Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019 • 37

CULTURA


Cinema


Rodrigo Nogueira


A 23.ª edição do festival


vai assinalar os 50 anos


de Stonewall e os 20


da Marcha do Orgulho


LGBTI+ de Lisboa


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A 23.ª edição do Queer Lisboa quer
festejar os 50 anos de Stonewall, os
20 da Marcha do Orgulho LGBTI+ de
Lisboa e os 40 da secção Panorama
do Festival de Berlim. Fá-lo-á, nos
dois primeiros casos, com Ælmes
sobre o activismo e a comunidade
queer, não fugindo do preconceito
que há dentro desse universo, bem
como com 11 Ælmes que passaram na
categoria da Berlinale mais dada à
experimentação e ao universo queer.
O festival lisboeta, que decorre de 20
a 28 deste mês no Cinema São Jorge
e na Cinemateca Portuguesa, tam-
bém conta este ano, nas suas várias
secções, com uma representação
maior de pessoas intersexo, transgé-
nero e não-binárias.
Entre as novidades ontem anun-
ciadas conta-se o Ælme de encerra-
mento do festival, Skate Kitchen, de
Crystal Moselle, a responsável por
The Wolf Pack. Centrada numa ado-
lescente de Long Island que desco-
bre um colectivo de raparigas skaters
do Lower East Side, esta história
nova-iorquina Æcciona a vida do gru-
po que dá nome ao Ælme, contando
com as próprias integrantes da tru-
pe, além de Jaden Smith.
No campo das exposições, além de
um zoom aos 20 anos da Marcha do
Orgulho LGBTI+ de Lisboa, no Cinema
São Jorge, o festival também levará à
Galeria FOCO, na Praça da Alegria,
Sem Receio de Criar o Caos, mergulho
no universo do realizador Harmony
Korine, com direito a uma exibição
de Mister Lonely, o Ælme de 2007 em
que Diego Luna faz de um imitador
de Michael Jackson e Samantha Mor-
ton de imitadora de Marilyn Monroe
— Werner Herzog e Leos Carax tam-
bém aparecem. A exposição, que
tem curadoria de Thomas Mendon-
ça, é uma deixa adequada para o Æl-
me de encerramento: o próprio
Korine é skater e, além disso, escre-
veu o argumento de Kids, de Larry
Clark, no qual Crystal Moselle clara-
mente se inspirou.
A competição de longas-metragens


Queer Lisboa 2019:


skate, activismo,


Berlinale


e Harmony Korine


pauta-se pela variedade, incluindo,
entre outros, um mergulho no mun-
do pouco inclusivo do folclore geor-
giano (And Then We Danced, de
Levan Akin), outro numa comunida-
de cigana às portas de Madrid (Car-
men y Lola, de Arantxa Echevarría),
e outro ainda na conservadora Indo-
nésia (Memories of My Body, de Garin
Nugroho). Já no campo dos docu-
mentários, ver-se-ão Ælmes como
Game Girls, de Alina Skreszewska,
que segue um casal lésbico da Skid
Row de Los Angeles, um dos maiores
concentrados de sem-abrigo do mun-
do, e My War Hero Uncle, de Shaked
Goren, sobre os segredos do seu tio,
um herói de guerra israelita. Mais
aberta à experimentação, a secção
Queer Art mostrará Doozy, de
Richard Squires, sobre Paul Lynde
(1926-1982), actor de voz de desenhos
animados e sitcoms, ou Letters to Paul
Morrissey, de Armand Rovira, sobre
o realizador associado de Andy War-
hol e da Factory.
A secção Panorama exibirá “cinco
Ælmes que marcaram o cinema queer
neste último ano” — à cabeça estarão
Can You Ever Forgive Me?, de Marielle
Heller, que inexplicavelmente não
teve estreia em Portugal apesar de
nomeado para vários Óscares, e
Rafiki, versão queniana (e lésbica) de
Romeu e Julieta assinada por Wanuri
Kahiu que foi o primeiro Ælme do
Quénia a passar em Cannes e o can-
didato do seu país aos Óscares, mes-
mo tendo sido impedido de se
estrear por lá.

