Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019 • 29

MUNDO


Depois de ter sido encurralado pelo
Parlamento, a próxima jogada do
“Brexit” do primeiro-ministro britâ-
nico, Boris Johnson, vai ser feita com
a dureza implacável que caracteriza
o seu principal conselheiro, Dominic
Cummings.
Desde que Johnson chegou a
Downing Street (a sede do Governo),
a crise do “Brexit” tornou-se mais
agressiva, deixando os investidores
e os aliados baralhados por uma
míriade de decisões que os diploma-
tas comparam à desorientação que
caracteriza o Presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump.
Johnson disse ontem que não vai
pedir uma nova extensão da data de
saída do Reino Unido da União Euro-
peia (o “Brexit”), horas depois da
entrada em vigor da lei que exige um
adiamento até 2020, a não ser que o
primeiro-ministro consiga um divór-
cio com acordo. Antes, Boris Johnson
suspendera o Parlamento e exigira
uma eleição antecipada, que os depu-
tados rejeitaram por duas vezes.
Cummings, o homem que puxa os
cordelinhos do “Brexit” e a quem os
seus inimigos chamam anarquista,
Rasputin britânico ou vândalo políti-
co, estava ontem sereno perante o
turbilhão do “Brexit”.
Questionado sobre o próximo pas-
so, Dominic Cummings disse à Reu-
ters: “Vocês deviam sair de Londres
e falar com pessoas que não sejam
‘remainers’ ricos”.
E quando questionado sobre se o
Reino Unido deve sair da UE a 31 de
Outubro, este homem formado em
Oxford, de 47 anos, disse: “Claro”.
Caso exista uma estratégia sonan-
te, o próximo passo de Johnson vai
moldar o futuro da quinta maior eco-
nomia do mundo durante vários
gerações; em causa está a factura do
“Brexit”, que ambos os lados dizem
ser a decisão de maior impacte do
país desde a II Guerra Mundial.
Mas este é um xadrez com várias
dimensões: Johnson joga com o facto
de não haver uma maioria no Parla-

Com acordo ou sem acordo,


o manipulador do “Brexit”


tem mais fios para puxar


mento e com a ameaça eleitoral que
representa o Partido do Brexit, de
Nigel Farage, que aumenta se a saída
for depois de 31 de Outubro.
Johnson tem cinco escolhas: ratiÆ#
car um acordo com a UE em 50 dias;
renegar a sua promessa de deixar a
UE a 31 de Outubro, arranjar uma
forma de contornar a lei, demitir-se
e deixar que seja outro líder a pedir
o adiamento, accionar eleições.
Boris Johnson diz que consegue
um acordo de última hora na cimeira
europeia de 17 e 18 de Outubro. “Há
uma forma de conseguir um acordo,
mas vai dar muito trabalho. Temos
que estar preparados para sair sem
um acordo”, disse ontem.
Uma vez que o tempo é escasso,
qualquer acordo será uma versão
modiÆcada do Acordo de Saída nego-
ciado em Novembro com a sua ante-
cessora, Theresa May. “Ele vai tentar
um acordo modiÆcado”, disse um
apoiante do “Brexit”. “Ele vai jogar
para o conseguir”.
Cummings, que é considerado um
extremista do “Brexit” pelos seus
inimigos, era apoiante de um “Bre-
xit” com acordo, tal como o seu
patrono político, Michael Gove.
A Goldman Sachs diz que na base

do trabalho de Cummings está ter
um acordo, e dá a esta possibilidade
55%; cortou a probabilidade de um
no-deal de 25% para 20% e desceu a
probabilidade de não haver “Brexit”
30% para 25%.
“Pensamos que o primeiro-minis-
tro vai voltar a centrar-se na negocia-
ção com a União Europeia de forma
a confrontar os deputados no Ænal de
Outubro com uma escolha binária
entre um acordo ou uma eleição antes
da saída”, disse a Goldman Sachs.
Mas a falta de uma maioria parla-
mentar reduziu a vontade da UE
negociar e mesmo que Johnson con-
siga um acordo terá diÆculdade em o
ver aprovado.
“Não há maioria na Câmara dos
Comuns para nada do que Johnson
queira”, disse uma fonte da UE. “Não
temos opção a não ser tentar chegar
a um acordo com ele. Mas até agora o
Reino Unido não pôs nada sobre a
mesa que nos leve a pensar que é o
que quer”.
Há, porém, opções mais radicais.
Cummings, que foi um dos elemen-
tos da equipa que conseguiram a
vitória do “Brexit” no referendo de
2016, é considerado um estratego
implacável que liga pouco às conven-
ções britânicas.
“A pergunta é: o que é que
Cummings tem na manga?”, disse um
conselheiro do Partido Conservador.
“Ele é uma das pessoas mais espertas
com quem trabalhei. Ele está sempre
vários passos à frente, prospera no
caos e há três anos que está sentado
num bunker a pensar sobre isto. Por
isso, o que há a saber é: o que vai ele
fazer”. Reuters

