Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019 • 19

RUI GAUDÊNCIO

O Bloco de Esquerda enviou onte-
mum requerimento com perguntas
ao Governo sobre a recusa de trata-
mentos inovadores para alguns tipos
de cancro no caso dos doentes onco-
lógicos que não são considerados em
“risco imediato de vida”. Também o
CDS considera a situação “gravíssi-
ma” e exige que o Governo assuma
responsabilidades, em vez de se res-
paldar no Infarmed.
A notícia, divulgada pelo Expresso
no sábado, foi conÆrmada pelo Infar-
med, que justiÆcou a recusa a doen-
tes em fase precoce da doença com
o facto de as terapêuticas em causa,
indicadas como capazes de actuar
na evolução de cancros da mama,
pulmão, próstata ou melanoma, ain-
da estarem “em avaliação”, adian-
tando que, para já, pode ser pedido
apenas através de autorizações de
utilização excepcionais e atribuída
a doentes com metástases.
“Vieram pôr o Infarmed de per-
meio para o responsabilizar, mas
não tiveram a coragem de contrariar
o que os oncologistas disseram”,
disse ao PÚBLICO a deputada do
CDS Isabel Galriça Neto, médica
oncologista no sector privado.
“Lamentamos que o Governo não dê
a cara — ainda para mais quando tem
um secretário de Estado que presi-
diu ao IPO —, e não venha ele pró-
prio, dada a gravidade do caso, cla-
riÆcar e assumir responsabilidades”,
acrescenta.
Já o Bloco optou por enviar, atra-
vés do seu grupo parlamentar, um
conjunto de perguntas ao Governo,
questionando quais os critérios para
os indeferimentos dos tratamentos
inovadores e que medidas serão
tomadas para averiguar os casos e
garantir que não há recusas com
base em razões que nada têm a ver
com a estrita avaliação técnica e
cientíÆca dessas terapêuticas.
“É certo que estamos a falar de
medicamentos e de terapêuticas
que ainda não tiveram autorização
de introdução em Portugal e que,

Bloco quer saber o que justifica a recusa


de tratamentos inovadores para o cancro


vida’”, questionam os bloquistas,
para quem “uma coisa é considerar-
se, do ponto de vista técnico e clíni-
co, que determinada terapêutica não
é eÆcaz para determinado caso,
outra coisa é protelar-se autorizações
de acesso baseados em ‘risco imedia-
to’ ou ‘não risco imediato’” de vida.
“Se determinada terapêutica se mos-
tra eÆcaz, deve ser disponibilizada e
não se deve protelar a sua utilização,
até porque quanto mais rápida a sua
administração, melhor será para a
sobrevida e qualidade de vida do
doente”, acrescentam.
O CDS não considerou adequado
enviar perguntas ao Governo a
menos de um mês das legislativas,
mas Isabel Galriça Neto sublinha
que o partido tem estado muito
atento às assimetrias no acesso de
doentes oncológicos, tanto a trata-
mentos como a meios de diagnósti-
co, tendo já confrontado a ministra
da Saúde com situações deste tipo.
“É grave a assimetria e falta de equi-
dade, num país tão pequeno, no
acesso aos cuidados dos doentes
oncológicos, tanto no diagnóstico
como nos tratamentos diferencia-
dos”. “Isso também é discriminação
do tratamento dos doentes oncoló-
gicos”, considera.
Já o PCP considera ainda que a lei
do medicamento tem de ser cumpri-
da e quer que os processos sejam
agilizados. Para isso, defende que o
Infarmed deve ser “dotado dos
meios necessários, sobretudo huma-
nos, para diminuir o tempo de res-
posta aos pedidos de introdução de
novos medicamentos”. “A lei prevê
já os casos excepcionais em que os
doentes podem ter acesso a medica-
mentos enquanto decorre a avalia-
ção do benefício que o seu uso siste-
mático no SNS pode trazer aos doen-
tes. O PCP considera que o
cumprimento da lei é a única forma
de proteger os direitos dos cidadãos
e as necessidades dos doentes e de
manter a sustentabilidade do SNS”,
dizem os comunistas, em resposta
enviada ao PÚBLICO”.
Partidos estão preocupados
[email protected] com recusa de fármacos [email protected]

decisão, o Infarmed admite que “pode
ser mais demorada” mas sublinha que
isso se deve a “fases de negociação
mais complexas, motivadas essencial-
mente por propostas de preço desa-
justadas/irrealistas no contexto de
sustentabilidade do SNS”.
O anterior director do programa
nacional para as Doenças Oncológi-
cas, Nuno Miranda, que integra a
CATS, considera que a Ordem dos
Médicos se queixa “com razão” da
lentidão da avaliação, mas frisa que
isto acontece “pela diÆculdade de
negociação de preços” com a indús-
tria farmacêutica. Mas sublinha que
não se deve confundir a avaliação
técnica com a económica. “Os doen-
tes Æcam a pensar que lhe está a ser


sonegado um medicamento que os
vai salvar e isso não é verdade”.
Este problema da demora da ava-
liação é recorrente, lembra a ex-pre-
sidente da Sociedade Portuguesa de
Oncologia, Gabriela Sousa. “Está
demonstrado que é muito melhor
para o país e o SNS tratar os doentes
numa fase precoce”, o que é impor-
tante é não haver recorrência, diz,
defendendo que é necessário ter
“melhores ferramentas e mais rápi-
das”. “O que indignou mais os médi-
cos que trabalham nesta área é que
estas decisões dependem muito dos
peritos que avaliam”, aÆrma. Com
Ana Maia

por serem terapêuticas novas, a sua
eÆcácia e Æabilidade em determina-
das doenças ainda não é totalmente
conhecida”, concedem os bloquis-
tas. No entanto, acrescentam que
“estas mesmas terapêuticas já foram
autorizadas noutros países, foram
avaliadas pela agência europeia e
são consideradas necessárias pelos
médicos que acompanham os doen-
tes com cancro”. E acrescentam que
algumas justiÆcações para indeferi-
mento que se tornaram públicas
“geram preocupação e exigem expli-
cação”.
Em causa estão fármacos que,
segundo o Expresso, custam ao SNS
entre dois mil a cinco mil euros por
mês por doente, com indicação
para seis meses a um ano, e que já
foram aprovados em dezenas de paí-
ses como a Alemanha, Áustria, Gré-
cia e Luxemburgo. Segundo o Infar-
med explicou ao semanário, os
medicamentos estão a ser recusados
a doentes em que não há “risco ime-
diato”, mas apenas “risco de vida”,
sendo a diferença estabelecida entre
as fases precoces da doença e os
casos onde já há metástases.
“Como se justiÆcam recusas de
acesso baseadas na distinção entre
‘risco imediato de vida’ e ‘risco de

Leonete Botelho


[O que pode estar


em causa são]
divergências entre

análises técnicas


e clínicas
Marta Temido
Ministra da Saúde

O circuito
da avaliação
e aprovação
de um
medicamento
novo
é complexo
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