Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1

34 • Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019


CULTURA


Com a morte de Robert Frank,


“a fotograƊa também morreu”


Entre a imensidão de adjectivos
grandiloquentes que por esta
altura se escrevem na morte
daquele que é considerado um dos
mais inÇuentes fotógrafos do
século XX, haverá poucos com que
o artista suíço-americano se
identiÆcaria. Porque também são
muitos os que lhe apontam
humildade, simplicidade e uma
postura na vida que relativizava a
fama, o sucesso e o dinheiro.
Robert Frank, autor de The
Americans (Delpire, 1958), um dos
mais importantes livros da história
da fotograÆa, morreu esta
segunda-feira em Inverness, Nova
Escócia, Canadá, onde vivia há
décadas na pequena localidade de
Mabou, com a sua mulher, June
Leaf. Tinha 94 anos e o anúncio foi
feito por Peter MacGill, da
Pace-MacGill Gallery, de Nova
Iorque, que representava o artista.
Nascido em Zurique, na Suíça, em
1924, Robert Frank chegou aos
Estados Unidos em 1947, um pouco
como um “refugiado artístico” (“A
Europa parecia simplesmente
demasiado velha”). Em Nova Iorque
conheceu o editor gráÆco Alexey
Brodovitch, que o contratou para
fazer fotograÆa de moda na revista
Harper’s Bazaar. A sua maneira de
fotografar (com Leica e Ælme de
35mm) era pouco comum para a
época nesta área. Ainda que as suas
imagens tenham tido aceitação,
Frank achou que a fotograÆa de
moda tinha demasiadas limitações e
abandonou a revista pouco depois.
Após esta experiência, Robert
Frank ainda sonhou tornar-se
fotojornalista, mas também aqui se
apercebeu que as imagens que
procurava fazer tinham de ir muito
além dessas “malditas histórias com
um começo e um Æm”, dependentes
do facto, agrilhoadas ao
acontecimento. E por isso escolheu


outra via para se expressar pela
arte, a das “verdades subjectivas”.
Das viagens que fez pelo Peru no
Ænal dos anos 1940 e depois pela
Europa (País de Gales, Valência...),
no início da década de 50, trouxe já
trabalhos híbridos entre o ensaio
documental e visões mais poéticas
do que viu e encontrou, naquilo que
seriam os ensaios para o seminal
The Americans, primeiro recusado
nos EUA e depois publicado em
França por Robert Delpire, em 1958.
“Não quero fotografar a árvore na
Primavera e no Outono. Assim, Æco
aqui sentado apenas a observar a
luz. Sabes, a fotograÆa envelhece
logo tudo”, disse Frank numa
conversa com Ute Eskildsen, por
ocasião da exposição Hold Still –
Keep Going (CCB, 2001), quando o
assunto puxou ao sentimentalismo
e ao quanto de si punha naquilo que
fazia. E o que punha era muito do
seu “interior” e muito daquela visão
contemplativa da realidade,
relativamente desprendida do
tempo e do espaço, que podia
sobreviver apenas com a procura de
um fugacho de luz.
“Em Robert Frank tudo é muito
pessoal, essa é a grande lição dele —
quanto mais pessoal, mais
universal”, disse ao PÚBLICO Paulo
Nozolino, profundo admirador da
obra do fotógrafo americano. Para
Nozolino — que se tornou amigo de
Frank depois deste o ter convidado,
em 1999, para fazer um trabalho de
câmara no último Ælme da sua vasta
obra cinematográÆca e videográÆca,
Sanyu (2005) — “Robert Frank era
feito de uma matéria que já não
existe”. E vai mais longe: “Ontem
[segunda-feira], a fotograÆa morreu.
Outras coisas haverá, mas morreu o
último grande fotógrafo. Um grande
artista, um grande homem.”
Durante uma curta conversa com o
PÚBLICO, Nozolino usou várias
vezes a palavra “generosidade” para
descrever a conduta deste fotógrafo
que, depois do sucesso de The
Americans, passou a mover-se ainda

Robert Frank 1924-2019 O autor do


seminal The Americans era considerado


um dos fotógrafos mais inÅuentes


do século XX. Deixou uma obra vasta


e marcante também no cinema


Obituário


Sérgio B. Gomes


ROBERT FRANK
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