Boris Johnson tem cinco
opções sobre a mesa. A
pergunta é que caminho lhe
vai apontar o implacável
Dominic Cummings

Reino Unido
Guy Faulconbridge

Brasil


Alexandre Martins


Bastonário da Ordem dos


Advogados responde ao


filho do Presidente: “Não


há como aceitar uma família


de ditadores”


[email protected]

Carlos Bolsonaro, Ælho do Presidente
brasileiro Jair Bolsonaro, está a ser
criticado por ter dito que não haverá
mudanças rápidas no país “por vias
democráticas”. Em resposta, o presi-
dente da Ordem dos Advogados do
Brasil, Felipe Santa Cruz, disse que
“não há como aceitar uma família de
ditadores”.
A polémica começou na noite de
segunda-feira, quando Carlos Bolso-
naro, vereador da cidade do Rio de
Janeiro, escreveu no Twitter o que
pensa da situação política no país: “O
governo Bolsonaro vem desfazendo
absurdos que nos meteram no limbo
e tenta nos recolocar nos eixos. O
enredo contado por grupelhos e os
motivos cada vez mais claro$ lamen-
tavelmente são rapidamente absorvi-
dos por inocentes. Os avanços igno-
rados e os malfeitores esquecidos”.
“Por vias democráticas a transfor-
mação que o Brasil quer não aconte-
cerá na velocidade que almejamos...
e se isso acontecer. Só vejo todo o dia
a roda girando em torno do próprio
eixo e os que sempre nos dominaram
continuam nos dominando de jeitos
diferentes”, queixou-se o Ælho do Pre-
sidente do Brasil.
Não foi a primeira vez que um ele-
mento da família Bolsonaro faz decla-
rações que podem ser entendidas
como ataques à democracia. Em Abril
de 2016, o então deputado federal Jair
Bolsonaro dedicou o seu voto a favor
da destituição de Dilma Rousseè “à
memória do coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra” — o comandante do
principal centro de repressão e tortu-
ra do Exército durante a ditadura
militar, período em que Rousseè este-
ve detida, entre 1970 e 1972.
Na semana passada, o Presidente
elogiou também a ditadura de Augus-
to Pinochet num ataque contra a alta-
-comissária da ONU para os direitos
humanos e antiga Presidente do Chi-
le, Michelle Bachelet.
“Michelle Bachelet, seguindo a
linha do [Emmanuel] Macron em se
intrometer nos assuntos internos e na


Carlos Bolsonaro:


“Por vias democráticas,


a transformação não


acontecerá”


soberania brasileira, investe contra o
Brasil na agenda de direitos humanos
(de bandidos), atacando nossos valo-
rosos policiais civis e militares”, disse
Jair Bolsonaro no Facebook.
“Diz ainda que o Brasil perde espa-
ço democrático, mas se esquece que
seu país só não é uma Cuba graças aos
que tiveram a coragem de dar um
basta à esquerda em 1973, entre esses
comunistas o seu pai brigadeiro à
época”, acrescentou, numa referên-
cia a Alberto Bachelet, um general da
Força Aérea que se opôs ao golpe mili-
tar de 1973 e que morreu na prisão,
em 1974, aos 50 anos. Um ano depois,
em 1975, Michelle Bachelet foi tam-
bém presa e torturada pelo regime de
Pinochet.
Uma das críticas mais duras às
declarações de Carlos Bolsonaro foi
feita pelo bastonário da Ordem dos
Advogados do Brasil, que esteve
envolvido noutra polémica com a
família Bolsonaro, em Junho. Nessa
altura, o Presidente disse que o pai de
Santa Cruz, que fazia parte de um
grupo de esquerda, foi morto por
companheiros e não pelo Exército
durante a ditadura militar, contra-
riando as conclusões da Comissão
Nacional de Verdade. O bastonário
acusou Bolsonaro de “crueldade e
falta de empatia”.
Desta vez, Santa Cruz disse que
“não há como aceitar uma família de
ditadores”. “É hora de os democratas
do Brasil darem um basta. Chega”,
disse o presidente da Ordem ao jornal
Folha de São Paulo.

Carlos Bolsonaro é vereador
no Rio de Janeiro

TOBY MELVILLE/REUTERS

Dominic Cummings, a quem os inimigos chamam vândalo político

“Ele está sempre


vários passos à


frente, prospera
no caos e há três

anos que está a


pensar sobre isto”,


diz uma fonte

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