos” de combate.

Reconhecemos


que há jogo
sujo nas redes

sociais. Mas o


PS não entra


nesse jogo, nem
usa trolls nem

perÄs falsos


Assessoria
de imprensa
PS

Partidos portugueses fogem a comentar a questão dos perfis falsos nas redes sociais
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