Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019 • 35

À direita, em cima, Robert Frank
em 2007 em Paris. Em baixo,
Nova Iorque (1951-55) e
mineiros no Reino Unido; nesta
página, Detroit, em 1955

PÚBLICO, que convenceu o
fotógrafo a vir a Portugal naquele
ano para a inauguração da
exposição no Edifício das Caldeiras
do Hospital Universitário. “Quando
chegou lá, chorou. Assim que me
apresentava a alguém dizia sempre
que eu lhe tinha feito a melhor
exposição da sua vida.”
Ainda que considere The
Americans um livro importante, que
tem “toda a gente, que tem tudo”,
uma espécie de bíblia da cultura on
the road dos anos 50, Nozolino vê
justamente em The Lines of My Hand
a obra mais importante de Frank.
Porquê? “Porque é onde se percebe
que ele já não tem medo de nada,
que não tem nada a provar a
ninguém, onde ele risca e escreve
em cima dos negativos. É um
trabalho que tem uma grande carga
pessoal que o torna
verdadeiramente universal.”
Certo é que The Americans, cujas
imagens foram captadas entre 1956
e 1957, é o livro mais endeusado de
Frank. Dos mais de 28 mil negativos
que resultaram dessa imensa road
trip, seleccionou 83 fotograÆas que
mostravam pela primeira vez o lado
sombrio e decadente do “sonho
americano”, bem como as várias
faces de um país pobre, racista,
nacionalista e profundamente
dividido. Em The Americans, cujo
60.º aniversário foi celebrado no
ano passado nos Encontros de
FotograÆa de Arles na
exposição Sidelines, Frank inclui a
sua visão sensível (e sensorial) do
mundo, que tanto nos mostra o
brilho de uma jukebox, como a
solidão transmitida por uma cadeira
vazia numa barbearia fechada. A
mestria da mise en page de Frank
neste livro seminal — como noutros
da sua autoria — está numa
construção ritmada, interligada, por
vezes dissonante, outras
harmoniosas, e que inclui cortes,
reenquadramentos e outras
diatribes sobre o negativo que
tantos na época consideravam
sacrossanto. As imagens
sobreexpostas (e o seu contrário),
desfocadas e pouco reveladoras
passam a fazer parte das suas
escolhas. Alvo de muitas críticas
(Bruce Downes: “Frank é um
mentiroso, perversamente
celebrando a miséria que
perpetuamente procura e obstinado
cria”) e de elogios (menos), The [email protected]

JEAN-NOEL DE SOYE/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES
Americans é visto como uma das
materializações visuais da
geração beat, libertária, anarquista,
nómada, hedonista, inconformista e
defensora da criatividade
espontânea.
Em 1959, Robert Frank volta-se
para o cinema, assinando títulos
onde há uma aparência de
improviso e uma ausência de
narratividade que, aÆnal, não
deixam de estar relativamente
planeadas. A sua ÆlmograÆa inclui
mais de 25 obras e começou
com Pull My Daisy (1959), escrito
e narrado pelo compagnon de
route Jack Kerouac e
protagonizado por Alan Ginsberg e
por outros artistas beat, tido como
uma das sementes do Novo Cinema
Americano. Outro dos seus títulos
mais importantes no cinema
é Conversations in Vermont (1969),
documentário entrecortado com
muitas fotograÆas de família, onde
o próprio Frank se põe em cena
(um dos primeiros cineastas a
fazê-lo) para explorar as
diÆculdades de relacionamento
com os Ælhos Pablo e Andrea.
Quando regressou mais
decididamente às
imagens fotográÆcas e aos livros,
mais de uma década depois de ter
embarcado no cinema, o registo
autobiográÆco e intimista passou a
povoar quase em exclusivo a sua
obra, com intervenções ainda
maior sobre as imagens (escritos,
colagens, fotomontagens...) e
inclusão de uma estética snapshot.
Que marca deixa a obra e vida de
Robert Frank? Paulo Nozolino: “Um
grande desprezo pelo que era
institucional e correcto. Robert
Frank era tudo aquilo que não se
deve ser. Albano da Silva Pereira:
“independentemente de ter sido
amigo dele, na fotograÆa a obra do
Robert Frank é a que tem mais
carácter, mais originalidade, mais
força, com mais
contemporaneidade do século XX.
Isto em termos artísticos. Por outro
lado, era o homem mais
extraordinário que eu conheci. As
fotograÆas dele revelavam
exactamente aquilo que ele era,
generoso, um grande poeta,
ÆlosoÆcamente um homem único.
Como fotógrafo tem a obra mais
determinante do século XX.”


mais nas margens. “Quando
falávamos ao telefone, das primeiras
coisas que ele me dizia era: ‘Tens
comida no frigoríÆco?’ Isto diz tudo
sobre a pessoa que ele era.”
Albano da Silva Pereira, director
do Centro de Artes Visuais de
Coimbra e antigo director dos
Encontros de FotograÆa da mesma
cidade, sublinha o mesmo traço de
personalidade, desta vez mais
voltado para a postura que tinha
com a sua obra e como a punha nas
mãos de outros sem grandes
cerimónias. Quando assumiu a
liderança dos Encontros em 1985,
Albano começou logo a pensar
numa forma de trazer o fotógrafo
americano a Portugal, numa altura
em que as exposições de fotograÆa

ROBERT FRANK

escasseavam e os grandes nomes
internacionais eram uma miragem.
A boa notícia chegou em 1988
dentro de uma velha caixa Kodak
enrolada com várias voltas de Æta
adesiva grossa. “Quando abri
aquilo não desmaiei logo, não
morri logo ali, porque... ele
mandou-me 37 fotograÆas,
exemplares únicos, vintages, quase
todos pertencentes à exposição
The Lines of My Hand (1972),
correspondente à última fase
estética dele, com polaroids,
colagens... Isto à revelia da sua
galeria, que é uma das maiores do
mundo, num acto de risco, de
loucura e de amor — conÆou em
mim e mandou-me este portfólio”,
conta Albano da Silva Pereira ao

ROBERT FRANK
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