Harmony Korine estará em foco
com uma exposição

Depois de Bolzano, Salzburgo, Ames-
terdão, Essen, Dresden, Pordenone
e Frankfurt, a Orquestra Juvenil Gus-
tav Mahler (OJGM) terminou a sua
digressão deste Verão no passado
Æm-de-semana em Lisboa, no Gran-
de Auditório da Gulbenkian, com
dois magníÆcos concertos que con-
taram com o barítono Christian Ger-
haher como solista e com a sábia
direcção de Herbert Blomstedt, uma
personalidade extraordinária não só
pelas suas qualidades musicais e pelo
seu conhecimento profundo de esti-
los e repertórios, mas também pela
longevidade da sua carreira. Com 92
anos, o maestro sueco, nascido nos
Estados Unidos, mostrou-se em ple-
na forma, transmitindo uma invejá-
vel energia em várias interpretações
marcantes.
Visita assídua na Gulbenkian, a
orquestra fundada por Claudio Abba-
do (1933-2014) em 1986 é uma espé-
cie de montra, no melhor sentido do
termo, da excelência musical das
novas gerações, sendo composta por
instrumentistas com idades inferio-
res aos 26 anos, seleccionados anual-
mente entre mais de 2000 candida-
tos oriundos dos vários países da
Europa. A participação portuguesa
tem sido constante nos últimos anos,
tendo integrado esta digressão as
violinistas Catarina Resende e Sara
Sousa Cymbron, os violetistas Cátia
Sousa dos Santos e Francisco Vassa-
lo Lourenço, a contrabaixista Fran-
cisca de Sá Machado, o Çautista
David Lopes e Silva e os trompistas
José Teixeira e Nuno Nogueira.
O concerto de sábado iniciou-se
com o poema sinfónico Morte e
Transfiguração, op. 24, de Richard
Strauss, emblemático exemplo de
música programática, inspirada num
poema de Alexander Ritter, que
retrata as inquietações de um artista
moribundo e a sua subsequente
transÆguração quando ascende a
outra dimensão. A linguagem musi-
cal contrastante usada por Strauss

para caracterizar estes dois planos e
a carga dramática da composição
foram adequadamente enfatizadas
pela interpretação, mas nesta obra
inicial a OJGM permaneceu um pou-
co aquém das suas capacidades. A
verdadeira transÆguração, aplicando
aqui o conceito ao domínio técnico
e artístico superlativo, deu-se com a
Sinfonia nº 3, Heróica, de Beetho-
ven, na segunda parte. Blomsted e
os jovens instrumentistas da OJGM
ofereceram-nos uma versão impecá-
vel, tanto ao nível da arquitectura
sonora (através da precisão dos fra-
seados, da nitidez dos planos, da
textura e dos contrastes rítmicos e
dinâmicos) como da dramaturgia,
das tensões e do carácter épico do
discurso musical. A sedução tímbri-
ca das cordas, das madeiras e dos
metais e o seu bem doseado jogo de
equilíbrios Æcaram bem evidentes
num percurso empolgante que cul-
minou no luminoso Allegro molto
Ænal, cuja engenhosa série de varia-
ções permitiu conÆrmar novamente
a qualidade expressiva dos diferen-
tes naipes.
Bem mais contida, como o carác-
ter da própria obra pedia, mas não
menos surpreendente, foi a interpre-
tação dos Rückert Lieder, de Mahler.
Christian Gerhaher teve uma presta-
ção pautada pela nobreza e pela
sobriedade, não obstante o uso de
uma considerável paleta dinâmica.
O seu canto assenta numa articula-
ção meticulosa do texto, que tira
partido da fonética da língua alemã,
sendo igualmente muito atento à
relação texto-música do ponto de
vista semântico. Esta abordagem do

Crítica de música


Christian Gerhaher e Orquestra
Juvenil Gustav Mahler

Dir.: Herbert Blomstedt. Obras de
R. Strauss e Mahler (dia 7); e de Dvorák
e Bruckner (dia 8). Lisboa. Fund.
Gulbenkian. 7/09 às 20h; 8/09, às 18h.

mmmmm


Cristina Fernandes

Encontro de gerações


em dois concertos


inesquecíveis


MIGUEL MANSO

Aos 92 anos, o maestro Herbert Blomstedt está em plena forma

detalhe resulta fascinante em várias
passagens, mas deixa por vezes em
segundo plano o grande arco dos
fraseados. O barítono alemão e a
orquestra mostraram-se em boa sin-
tonia, tendo atingido uma simbiose
ainda mais conseguida no concerto
de domingo, com as Canções Bíbli-
cas, op. 99, de Dvorák. Agora num
âmbito estilístico diverso, e contan-
do com o peculiar colorido da língua
checa, Gerhaher manteve a mesma
atitude em relação à dicção e à sono-
ridade do texto, bem como ao con-
teúdo dos poemas, transmitindo de
forma sugestiva os inúmeros estados
de alma que percorrem estas belíssi-
mas canções baseadas em salmos da
Bíblia de Kralice, a primeira tradução
para checo das Sagradas Escrituras,
e detentoras de uma linguagem de
grande riqueza melódica e harmóni-
ca, permeável às inÇuências do fol-
clore eslavo.
A formação instrumental mais
reduzida usada em Dvorák deu lugar
à monumental formação sinfónica
exigida pela Sinfonia nº 6, de
Bruckner. Apesar dessa enorme mas-
sa orquestral, Blomsted e a OJGM
mantiveram a transparência do dis-
curso e a propulsão rítmica, numa
interpretação mais uma vez marcan-
te que superou com destreza as exi-
gências da audaciosa partitura de
Bruckner. Tal como tinha acontecido
no concerto do dia anterior, gerou-se
grande entusiasmo na assistência,
que aplaudiu longamente de pé e foi
premiada com a repetição do Scher-
zo numa interpretação ainda mais
contagiante.
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